O futebol como conhecemos hoje, com as regras gerais que permaneceram basicamente as mesmas ao longo de sua história, já tem mais de cem anos. Mas a sua importância econômica, a capacidade agregadora e a incrível gama de interesses que envolvem a modalidade atualmente não lembram em nada as primeiras partidas disputadas em campos a céu aberto. Esporte mais popular do mundo, ele se constituiu em um mercado que movimenta aproximadamente US$ 250 bilhões por ano e seu desenvolvimento acompanhou momentos históricos de muitos países. Não é à toa que o seu atual estágio esteja tão intimamente ligado à globalização econômica e financeira intensificada a partir da década de 1990.

Não é exagero ou saudosimo dizer que o futebol mudou muito nas últimas três décadas. O esporte chegou a lugares onde antes não era popular, como a Ásia e mesmo os EUA. Mas existe um dedo brasileiro nessa mundialização da bola. Para o bem, segundo muitos, e para o mal, para outros tantos. João Havelange foi durante 24 anos presidente da entidade máxima do futebol, a Fifa. Sua própria eleição, em 1974, foi possível graças às promessas de retirar da Europa o poder central das decisões que vigorava até então. Assim, conseguiu apoio da América Latina, da África e também de países dissidentes que antes apoiavam o então presidente e candidato à reeleição Stanley Rous. Em sua campanha, apoiou também a reintegração da China ao órgão, mesmo contrariando, segundo ele, recomendação do ministério das Relações Exteriores do Brasil, em plena ditadura militar.

Mas claro que nem essa posição pró-chineses nem sua busca por aliados entre os países em desenvolvimento significava qualquer posicionamento ideológico à esquerda ou algum sentimento de justiça que tentasse trazer mais igualdade ao mundo da bola. Era uma estratégia de poder, e essa era bastante dispendiosa. Para satisfazer sua base de apoio, Havelange se comprometeu a ampliar o número de participantes da Copa do Mundo, de 16 para 24 já em 1978, o que gerava novos gastos tanto para as eliminatórias como para o próprio Mundial.

Nesse momento, segundo o livro Como eles roubaram o jogo, de David A. Yallop, surge a figura de Horst Dassler, presidente da Adidas que, a princípio, tinha se oposto à eleição do brasileiro ao cargo máximo do futebol. No entanto, no mundo dos negócios e da política as inimizades –e as amizades – não são eternas…

Para viabilizar não apenas o aumento de participantes do Mundial, mas também a concretização de outras promessas como competições envolvendo seleções das categorias de base, era necessário aumentar o aporte financeiro da Fifa. Dassler, considerado um dos precursores da concepção de esporte como negócio, uniu-se ao inglês Patrick Nally, profissional de relações públicas, e juntos tornaram-se líderes na área do marketing esportivo, ajudando a Fifa a conseguir o dinheiro de que precisava. E mais do que precisava.

O presidente da Adidas costumava buscar os grandes atletas do planeta para exibir sua marca. Mas na década de 70 já descobrira que era mais interessante ir diretamente às federações e confederações esportivas, e a Fifa obviamente poderia ser a mais valiosa delas. Junto com Nally, trouxeram o patrocínio da Coca-Cola para a Copa de 1978 e até hoje a empresa continua “parceira” do evento, com contrato até 2022. Começava a se robustecer ali o futebol como negócio. As Copas de 78 e 82, as duas primeiras realizadas sob os auspícios de Havelange, renderam US$ 78 e US$ 80 milhões, respectivamente. Já o último Mundial sob comando do brasileiro na Fifa, em 1998, e já com 32 seleções participantes, gerou um faturamento de US$ 4 bilhões, um crescimento de 50 vezes em 24 anos.

Havelange deixou como legado um futebol mundializado: hoje, a Fifa tem 208 filiados, resultado direto da sua política expansionista. É mais do que o número de membros da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem 192 países membros. Isso ocorre porque a entidade futebolística reconhece possessões e colônias como a Guiana Francesa e nações como a Palestina. De novo, o interesse passa longe de questões humanitárias; basta lembrar que operadoras de cartão de crédito têm procedimento semelhante, “reconhecendo” países que não existem para facilitar seu modus operandi. Talvez não seja mera coincidência.

O mercado de “pé-de-obra”

A globalização da bola e do dinheiro também tornou mais banal a transação de atletas entre equipes de todo o mundo. Atualmente, a Fifa estima que entre 20 e 30 mil jogadores já tenham saído de seus países para tentar a sorte em lugares que inclui países como o Vietnã (destino de 34 atletas brasileiros entre janeiro e outubro de 2009) e os grandes centros europeus). E as somas envolvidas nas transações cresceram de forma exponencial nas últimas décadas.

O jornal espanhol Marca fez um levantamento sobre a evolução dos valores das transferências de craques da bola, partindo da negociação de Johan Cruyff em 1973. O astro da Laranja Mecânica, a seleção holandesa de 1974 que revolucionou a tática no futebol, foi do Ajax para o Barcelona pelo valor atualizado de 360 mil euros. Nove anos mais tarde, a ida do craque argentino Diego Maradona para o mesmo Barcelona daria aos cofres do clube portenho a soma de 7,2 milhões de euros, 20 vezes mais do que o valor do capitão holandês. Já em 2009, a negociação envolvendo Manchester United e o Real Madrid selaria a maior transação na história da modalidade: 94 milhões de euros pelo português Cristiano Ronaldo.

Embora tais transações entre países existam desde antes da profissionalização do esporte (no Brasil, Arnaldo Porta saiu de Araraquara para jogar pelo Verona, da Itália, em 1914), o movimento se intensificou e tomou ares de grande negócio a partir das décadas de 70 e 80, quando os países europeus começaram a derrubar suas restrições a estrangeiros nas ligas nacionais.

O jornalista Paulo Vinicius Coelho, o PVC, em seu livro Bola Fora – A História do Êxodo do Futebol Brasileiro (Panda Books), conta que, em 1974, a Espanha passou a permitir dois estrangeiros por clube, independentemente de eles terem ou não ascendência espanhola. Isso fez com que jogadores como os palmeirenses Luis Pereira e Leivinha migrassem para os gramados espanhóis. Outro importante mercado, o italiano, fechado para atletas internacionais desde o fiasco da seleção local na Copa de 1966 (quando foi derrotada pela Coreia do Norte), reabriu em 1980, permitindo um estrangeiro por clube. Assim, o meia Falcão foi tornar-se o “Rei de Roma”, abrindo caminho para outros brasileiros, favorecidos por mais uma abertura na Itália e na Espanha depois de 1982, quando passou a se permitir três estrangeiros por clube.

No biênio 1983/1984 o Brasil viu jogadores com carreira consolidada na seleção brasileira irem para a Itália, como Zico e Sócrates, mas na segunda metade da década aumentou o número de países que passaram a recrutar o “pé-de-obra” brasileiro. Mirandinha foi o primeiro brasileiro a jogar na Inglaterra em 1987; Romário foi para o PSV da Holanda em 1988, enquanto o zagueiro Júlio César, titular da seleção de 1986, se transferiu para o Brest francês logo depois da Copa.

No entanto, o caso do jogador belga Jean Marc Bosman modificaria o cenário das transferências de atletas no futebol. Após ter seu contrato encerrado com o Liège, da Bélgica, o meia anunciou que iria se transferir para o Dunkerke, da segunda divisão francesa, mas foi impedido porque o seu vínculo – ou passe – ainda pertencia ao Liège, que exigiu € 600.000 pela cessão. O atleta recorreu à Justiça reivindicando para si a aplicação da lei que permitia aos cidadãos do continente trabalhar em qualquer país da Comunidade Europeia sem restrições. Em dezembro de 1995, o Tribunal de Justiça Europeu deu razão a Bosman, em uma decisão que criava jurisprudência tornando ilegais as indenizações por transferência de jogadores e as cotas que limitavam o número de atletas comunitários.

Desde então, qualquer jogador que tenha passaporte comunitário pode atuar livremente nos países da Comunidade Europeia, o que beneficiou o fluxo de atletas para o Velho Mundo. Aqui, a Lei Pelé adaptou a legislação brasileira à realidade do fim do passe em 1998. Os números mostram que a queda de barreiras aumentou e muito a transferência de boleiros para o exterior. Em 1995, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) registrou a saída de 254 jogadores e, em 2009, de 1.017. Pode-se dizer que a crise econômica ajudou o país a manter alguns de seus valores aqui já que, em 2008 o êxodo foi ainda maior que no ano passado, com 1.176 brasileiros tentando a vida em outros países.
 
“O Brasil produz muitos jogadores e o mercado interno não consegue absorver. Outro fator que influencia para que saia é o fato de que nem sempre o jogador tem a mesma possibilidade de ascensão social que o futebol permite em outras profissões, diferentemente do que ocorre em outros países que têm mais estrutura”, explica Oliver Seitz, PhD em Indústria do Futebol e primeiro brasileiro a lecionar no curso "Football Industry", da Universidade de Liverpool. “Além disso, começaram a se desenvolver nos anos 90 mercados que não existiam antes como o Japão, os EUA, o Leste Europeu etc. O desmembramento da União Soviética, por exemplo, fez com que novos países precisassem formar suas ligas nacionais e, para buscar jogadores, Brasil e Argentina possuem marcas muito fortes no futebol mundial”.

