No ano em que a Fundação lançava sua biblioteca digital (2007), surgia um debate embrionário sobre o livro em versão eletrônica, presente em outros países já com alguma força. À época defendemos que quanto maior for o conhecimento do livro digital, melhor seria a circulação do livro impresso. O temor das editoras comerciais estava na impressão própria da obra, em casa. Provamos que com o custo de cartuchos de tinta, a impressão doméstica era inviável.

O digital não enfrentaria as mesmas dificuldades e custos do impresso. Bastaria o acesso a um equipamento e uma rede de internet. Durante um tempo, nos anos 2000, empresas de hardware investiram em equipamentos próprios para arquivo e leitura de livros, associando assinaturas aos equipamentos logo na aquisição dos aparelhos. Isso não caiu nas graças do público em geral, pois logo surgiram os smartphones e ficou mais fácil adquirir por preços mais acessíveis os notebooks e PCs.

Para um país onde o público leitor é reduzido como aqui, o negócio de aparelhos próprio não vingou. O nó era o pagamento dos direitos autorais que, no Brasil, baseava-se em percentual sobre venda realizada. Assim, misturou-se (propositalmente ou não) o conteúdo da obra com seu formato do livro.

São pouquíssimos os autores e autoras que vivem de seus direitos autorais, percentual acordado entre autor e editora que costuma variar de 5 a 10%. Criou-se a falsa impressão de que este era o principal elemento da fórmula, o que impedia o setor de apresentar melhores resultados. O problema não é esse. Do preço do livro, tira-se custo de distribuição que numa política comercial amalucada, chegou a 60% do valor de venda (nos anos 80 e 90, o limite era 40%).

Fato é que sem pontos de distribuição e venda, o livro digital chega antes. Mas por que o livro digital, nas redes comerciais, ainda tem um preço exorbitante? Talvez seja devido a um erro na concepção do preço. Sem o custo de impressão gráfica, se for comercializado, o livro eletrônico poderia custar bem pouco em relação ao impresso, mas como cobrar consciência social de quem acredita ser possível enriquecer com o livro?

Panorama brasileiro

Segundo pesquisa realizada pela FIPE a pedido das entidades do setor (SNEL e CBL, 2016), há muito para avançar, tendo em vista o baixo consumo per capita, atualmente na faixa de 2,4 livros/habitante/ano (livros lidos do começo ao fim). Se o recorte for literatura, cai para 1,2.

A estimativa é que 44% dos brasileiros sejam não leitores, o que significa que não leram nenhum livro nos últimos três meses, de acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, ligado aos editores.

Um duro golpe no mercado livreiro foi o calote registrado pelas redes de varejo Cultura e Saraiva. O tombo chegou a R$ 360 milhões e contribuiu fortemente para a crise econômica do setor. Juntas, as duas redes representavam 40% do faturamento das editoras comerciais.

Será que o setor de livrarias está acabando, como chegou a noticiar essa semana o jornalista Ancelmo Gois, ao relatar a negativa que livrarias receberam ao solicitar linhas de créditos em bancos, mesmo após estes terem recebido R$ 1,3 trilhão do governo federal neste início de pandemia? Segundo o jornalista, “a explicação – inclusive na Caixa – que já se ouviu é que o setor ‘está acabando’ e que, dessa forma, seria arriscado liberar empréstimos agora”.

Sem as livrarias como ponto de distribuição, como se organizarão as editoras? Esse é um dos grandes desafios a ser enfrentado. Durante os governos do PT, o setor apresentou um período de expansão entre os anos de 2006 e 2011, quando o faturamento atingiu cerca de R$ 6,9 bilhões (2013). Após o golpe político sofrido pelo governo Dilma Rousseff (2016), as editoras viram seu faturamento cair aproximadamente 20% nos últimos três anos, crise política que atingiu a cultura em cheio.

Hoje, com o negacionismo e revisionismo histórico proposto pelo governo de Jair Bolsonaro (eleito pelo PSL e hoje sem partido), somado à política desagregadora implementada pelo seu ministro da Educação, o livro não é item preferencial e sua cadeia produtiva precisará ser criativa e insistente para superar a crise profunda. Com isso, perdemos todos nós.

