Para garantir a paz
Regozijo-me de estar no Brasil, nesta que é a primeira visita como primeiro-ministro, durante o 3º Fórum Mundial da Aliança das Civilizações, no princípio de uma nova era onde podemos preconizar as relações entre Brasil e Turquia como uma parceria estratégica. Nossos países possuem muitas semelhanças. São países importantes, situados em diferentes partes do mundo, mas que partilham da mesma visão global. Em segundo lugar, ambos estão entre as economias emergentes, passando por estágios semelhantes no processo de desenvolvimento, tendo incentivado desenvolvimento econômico e democratização ao mesmo tempo. Enquanto membros do G-20, dividimos a abordagem de que é necessária maior cooperação internacional para reduzir os efeitos negativos da crise econômica global e acreditamos que os países em desenvolvimento devem ter mais a dizer neste processo.
Como membros do Conselho de Segurança da ONU, nossos esforços comuns para a paz e a estabilidade, não somente nas nossas regiões, mas também em nível global, são exemplares para outros países. O Brasil e a Turquia, países cujo peso político está a aumentar cada vez mais nas suas regiões, têm sua influência global graças às suas políticas externas construtivas. Atualmente, muitos países estão nas garras da guerra e da instabilidade. A crise global, embora seja dito que o pior já passou, continua todavia a fazer pagar um preço elevado a milhões de pessoas.
Os problemas ambientais tornaram-se, mais do que nunca, uma clara e próxima ameaça.
Que faz a Turquia nesta situação? Nós abordamos os problemas mundiais num horizonte o mais abrangente possível, e tomamos todas as questões que dizem respeito à Humanidade como nossas, próprias. Apoiamos todas as iniciativas visando à paz, onde quer que estejam ou de quem que quer que sejam.
Seguimos uma política externa sem preconceitos, visando a resultados, e não hesitamos em dizer o que achamos estar correto.
Acreditamos que as sinergias criadas por uma evolução concreta nesta área se refletirão positivamente em nível regional e por fim em nível global.
Evidentemente não é possível referir aqui todos os problemas urgentes e cruciais com que nos deparamos.
Mas gostaria de chamar particularmente a atenção para os perigos da falta de compreensão mútua, respeito e diálogo entre as diversas religiões e culturas porque a probabilidade de polarização intercultural é uma ameaça, tanto quanto outras questões de segurança.
A História está recheada de exemplos de que esse perigoso potencial pode ser mais destrutivo que a mais perigosa das armas. Somos testemunhas das hostilidades culturais que, quando detonadas por aqueles cuja filosofia de vida se baseia na destruição, podem conduzir a situações graves como as de Nova York em 2001, Istambul em 2003, Madri em 2004, Londres em 2005 e Mumbai em 2008.
A propaganda e as campanhas de desinformação provocadoras, levadas a cabo por aqueles que criam ou que vivem do chamado conflito de civilizações, representam uma séria ameaça à paz e à estabilidade, tanto quanto o terrorismo. Os círculos mal-intencionados empregam todos seus esforços na alegação infundada da existência de profundas e incompatíveis diferenças entre o Islã e os valores do mundo ocidental.
Além disso, têm a ousadia de equacionar o radicalismo e o terrorismo com o Islã que tirou seu nome da palavra Paz. Como consequência, a Islamofobia está tornando-se destrutiva, uma nova ameaça para a paz mundial. O ponto de vista da Turquia é muito claro: nenhuma religião deve ser usada para justificar o terror.
E com a mesma força, opomo-nos contra a difamação de qualquer religião sob a desculpa do terror.
Então como podemos evitar esse grave risco? O ponto de partida para o sucesso do diálogo intercultural baseia-se em compreensão mútua e empatia. A desinformação de um sobre o que persegue o outro prepara o terreno para o medo e, este último, prepara o conflito. Se as sociedades, através de autoridades oficiais ou organizações civis, círculos acadêmicos, opinião pública, tentassem conhecer-se melhor, seria o primeiro passo para vivermos juntos em paz.
Os esforços devem ser orientados, não para subjugar os outros, mas para descobrirmos alguma coisa sobre si próprio e mostrarmos nossas virtudes ao outro.
Estamos conscientes de que esta interação deve ter dois sentidos. Tal como esperamos das sociedades ocidentais que conheçam melhor o mundo islâmico, sem preconceitos, também queremos que o mundo islâmico possa conhecer melhor o Ocidente. Empregamos todos os esforços nesse sentido. Devo sublinhar que estamos em posição de vantagem, porque o modelo apresentado pela Turquia, cuja população é de maioria muçulmana, é um moderno estado de direito, democrático, laico e social, na melhor resposta aos que pretendem utilizar esse risco contra inquietações.
Gostaria de me congratular, de todo o coração, pelos esforços sinceros e as iniciativas do Brasil nesse sentido, tal como pelas suas abordagens dos problemas mundiais. Acredito sinceramente que a nossa amizade é a garantia de um futuro melhor.
*Recep Tayyip Erdogan é Primeiro-Ministro da Turquia.
Publicado em O Globo, seção "Opinião", em 28/05/2010