O retorno do MEC ao deserto do obscurantismo
Depois do caricato Vélez Rodríguez, do obscurantista Abraham Weintraub, considerado por praticamente todos especialistas do setor o pior ministro da Educação da história, e de Carlos Decotelli, o ministro que foi sem ter sido, por diplomas que nunca teve, é a vez de Milton Ribeiro espantar o mundo civilizado com seus posicionamentos e declarações. As primeiras informações sobre o novo ministro, que vinham de imagens na internet em razão de pregações antigas, eram bem preocupantes. Mas, houve um período de silêncio por parte do ministro e de espera por parte da comunidade acadêmica.
De alguma forma, todos que tem verdadeiro compromisso com a educação torciam silenciosamente para que o Ministério da Educação pudesse se reencontrar com a agenda da aprendizagem, do esforço de inclusão educacional e com o indispensável esforço para a indução da qualidade no ensino. Mas, a exposição pública do ministro, com as últimas declarações, trouxe o MEC de novo, para o deserto do obscurantismo e do retrocesso histórico.
Sem qualquer rumo, diretriz, planejamento, coordenação, gestão, protagonismo ou contribuição para que o Brasil avance no cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, o Ministério da Educação do governo Bolsonaro foi completamente esvaziado e transformado em uma instituição a serviço de uma bravata: o combate a uma suposta guerra ideológica cultural. Em meio a uma pandemia sem precedentes em nossa história, que afetou dramaticamente a vida de mais de sessenta milhões de estudantes e de três milhões de professoras e professores e impôs imensos desafios às redes de ensino e à toda comunidade escolar, Ribeiro dá uma entrevista desastrosa na qual declara que volta às aulas e o acesso à web não são temas do Ministério da Educação. Assim como foi durante todo o processo de enfrentamento da pandemia, Ribeiro reafirma a posição do governo Bolsonaro de desobrigação e completa omissão sobre o tema na educação.
Nunca é demais lembrar que, ao longo desse processo, nossos estudantes foram mandados de forma prudencial para o isolamento doméstico sem qualquer medida, preparo ou orientação do Ministério da Educação de Bolsonaro. Eles não apresentaram um planejamento pedagógico, plano dirigido de leitura, exercícios para serem aplicados em casa ou orientações para adoção de formas de educação à distância, quando possível. Nada foi feito para continuar enfrentando o dramático apartheid digital das crianças e jovens filhos da pobreza. Em suma, frente à completa inoperância do governo Bolsonaro, coube solitariamente às redes federais, estaduais e municipais o protagonismo de garantir que parte de nossas crianças e nossos jovens continuassem estudando.
Agora, o Ministério da Educação deveria estar coordenando as redes de ensino no planejamento da retoma das aulas presenciais. É papel do Ministério da Educação liderar o trabalho de mapeando da realidade de cada uma das escolas deste país para assegurar uma flexibilização da volta às aulas quando possível, ou seja, em localidades em que as condições sanitárias e de controle da pandemia estiverem totalmente dentro dos parâmetros de segurança da Organização Mundial da Saúde. São indispensáveis os protocolos amparados na medicina baseada em evidência científica para o retorno seguro às atividades escolares. E, quando ocorrer, é fundamental o monitoramento rigoroso de cada sala de aula. Mas, ao invés disso, Ribeiro foge da responsabilidade e abandona novamente as redes de ensino, professores e milhões de crianças e jovens a sua própria sorte.
Não bastasse a postura de Pôncio Pilatos sobre a vida e o futuro de milhares de alunos, professores e suas famílias, Ribeiro soltou outra pérola: “acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas.” Além disso, no Fórum Nacional sobre Letalidade Infanto-juvenil afirmou que Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) “tem sido usado como um direito para matar”.
É inacreditável que ministro se omita naquilo em que é responsabilidade do Ministério da Educação e que queira se intrometer naquilo que vai na contramão dos valores civilizatórios de resgate de uma cultura democrática e de paz, com respeito integral aos direitos humanos de todos e de todas, independentemente de condição social, gênero, religião, orientação sexual e raça. Não falamos aqui de uma opção do ministro, mas de um dever de todos os agentes públicos em respeitar valores republicanos expressos na Constituição de 1988 e em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Com essas declarações absurdas, Ribeiro estimula o preconceito e a discriminação contra os jovens LGBTQI+, que estão exercendo seus direitos de cidadãos nas escolas e que já enfrentam o bullying, muitas vezes a violência aberta e quase sempre o preconceito silencioso e doloroso cotidianamente. Também fomenta a política de encarceramento em massa, agora sugerindo que os jovens de 16 anos em conflito com a lei sejam jogados nos presídios atuais e sejam ainda mais expostos às brutalidades da população carcerária e ao aliciamento das organizações criminosas.
Mas, há uma outra dimensão nessa estratégia de comunicação: criar novamente uma cortina de fumaça para encobrir a total precariedade que é Ministério da Educação de Bolsonaro e mudar a pauta em que esse governo colocou a educação do país, que é o arrocho do orçamento e o desmonte das políticas públicas de acesso, inclusão, permanência e indução da qualidade. O desprezo de Bolsonaro pela educação pública de qualidade se manifesta no esforço prolongado de obstrução da emenda constitucional do Fundeb, no desmonte de programas exitosos e agora no corte de 1,57 bilhão de reais no orçamento do Ministério da Educação deste ano, anunciado no início de setembro.
Essa profunda crise da educação brasileira no governo Bolsonaro é agravada pela não regulamentação do Fundeb. Além disso, pela Proposta de Emenda Constitucional do pacto federativo, que ameaça desmontar a educação básica, acabando com os pisos orçamentários vinculados à educação e à saúde como já fizeram com o orçamento federal.
Precisamos retomar um projeto de país que coloque a educação no centro estratégico das políticas públicas. Precisamos de um Ministério da Educação que tenha uma gestão consistente e que coloque os estudantes, a aprendizagem, os professores, as escolas, os projetos pedagógicos e a comunidade escolar no foco das ações. Por isso tudo, esse retrocesso histórico que é o governo Bolsonaro não sobreviverá a luz do sol, que é a soberania do voto popular contra todo esse obscurantismo e negacionismo, que tanto envergonha nosso país internacionalmente e que compromete as nossas gerações futuras.
Aloizio Mercadante é economista, professor universitário, ex-deputado, ex-senador, ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo