A assinatura do acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular (Farc – EP) no final de 2016 apontava para uma nova era de maior tranquilidade e menos violência, inclusive porque, no bojo do acordo, foi estabelecida uma série de critérios para a entrega dos armamentos, incorporação dos ex-combatentes à vida civil e criação de instituições voltadas para a promoção da justiça e dos direitos humanos na sequência.

Entretanto, no período posterior ao acordo onde se previa a incorporação dos ex-combatentes e a transformação das Farc em partido político regular, a realidade se mostrou muito diferente. Além de não haver progresso na tentativa governamental de também negociar um acordo de paz com os insurgentes do Exército de Libertação Nacional (ELN), a incorporação dos ex-integrantes das Farc à vida civil não ocorreu conforme acordado. O resultado disso foi a exposição de vários deles a ataques de grupos paramilitares de direita e surgimento de uma dissidência minoritária que se recusou a depor as armas e se retirar de territórios ocupados.

O acordo com as FARC foi negociado pelo governo durante a presidência de Juan Manuel Santos, mas fortemente combatido pela direita em particular pelos “Uribistas” do partido Centro Democrático que, em 2018, elegeu o atual mandatário Ivan Duque. Um dos motes de sua campanha foi o questionamento ao acordo de paz e, se já houve graves violações de direitos humanos durante o início de sua implementação, durante os três últimos anos o quadro se deteriorou enormemente.

Os dados divulgados por organizações colombianas apontam para a seguinte situação: além de assassinatos individuais, ocorreram uma série de massacres de grupos sociais em várias regiões do país. Em 2019 foram 36 massacres e, em 2020, até o mês de agosto, foram 45. Desde 2018 se contabilizam 1.074 vítimas fatais dos massacres, sendo que 211 eram ex-combatentes das Farc, além de vinte familiares. As vítimas se distribuíam de acordo com as seguintes características: 342 eram camponeses, 250 indígenas, 71 afrodescendentes, 131 mulheres, 13 LGBTQI+, 58 sindicalistas, 6 ambientalistas, 79 agentes comunitários e 124 participantes de diferentes movimentos cívicos. A maioria dos massacrados desenvolviam atividades políticas e sociais e muitos atuavam na substituição dos cultivos de coca por outras culturas, um programa que no seu auge buscou atender a, aproximadamente, cem mil famílias e que foi abandonado pelo atual governo que voltou a atuar com fumigação de glifosato para erradicar as plantações ilícitas.

A motivação dos massacres parece ser a disputa por territórios, principalmente, os ocupados anteriormente pelas Farc e mercados de mineração ilegal e produção de cocaína, além das rotas de transporte destes dois produtos. Não foi possível identificar mais da metade dos autores dos massacres, mas entre os casos apurados verificou-se que a maioria eram de autoria de grupos paramilitares de direita e de redes de narcotraficantes, seguido pelos insurgentes do ELN, dissidência das Farc e remanescentes do Exército Popular de Libertação (EPL), outro grupo guerrilheiro que negociou um acordo de paz com o governo nos anos 1990.

O que favorece esses crimes crescentes, é a omissão do atual governo. Além de o Estado não ter ocupado os territórios anteriormente sob influência das Farc, tampouco reconhece os massacres como tais e os classificam como crimes comuns de autoria de delinquentes quando deveria estar fortalecendo as políticas de segurança e buscar o diálogo com os grupos insurgentes visando a deposição de suas armas.

Kjeld Jakobsen é é consultor da Fundação Perseu Abramo. O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

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