Essas condições favoráveis fizeram da saída de atletas um importante item na pauta de exportação brasileira, gerando, segundo dados do Banco Central, US$ 1,199 bilhão para o país entre 1993 e 2007. Contudo, o perfil do negócio começou a mudar nos últimos anos: enquanto em 2005 as 804 transações realizadas para o exterior renderam US$ 159 milhões, 1.085 atletas saíram do país em 2007, mas foram então movimentados apenas US$ 49,8 milhões, menos de um terço do montante de dois anos antes. Uma das possíveis explicações para isso é a saída de atletas com cada vez menos idade, às vezes antes de chegarem a jogar no time profissional, o que envolve valores menores do que as negociações de jogadores já consagrados.

“Em breve, será muito difícil ver aqui jogadores surgindo e encerrando a carreira no mesmo clube, como o Maldini no Milan, que passou mais de 20 anos num só time; Raul no Real Madrid ou Totti na Roma”, acredita Gian Oddi, editor-executivo do portal IG. “Os brasileiros vão sempre ser exportadores, a questão é em que momento exportar, pois é lamentável ter que fazer isso com jogadores de 17, 18 anos. Talvez a opção melhor fosse reter para ganhar mais dinheiro no futuro”, pondera.

Agentes e negócios subterrâneos

Para muitos, os jogadores de futebol saíram das mãos dos cartolas para entregar suas carreiras aos agentes ou empresários responsáveis pela intermediação das transferências. Os jornalistas Claudia Silva Jacobs e Fernando Duarte, no livro Futebol Exportação (Editora Senac Rio) descrevem a que ponto chegou tal influência: “Hoje, há atletas da categoria infantil com representação. O aumento dos agentes não foi apenas de importância: a comissão cobrada dos clientes pode chegar a 50% nos casos de empresários mais gananciosos”.

Um dos exemplos de sucesso no meio é Wagner Ribeiro. Uma matéria da edição n° 13 da revista Piauí mostra um pouco da trajetória do empresário, que iniciou a sua carreira transferindo o atacante França do XV de Jaú para o São Paulo. Adquiriu os direitos federativos do atleta por 2,5 milhões de reais e, apenas quatro dias depois, revendeu ao clube do Morumbi por 4,6 milhões. O diretor-financeiro do clube, Paulo Amaral, disse à época que não sabia do “pormenor”, um dos lucros mais espetaculares de um agente em tão pouco tempo.

Ribeiro é também empresário de um dos garotos-sensação do Santos, Neymar, hoje com 18 anos. Ele já havia tentado, em 2005, cuidar de sua mudança para a Europa. Voou para a Espanha a convite do Real Madrid, junto com o pai e o menino, e durante vinte dias Neymar marcou 26 gols pelo juvenil do time. O fato propiciou uma oferta de 3 milhões de dólares e o time madrilenho teria chegado a arrumar um emprego de mecânico para o pai de Neymar, na montadora que patrocina a equipe, para justificar a mudança da família (a assinatura de um contrato profissional com essa idade era impossível). Por pouco Neymar não teve uma trajetória semelhante à do argentino Lionel Messi, titular do Barcelona que jamais chegou a atuar profissionalmente em uma equipe do seu país natal, jogando desde os 13 anos no clube catalão.

Em vista disso, já foi proposta e tramita no congresso uma alteração na Lei Pelé que cria mecanismos como o aumento do repasse de recursos para os clubes formadores dos atletas, que vale tanto para o futebol quanto para as modalidades olímpicas. Para as transferências que ocorrerem dentro do território nacional, passa a ser oficializado o “mecanismo de solidariedade” vigente em negociações para o exterior, que equivale a 5% do valor pago nas transferências de um jogador de futebol direcionado aos clubes formadores. Outro ponto é a proibição de empresários em manter vínculo com jovens de 14 a 19 anos.  De todo modo, o Ministério Público Federal também está de olho na questão e instaurou um inquérito civil público para apurar o aliciamento ilícito de atletas profissionais e amadores de futebol no Brasil para o exterior.

E é claro que um negócio lucrativo e que cresceu tanto nos últimos anos como a transação de atletas de futebol também atrai outro tipo de problema. De acordo com o relatório do Grupo de Ação Financeira da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em julho de 2009,  "os clubes de futebol são vistos internamente por criminosos como os veículos perfeitos para a lavagem de dinheiro". O documento descrevia um caso em que os investigadores obstruíram uma tentativa de lavagem de dinheiro por meio da compra de um clube italiano com dinheiro supostamente fornecido por uma associação criminosa da Itália.

