20 de novembro: indignação e resistência
O Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo expressa o seu profundo repúdio ao assassinato do Sr. João Alberto Silveira Freitas, nas dependências de uma unidade do supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, no dia 20 de novembro de 2020, dia Nacional da Consciência Negra.
Cenas de violência, de racismo, de humilhação e repressão às pessoas negras não podem mais fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira. Lutamos pela democracia e um dos princípios de um país democrático é o direito à vida, o respeito à pessoa humana e a criminalização do racismo!
Exigimos das autoridades competentes a imediata apuração do caso e a responsabilização dos agressores. Nenhum assassinato pode passar impune!
A rede de supermercados onde o ato hediondo de assassinato do sr. João Silveira Freitas aconteceu necessita urgentemente vir a público e prestar esclarecimentos à sociedade, às autoridades e à família sobre o ocorrido e assumir a sua responsabilidade. Não basta fechar o estabelecimento.
Basta de racismo!
Não é mais suportável que negros e negras, que representam 55,8% da população, de acordo com os dados do IBGE, continuem sendo tratados como suspeitos e as principais vítimas da violência pelo fato de serem negros. O fato ocorrido decorre da persistência do racismo estrutural presente nas mais variadas instituições públicas e privadas!
É inadmissível constatar que, mesmo com a importância dos negros e das negras na conformação social, econômica, cultural e política do nosso país, essa parcela da população brasileira ainda se encontre nos patamares mais cruéis de desigualdade, pobreza e de violência. De acordo com o Atlas da Violência 2020, os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram em 11,5%, de 2008 a 2018, enquanto a de não negros caiu 12%. Um dado que apenas reforça e deixa transparecer o racismo estrutural que ainda perdura no país. Ainda segundo a pesquisa, ao todo, os negros somam 75,9% dos brasileiros assassinados no período analisado. Mortes de mulheres negras e jovens negros e negras lideram os casos.
No mês de maio de 2020, muitas pessoas foram às ruas entoando o lema “vidas negras importam”, indignadas com as cenas de violência do assassinato de George Floyd. Entidades do movimento negro e partícipes da luta antirracista manifestaram, à época, a sua estranheza diante do fato de que essa mesma comoção pública não é manifestada pela nossa sociedade diante do genocídio da juventude negra, da violência policial em relação às pessoas negras, do racismo no mercado de trabalho, situações que fazem parte do cotidiano de negros e negras em nosso país.
A proximidade entre os dois crimes, George Floyd, nos EUA, e João Silveira Freitas, no Brasil, ambos mortos por uma autoridade, seja pública ou privada, e imobilizados até a perda total da respiração, revelam técnicas usuais das forças policiais em nosso país. E o que é mais ultrajante: técnicas que geralmente são usadas na ação das polícias quando lidam com as pessoas negras.
Não podemos deixar também de repudiar dois outros atos racistas emblemáticos nos últimos dias em nosso país e que articulam raça e gênero. Repudiamos e denunciamos as ameaças de morte recebidas pela primeira vereadora negra eleita na cidade de Joinville, Ana Lucia Martins, do Partido dos Trabalhadores. Solidarizamo-nos com a professora Ana Lucia e destacamos a sua coragem e luta!
Repudiamos o feminicídio e honramos a memória da militante Leila Arruda, candidata do Partido dos Trabalhadores à Prefeitura de Curralinho, no arquipélago do Marajó, assassinada a facadas e pauladas na tarde desta quinta-feira, 19/11/20, em Belém, pelo ex-marido.
O racismo é uma constante tanto no caso do assassinato de João Silveira Freitas quanto nas ameaças de morte recebidas pela vereadora eleita Ana Lucia, quanto no feminicídio de Leila Arruda! Exigimos justiça e providências das autoridades competentes. O Brasil justo e democrático aguarda a solução desses casos de forma rápida e contundente. Se a justiça é para todos, ela não pode encobrir o racismo!
Acreditamos em um Estado que proteja os seus cidadãos, que lhes dê segurança e lhes garanta uma vida sustentável e com direitos. Sabemos que vivemos em um país diverso e ao mesmo tempo desigual. E que essas desigualdades são impostas por fenômenos históricos, estruturantes como o capitalismo, o racismo, o patriarcado.
Esses fenômenos perversos estão na conformação da sociedade. Estão imbricados nas relações de poder. Porém, também é histórica e estrutural a resistência negra. Ela faz parte da luta social, racial e de gênero pelos direitos e contra as relações de poder que autorizam a violência.
Por isso, relembramos Palmares nesse 20 de novembro!
Palmares é símbolo de não violência e de luta pelos direitos!
Palmares é resistência não só contra o racismo, mas também contra toda e qualquer tentativa de aprisionamento humano, de ruptura com a liberdade, condição essencial para nos tornarmos humanos!
Em um mundo de incertezas, em uma sociedade cujas elites econômicas, o fundamentalismo político e religioso, o neofascismo, a exacerbação do racismo, do machismo, da LGBTQIA+fobia constrói armadilhas e ataques à democracia, só nos resta nos inspirarmos em Palmares e lutar, resistir e exigir nossos direitos!
Pela memória de João de Freitas,
De Leila Arruda,
De Marielle Franco,
De Claudia Ferreira,
De Ágatha Felix,
De Evaldo Santos,
De João Pedro Motta,
De Miguel Otávio,
Por justiça para Ana Maria Martins.
Não ao racismo!!