O livro gratuito atrapalha o mercado editorial? Não, pelo contrário, ajuda.

Com vistas ao futuro imediato, com livrarias fechadas (seja pela crise do setor, seja pela pandemia), vale um exercício de elaboração que permita tornar a gratuidade do livro um aliado dos leitores/as brasileiros sem, com isso, provocar um conflito com os/as trabalhadores/as da cadeia produtiva.

Num país que, segundo o IBGE (2018), somente 17,7% das cidades possuem livrarias. Houve uma concentração tremenda nos últimos anos, assim, o que pode salvar o livro são as bibliotecas públicas e comunitárias, tanto para suas versões impressas quanto digitais. Em alguns momentos, nós chegamos a comentar entre amigos do meio editorial que nos faltou (e ainda nos falta), uma espécie de central de distribuição de livros, controlada pelo estado, como é feito com os alimentos, item de primeira necessidade. A tal regulação do mercado nesta área não funcionou, ela fracassou.

O livro é fruto de um setor que emprega 12.529 trabalhadores formais (RAIS, 2018), chegando a dobrar esse número se considerarmos os que foram obrigados a se pejotizar, como ocorreu fortemente em outras áreas da economia da Cultura.

O faturamento em 2018 atingiu R$ 5,2 bilhões (0,76% do PIB de 2018) e produziu 352 milhões de exemplares, sendo que destes, 46,8 mil correspondem a títulos publicados em primeira edição. Pouco diante do PIB, mas de grande impacto na vida nacional, pois mesmo com a utilização crescente de apostilados produzidos pelos conglomerados educacionais, a fonte ainda é o livro.

O site inglês Market Research World (MRW, 2016) publicou o Índice de Cultura Mundial, ranking sobre hábitos culturais de diversos países, entre eles a leitura. Na dianteira, como país que mais lê no mundo temos a Índia, desde 2005. Os indianos dedicam, em média, 10 horas e 42 minutos semanais para ler. Depois dela, os três seguintes são também países da Ásia: Tailândia, China e Filipinas. Quanto à América Latina, o país mais leitor é a Venezuela, no 14º lugar. Depois vem Argentina (18º), México (25º) e Brasil (27º) com médias de leitura que rondam menos da metade de tempo que dedicam na Índia.

O PT e o incentivo aos debates sobre o livro e a leitura

Desde que retomadas as políticas e programas de incentivo à leitura, nós temos chance. Os governos petistas incentivaram um rico debate nacional a respeito, o que resultou em programas estaduais e municipais do livro e leitura. O desmonte provocado pelos governos Temer e Bolsonaro não podem nos desanimar a ponto de desistir da batalha.

Por exemplo, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Biblioteca e aproveitou este 23 de abril para apresentar o projeto de lei (PL) 2.148 que visa alterar a Lei do Livro, acrescentando dispositivos que protegem o setor neste momento de crise, como a provocada pela pandemia.

A riqueza produzida pelo livro, como qualquer outro produto no capitalismo, é reunida e acumulada pelos proprietários das casas publicadoras. Mas precisa ser distribuído melhor na sociedade.

No século XX o país testemunhou o surgimento de inúmeros editores nacionais, pessoas físicas que participavam da vida cultural brasileira e que hoje foram substituídas por pessoas jurídicas de capital internacional, em sua maioria. Empresas detentoras de grande capital investido em outros setores da cultura que, depois da crise do capital em 2008, se interessaram fortemente pelo Brasil (país onde o governo federal compra 42% do total dos livros produzidos anualmente).

O desafio surge em como equilibrar de maneira adequada as demandas deste setor econômico, tão dependente do governo federal para atingir suas metas de faturamento, com a função social do livro e a circulação de ideias e conteúdos de interesse público.

É preciso coragem e disposição política para cobrar do setor editorial sua contribuição na construção (e reconstrução) de planos ou programas de leitura, em conjunto com a sociedade civil, organizações não-governamentais e coletivos de cultura. Por onde passou o PT, o livro recebeu a atenção devida e o incentivo necessário. E viva o bom combate em defesa da Cultura, da Educação e de um mundo melhor.

Rogério Chaves é coordenador editorial na Fundação Perseu Abramo.

O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

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