“O que existe é uma selva e essa é a lei que impera. Não há controle, são transferências internacionais e privadas, portanto, fora do alcance dos governos. Decidimos que cabe à Fifa realizar esse monitoramento”, dizia o relatório da OCDE. Durante muito tempo, mesmo com transações envolvendo cifras milionárias, as negociações se davam com troca de faxes e em muitos casos isso ainda ocorre. Isso propiciou inúmeras negociações fraudulentas, muitas vezes envolvendo jogadores imaginários. Agora, a Fifa está implantando um sistema de transferência eletrônica que exige, entre outras coisas, a obrigatoriedade de que o dinheiro envolvido em uma transação de atleta seja depositado em conta bancária.

A telecracia no mundo da bola

“Hoje em dia, o estádio é um gigantesco estúdio de televisão. Joga-se para a televisão, que oferece a partida em casa. E a televisão manda.” É assim que o escritor uruguaio e fã de futebol Eduardo Galeano, no livro Futebol ao Sol e à Sombra, comenta o fato de os times terem que jogar ao sol do meio-dia na Copa do México em 1986, para adequar os horários ao maior mercado consumidor da modalidade, a Europa. Aliás, segundo Como eles roubaram o jogo, de David A. Yallop, esse foi um Mundial em que a participação da televisão havia alcançado outro patamar.

A sede inicial para a Copa de 1986 seria a Colômbia, que ganhou a indicação em 1974. No entanto, uma comissão da Fifa enviada ao país para analisar toda a infraestrutura necessária para o evento vetou a realização. O México, concorrendo com os EUA e Canadá, conquistou uma indicação que lembrava um jogo de cartas marcadas. O motivo era o interesse de Emilio Azcarraga Milmo, magnata das comunicações e dono do sistema Televisa mexicano, um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo. Segundo Yallop, João Havelange, então presidente da Fifa, teria relações estreitas com Azcarraga, que vislumbrou que o futebol poderia ser um espetáculo midiático muito antes dos dirigentes da bola, tanto que adquiriu o América local, hoje um dos clubes mais fortes do país, em 1959.

Por fim, a Colômbia foi desclassificada por “não ter condições” de sediar a Copa, de acordo com uma comissão da Fifa. O México superou EUA e Canadá e sediou a Copa de 1986. A Televisa foi responsável pela transmissão e a União Europeia de Televisão desembolsou mais de 30 milhões de dólares pelos direitos de retransmissão do evento. Segundo Yallop, Havelange, quando questionado sobre ter alguma ligação financeira com Azacarraga, negou, para completar em seguida: “Se eu resolvesse estar financeiramente ligado, isso seria inteiramente legítimo”. Calcula-se que, para a Copa de 2014, no Brasil, aproximadamente US$ 2,2 bilhões serão faturados com a venda de direitos de transmissão.

A televisão também foi essencial para a recuperação do campeonato inglês, abalado pelo domínio dos hooligans nos estádios. Os times da terra da Rainha chegaram a ser banidos da Europa após a morte de 39 torcedores no Estádio Heysel, na Bélgica, na partida Liverpool e Juventus, final da Liga dos Campeões da Europa em 1985. Mas em 1992 surge a Premier League e a venda dos direitos de transmissão passou a ser feita diretamente pelos clubes, que concederam os direitos à Sky TV. O acordo inicial, fechado em 191 milhões de libras por 5 anos, saltou para 1,97 bilhão de libras para transmitir os jogos das temporadas 2010/2011 a 2012/2013.

Mas nem tudo são flores no negócio inglês. Os jogos não são transmitidos pela TV aberta e mesmo para passar os melhores momentos de uma partida ou os gols, as emissoras precisam pagar, como fez a BBC no pacote 2007-2010, desembolsando 188 milhões de libras pelos resumos dos jogos. E se muitos reclamam da influência da Globo, detentora dos direitos de TV do campeonato brasileiro, e que influencia nos horários e dias de jogos quase a seu bel prazer, lá é muito pior. “Na Inglaterra, a ingerência é muito maior, há até jogos disputados pela manhã porque precisa passar para a Ásia”, conta Oliver Seitz.

A gestão do “país do futebol”

Quem comparar os direitos de transmissão do campeonato inglês com o do Brasil, dito país do futebol, vai se deparar primeiro com a diferença financeira entre os dois. A Rede Globo garantiu o torneio brasileiro pelo triênio 2009/2011 por R$ 400 milhões anuais, o que não chega a 20% do valor da Premier League. Como a emissora adianta o pagamento de cotas de televisão para clubes endividados, eles acabam se tornando reféns, e o grupo da família Marinho tem sempre a preferência de cobrir qualquer proposta maior que a sua. Ou seja, participa de um leilão em que sabe o lance do adversário.

