Por Emir Sader

Um momento importante na construção da hegemonia neoliberal foi quando o governo de François Mitterrand, na França, depois de um primeiro ano com o programa tradicional da esquerda, de fortalecimento do Estado, nacionalização de empresas, conquistas sociais, etc., deu uma virada radical no segundo ano, incorporando elementos essenciais do Consenso de Washington. Era um elemento novo. Um governo social democrata, ao invés de se opor ao modelo neoliberal pregado e colocado em prática por Reagan e Thatcher, se somava a ela, aderia às privatizações, ao ajuste fiscal, ao Estado mínimo, etc.

Foi seguido por Felipe Gonzalez, na Espanha , e foi se generalizando para a própria América Latina, onde os socialistas chilenos e a Ação Democrática na Venezuela, entre outros, seguiram o mesmo caminho, até que FHC se somou à lista.

FHC queria que Collor fosse a Thatcher brasileira, fazendo o trabalho sujo do programa neoliberal – privatizações, cortes nos gastos sociais, abertura da economia, precarização das relações de trabalho -, para que ele aparecesse como “terceira via”, no estilo Blair. Mas o fracasso de Collor fez com que FHC tivesse que vestir o tailleur da Thatcher e assumisse as tarefas mais duras do neoliberalismo.

O governo FHC foi dos mais regressivos que o Brasil conheceu do ponto de vista social. Depois da melhoria do poder aquisitivo produto do controle inicial da inflação, a desigualdade retornou com força, conforme a maioria dos trabalhadores deixou de ter carteira de trabalho, os níveis de desemprego e sub-emprego subiram muito, a inflação retomou, no final do governo FHC, no bojo da maior recessão dos últimos tempos, a desigualdade se tornou maior do que quando haviam assumido os tucanos.

Na crise que o Brasil enfrentou recentemente, vimos a diferença flagrante entre as atitudes de FHC e de Lula diante da crise. FHC tomou a atitude tradicional de elevar a taxa de juros a 48%, aprofundando a crise, aumentando o desemprego e a recessão. Lula agiu na direção oposta: diminuiu a taxa de juros – que já era mais de cinco vezes menor que na crise anterior -, manteve e estendeu as políticas sociais, o nível de emprego e de atividade econômica foi retomada rapidamente. Agiram em direções radicalmente opostas, contraditórias.

O pacote que o primeiro ministro espanhol de Zapatero anunciou esta semana não se diferencia daquelas tomadas por seu antecessor, Aznar, de direita, na mesma linha do que haviam feito Mitterrand, Felipe Gonzalez, FHC, entre outros. Aderir à idéia de que o Consenso de Washington seria a receita inevitável diante das situações de crise.

Depois de negar, reiteradamente, que faria cortes na sua política social – seu diferencial principal em relação à direita tradicional – Zapatero foi ao Congresso anunciar o maias duro pacote de cortes que se conheceu desde que a Espanha saiu do franquismo. Redução de 5% do salário dos funcionários públicos, congelamento das aposentadorias, corte nos gastos com dependentes, eliminação do cheque-bebê (feito para incentivar a natalidade): com esse pacote, Zapatero se desmente, muda a orientação central da sua política. Nem bem recebeu o telefonema de Obama – que fez questão que se soubesse que o havia chamado e o sentido da sua chamada: urgência de um duro pacote de cortes dos gastos públicos -, Zapatero cumpriu com os requerimentos solicitados pela União Européia e atendeu os critérios do FMI, da mesma forma que o havia feito a Grécia pouco tempo antes.

O fenômeno da social democracia aderida ao neoliberalismo não foi essencialmente brasileiro. FHC seguiu seus mestres europeus, que romperam com o Estado de bem estar social, com o Estado regulador, com a prioridade das políticas sociais. Seu governo foi continuidade do governo de Collor e similar aos de Menam, Carlos Andrés Perez, Fujimori, Carlos Salinas de Gortari, dos governos da Concertação no Chile.

A reação popular não se faz esperar na Espanha, da mesma forma que na Grécia, onde o também social democrata Papandreu tomou as medidas que o FMI ditou como condição da liberação dos empréstimos, como contrapartida da Carta de Intenções – que conhecemos até o passado recente.

A diferença é que agora governos como os da Espanha e da Grécia pertencem a uma nova categoria – os PIIGS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha – a que teríamos estado condenados, não tivéssemos derrotado o bloco tucano-demista e assumido uma orientação política e econômica nova, antagônica, contraditória com a herdada por Lula.

Postado por Emir Sader em 13/05/2010 às 03:50