O Ministro da Guerra no Clube de Engenharia
Há duas semanas, o General Enzo Martins Peri, Comandante do Exército Brasileiro, fez uma palestra no Clube de Engenharia tão inusitada e alvissareira que achei que valia um registro especial aqui no Correio.
A palestra versou sobre as atividades do Exército, as transformações pelas quais passou e vem passando, as novas dimensões dessas atividades, em especial a responsabilidade atribuída à Força no campo da ciência e das tecnologias mais avançadas aplicadas às operações militares. Ao Exército coube a área da cibernética, à Marinha a da energia nuclear e à Aeronáutica a das operações espaciais.
Foi excelente no conteúdo, apresentada com cuidado, bem condensada no tempo de quase uma hora e aplaudida com sinceridade pelos engenheiros que lotavam o auditório do Conselho. Mas o principal da palestra, na minha opinião, foi o seu caráter de novidade, que eu chamei de inusitada e alvissareira, porque reflete uma nova realidade política do País que nos enche deste sentimento de alento e confiança em relação ao desenvolvimento brasileiro.
Senti, realmente, indiscutivelmente, o Novo Brasil se mostrando diante dos engenheiros. O velho Brasil, que eu conheci bem, era o do Ministro da Guerra, arrogante e poderoso, capaz de botar os tanques na rua por cima de qualquer poder constituído se os chefes militares concordassem em que era necessário; o Ministro da Guerra que só falava, quando falava à Sociedade, só falava no Clube Militar. E entretanto eu vi e ouvi o seu correspondente de hoje, o Comandante do Exército, falando a paisanos, engenheiros, na sede da sua entidade de representação política, apresentando o Novo Exército e, mais, e o mais importante, dizendo que era fundamental que a sociedade discutisse a política de defesa nacional, e que ele estava ali com este propósito, de induzir os engenheiros e outros setores da sociedade, a participar democraticamente desta discussão. Que palavra importante, inusitada e alvissareira.
Nova e animadora porque representa uma profunda mudança no modo de pensar dos militares brasileiros, tradicionalmente pautado na crença positivista de que o especialista, aquele que estuda e se dedica a um tema é que sabe o que é melhor, no âmbito daquele tema, para a sociedade como um todo. O debate com o povo sobre as alternativas da política de defesa, isto é, o debate político sobre o tema da defesa, era inadmissível, e as decisões sobre o assunto cabiam, completa e exclusivamente, aos militares, os especialistas. A mudança é profunda, produz um modo diferente de pensar dentro das Forças Armadas, que deixa de ser eminentemente positivista (o voto de um general tinha que valer mais do que o de uma lavadeira), para ser democrático (a Nação como um todo tem que discutir a política de defesa). Para o desenvolvimento brasileiro é uma transformação decisiva, propiciadora de enorme avanço.
Mas se pode ainda avaliar esta mudança também pelo lado da eficácia, tão importante para os militares. Também sob este prisma, a democratização da política de defesa se desdobra num aumento substancial da capacidade mobilizadora da Nação, do povo nacional, para o enfrentamento de qualquer ameaça ou mesmo agressão vinda de fora, mobilização esta especialmente importante, primordial mesmo, no caso de agressões vindas de potências militarmente mais fortes.
*Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.