O êxodo de atletas também contribui para que o valor da competição não chegue a níveis mais altos, assim como dificulta sua venda para outros países. “O Brasil tem mais dificuldade para globalizar porque os melhores jogadores não jogam aqui. O grande mercado consumidor da Ásia ainda é afetado por conta do fuso horário, já que o valor de um jogo ao vivo é muito maior do que um gravado. Há ainda uma questão cultural, já que os asiáticos olham muito para a Europa em termos culturais, uma relação que não acontece com o Brasil”, esclarece Seitz.

Mas é na distribuição dos recursos oriundos das cotas de televisão que se mostra uma diferença fundamental na forma como os clubes ingleses e os brasileiros veem a gestão do futebol. Na Inglaterra, o dinheiro é distribuído da seguinte forma: 56% é partilhado igualmente entre os 20 clubes da competição, 22% de acordo com a performance e outros 22% segundo a audiência televisiva e o número de jogos transmitidos. Já no Brasil, existe um modelo que perpetua as desigualdades entre os clubes: são quatro grupos distintos, sendo que quem recebe mais ganha quase o dobro de quem recebe menos.

“Lá eles querem diminuir a diferença entre o que ganha um clube grande e um pequeno. Sou totalmente favorável a isso, mas seria voto vencido por conta dos interesses dos grandes clubes daqui”, sustenta Amir Somoggi, diretor da área Esporte Total da Crowe Horwath RCS. “As ligas americanas como a NBA dividem de forma igualitária o dinheiro dos direitos de transmissão, é como se aqui o Atlético-GO e o Flamengo ganhassem o mesmo. O Flamengo jamais aceitaria isso, mas a Liga lá faz isso para trazer um equilíbrio financeiro que traz um equilíbrio esportivo para a competição. Tirando tal receita, as demais, provenientes de estádios e de marketing, fazem com que os grandes faturem muito mais do mesmo jeito, portanto, uma divisão mais igualitária seria bom para eles e para o próprio campeonato, já que é interessante que clubes menores também tenham uma força grande na luta pelo título”, garante.

Talvez justamente a busca de receitas seja um dos pontos que mantém essa situação inalterada. Em 2009, os contratos de transmissão dos jogos geraram 27% das receitas obtidas pelos 21 maiores clubes brasileiros, enquanto 21% se relacionou com a venda de atletas para o exterior (em 2008, esse índice foi de 28%). Os dados da Casual Auditores mostram um início de diversificação de receitas, o que pode ser uma tendência no futuro. “Os valores dos patrocínios aumentaram de 7 a 8 vezes desde 2003. Paralelamente os clubes, com a chegada do Ronaldo, passaram a repatriar alguns grandes ídolos, como o Santos fez com Robinho, por exemplo. Esse movimento atrai mais atenção para os clubes e potencializa a atração de patrocinadores”, explica Eduardo Generoso, presidente da empresa de marketing esportivo ESM (Entertainment Sports Management).

Para Amir Somoggi, os clubes brasileiros precisam atentar para três pontos em especial para melhorar seu potencial econômico e diminuir o fosso que os separa dos europeus. “Primeiro, a receita de bilheteria, é preciso parar de vender bilhete para um jogo só e criar um ambiente de consumo, tornar a receita mais ampla vendendo uma série de partidas. Outro ponto são as receitas de marketing, que vão além do patrocínio de camisa, e a receita de mídia tem que ir além da televisão, é necessário trabalhar novas mídias como redes sociais e telefonia móvel”.

Ele também faz ressalvas sobre uma fórmula que vem sendo adotada por alguns clubes e que prejudica o torcedor: o aumento abusivo do valor de ingressos. “Cada clube tem seu perfil, mas uma coisa é certa: a variável do preço de um ingresso deveria ser a última a ser mexida. O que falta é entender que ter 50 mil pessoas em um único jogo pode ser bom, mas é necessário trabalhar para ter 50 mil em todas as partidas e existe uma gama enorme de receitas que podem ser geradas em jogos. Os clubes do Sul, que trabalham com a ideia do sócio-torcedor, tendem a longo prazo a ganhar mais dinheiro que os do Sudeste.” Provavelmente ainda vai demorar para o futebol daqui se equiparar aos mais ricos do mundo, mas isso pode ser uma estratégia de sobrevivência para um esporte que já teve muito mais identidade com o brasileiro do que tem hoje.