As mobilizações dos entregadores – motociclistas e ciclistas – que trabalham para aplicativos têm sido saudadas como uma importante novidade na organização trabalhista coletiva e despertam expectativas sobre o futuro do enfrentamento da cada vez mais acentuada exploração capitalista.

Para debater este tema, o Observatório da Coronacrise da Fundação Perseu Abramo realizou live na noite de sexta-feira com as presenças de Paulo Lima, o Galo, fundador do coletivo Entregadores Antifascistas e mais destacada liderança das manifestações do último dia 1º de julho, da socióloga Helena Abramo e da secretária-geral da CUT, Carmen Foro. O debate foi mediado pelo diretor da Fundação Perseu Abramo Artur Henrique, responsável pelo projeto Reconexão Periferias e ex-presidente da CUT Nacional (2006-2012).

Créditos: Divulgação

Se depender de Galo, as mobilizações vão longe e produzirão efeitos duradouros e transformadores. “A gente quer levar uma com o sistema, tipo Panteras Negras, tipo o cara que lá atrás enfrentou os patrões e passou a exigir 13º salário. A gente quer ser esse cara quando crescer”, afirma o motoentregador.

Haverá novo breque no próximo dia 25. Breque é o termo empregado pelos entregadores para definir o que o tradicional sindicalismo chamaria de greve ou paralisação. Além das reivindicações básicas do movimento – garantia por parte das empresas de fornecimento de equipamento de proteção contra o contágio, tais como álcool gel e máscaras, fornecimento de alimentação e apoio para reparos nos veículos, de propriedade dos trabalhadores, entre outros pontos – Galo anuncia que os entregadores pretendem organizar uma cooperativa e desenvolver um aplicativo de pedidos e entregas próprio, sem intermediação das grandes empresas multinacionais.

Galo e o movimento que ele representa também têm despertado curiosidade sobre o posicionamento político e projetos que nutrem nessa seara. O entregador não se furta a discorrer a respeito. Segundo ele, boa parte dos entregadores rejeita a proximidade com partidos e sindicatos e não se define como de esquerda. Ele, no entanto, se declara esquerdista, mas diz não ter projeto político pessoal.

“A greve, o movimento, é mais importante que os Entregadores Antifascistas (coletivo que Galo ajudou a fundar), porque é um coletivo gigante. São duas coisas diferentes. Tem de respeitar quem não quer envolvimento com política, porque essa é a vontade do coletivo”, afirma Galo.

No entanto, crê, a resistência dos entregadores em compreender que o movimento é em essência uma mobilização política pode ser superada com o tempo. “Os companheiros já têm o segredo na cabeça, só precisam se descobrir”.

Galo diz que parte dessa repulsa ao caráter político das mobilizações vem das campanhas sistemáticas do empresariado para confundir os entregadores e impedir que se enxerguem como trabalhadores e como parte de um coletivo. “Eles viram a cabeça do trabalhador e ele acaba se odiando”.

Outro ponto de resistência apontado por Galo nasce de parte da própria ação política e sindical. “O sindicato aqui da capital marcou a mobilização pro dia 14, sabendo que o movimento é no dia 25. Como é que eu vou defender esse cara?”, diz. “Olha, vou dizer, pro povo hoje em dia tudo é xaveco. É tanta mentira que a pessoa prefere tapar os ouvidos”, diz, apontando no descompasso entre a ação sindical e a vontade da base um fator para a resistência da categoria em relação à representação oficial. “Tem motivo, né?”.

Para falar sobre suas pretensões políticas, Galo, em linha narrativa muito própria a ele, recorre a exemplos que vivencia. “Tem gente que me pergunta: você quer ser o Lula? Espera pra ver. Sobe aqui na minha garupa, vem ver como é minha vida depois que a live acaba. Eu estou aqui (na live) porque eu preciso. Tô com saudades da minha filha. Mas eu morro defendendo isso, morô?”.

Para Helena Abramo, a mobilização dos entregadores é “um dos acontecimentos políticos mais importantes dos últimos tempos”. Ela destaca que a categoria emerge para o protagonismo. “A pandemia permitiu que vocês fossem rompendo uma série de invisibilidades, de isolamento. Vocês obtêm um reconhecimento de que são atores políticos e trabalhadores, e não empreendedores”.

Carmen Foro lembra que a CUT, em seu último Congresso, realizado em 2019, aprovou resolução que afirma a necessidade de representar trabalhadores que não têm os mesmos vínculos formais de outrora. “Mas para isso temos de aprender juntos com vocês”, diz a secretária-geral.

Artur Henrique destacou que as falas de Galo recordam os primeiros momentos do Novo Sindicalismo, no final da década de 1970 e nos anos 1980. “É muito próximo, os trabalhadores vão descobrindo sua condição, unem-se pela solidariedade, ajudam-se e vão se organizando. Temos também de cobrar, de pressionar o poder público para ir criando formas de consolidar mudanças, como por exemplo a criação de impostos sobre essas empresas para dar suporte a uma rede de políticas públicas de apoio para esses trabalhadores”, sugere.

Um dos argumentos que Galo usa com frequência é uma espécie de síntese da luta que desenvolve. Para ele, é preciso resgatar a autoestima do trabalhador em ser o que é. “Eu não abro mão da CLT, que pra mim é o Conjunto das Lutas dos Trabalhadores”, afirma. “Trabalhador é que é bonito. Esses caras (os patrões) têm de se vestir muito bem para esconder a feiúra deles”. Em outro momento, afirma. “Eu quero a CLT sim. A empresa chega e diz que a gente é empreendedor. Como assim, você é quase igual nós? Sai fora, respeita”.

Para assistir o programa do Observatório da Coronacrise, acesse o canal da Fundação Perseu Abramo no Youtube, e veja o debate completo.

 

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