por Beto Almeida

Talvez seja a primeira vez que o Brasil perceba tanta clareza, realismo e pontaria num projeto estratégico de longo prazo, sem escorregar para um discurso de Brasil Potência do passado ditatorial que desprezava por completo a existência de um povo majoritariamente pobre habitando e construindo este país. Agora, as metas realçam os objetivos sociais. É como se o discurso lúcido do Ministro Samuel Pinheiro Guimarães estivesse a nos alertar: não podemos ser Brasil Potência com milhões de analfabetos, sem saneamento básico, sem cinema, sem cultura, com 60 mil homicídios por ano, com nossa juventude pobre capturada pelo narcotráfico, com a situação dantesca dos nossos hospitais públicos!!!

Naquele discurso anterior, constatava-se, com um tom de arrogância, a defesa de um tipo de desenvolvimento que concentrava a riqueza e penalizava o povo brasileiro. Aí está o resultado: somos um país emergente, mas ainda somos um dos campeões mundiais em desigualdade social! O Plano Brasil 2022 vem para corrigir aquele modelo: temos que ser potência social!

Monteiro Lobato e analfabetismo
Incansável na luta pela democratização da cultura, o genial Monteiro Lobato sempre sentiu a amarga barreira social do analfabetismo a travar o progresso do povo brasileiro. Procurou a família Mesquita, proprietária do centenário jornal paulista. Disse-lhes que a imprensa poderia ter um papel determinante colaborando para a erradicação do analfabetismo, e propôs claramente uma ação prática, conjunta. Um dos membros da família, pensou na proposta, matutou em silêncio e afinal disparou: “Oh Lobato, mas se todos aprenderem a ler e escrever…… quem é que vai pegar na enxada???!!!” Confissão da indiferença social das elites, sempre operando para impedir o combate concreto ao analfabetismo como um das prioridades nacionais.

Enterramos nossos geniais educadores – Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire – possivelmente com a mágoa de não terem alcançado tarefa tão nobre, libertadora e tão realizável. A não ser quando as políticas públicas não priorizam o combate ao analfabetismo. Ele está sempre a nos desafiar. Anísio morreu em circunstância estranhas no auge da ditadura, enquanto Paulo Freire e Darcy foram enxotados para o exílio. Para nossa vergonha, foram altamente reconhecidos internacionalmente pelas suas qualidades, mas não aqui. Vários governos os contrataram para que atuassem nas políticas públicas de superação da ignorância e do atraso social. Darcy esteve no Chile de Allende e no Peru de Alvarado a enfrentar as mesmas oligarquias que aqui cultivaram sempre a manutenção do analfabetismo. Paulo Freire caminhou com seu método libertário pela África que derrotava o colonialismo português e depois foi recebido de braços abertos pela Nicarágua Sandinista que, com um ano da Cruzada Nacional de Alfabetização, viu um povo campesino e pobre aprender a ler e escrever. Com a ajuda de professores cubanos – muitos assassinados pela contra-revolução a soldo norte-americano – pois Cuba desde o início da década de 60 já não convivia mais com esta praga social do analfabetismo, erradicado em 1 ano, com intensa e generosa mobilização social, e já tinha condições de exportar educadores.

De tal forma o analfabetismo nos persegue e nos desafia que em 1988, na Constituição Cidadã, em suas Disposições Transitórias, é fixado o prazo de 10 anos para a sua eliminação. Como tantas metas constitucionais, esta também não foi cumprida. No entanto, foi cumprida religiosamente aquela contida no artigo 166 da Carta, praticamente sacralizando o pagamento dos serviços da dívida, proibindo constitucional mente sua suspensão, em qualquer situação. Esta é uma invenção financeira brasileiríssima, nenhum país tem dispositivo semelhante em sua Constituição. Serviços da dívida pagos aos rentistas, intocáveis; combate ao analfabetismo…..deixa prá depois.

Sabotagens
A Argentina praticamente erradicou o analfabetismo em 1952. Ele tendeu a ressurgir na década neoliberal, quando mais se espalharam villas miséria (favelas) e desemprego pelo País vizinho. Segundo estudos do prof. Márcio Pochmann, presidente do IPEA, se a política econômica implantada na Era Vargas não tivesse sido demolida o Brasil seria hoje a terceira maior economia do mundo. Foi lá atrás o início do Programa Nuclear Brasileiro, a industrialização, a nacionalização da energia, da marinha mercante,das ferrovias, medidas combinadas com a implantação de direitos trabalhistas e a seguridade social. Uma grande sabotagem veio em 1954, com o golpe que leva o presidente Vargas ao suicídio.

Nova sabotagem veio em 1964, com a plena vitória do golpe que não alcançou seu objetivo total em 1954, o tiro no coração frusta o golpismo. A derrota da ditadura não impediu que também a estrutura montada na Era Vargas pudesse ser preservada no vendaval neoliberal dos anos 90.

Hoje, novamente, o povo brasileiro está buscando impulsionar, com suas lutas e o seu voto, um processo de mudanças que permita ao Brasil ter toda sua potencialidade desenvolvida como nação justa, democrática e soberana. O Plano 2022 é uma expressão desta busca. Mas, ainda assim, sabotagens várias continuam operando.

Uma delas, a pressão para a manutenção de altas taxas de juros. A cada nova elevação quantas pequenas e médias empresas vão à falência? Quantos novos desempregados surgem? Quantos destes não vão engordar uma população carcerária tratada de modo animal, sem que as políticas de direitos humanos consigam evitar a prática diária de torturas, aumentando a ferocidade destes presidiários quando soltos? A taxa de juros alta inibe a produção, o crescimento da economia que permitiria gerar mais emprego, fortalecer o consumo, o mercado interno. Eis aí uma sabotagem promovida pelo poder financeiro, com apoio midiático, que sempre torce e enaltece a elevação dos juros.

Possibilidades
Apesar disso, as possibilidades de que as metas do Plano Brasil 2022 sejam cumpridas são reais, inclusive com a clara possibilidade de que tais armadilhas sejam desativadas por meio do fortalecimento das políticas públicas. Os bancos públicos brasileiros se fortaleceram com a crise internacional do capitalismo eclodida em 2008 e ainda não debelada, muito pelo contrário. As lições são claras: os países que menos sofreram com a crise são aqueles que possuem alto grau de controle estatal sobre o seu sistema financeiro, China e Índia, fundamentalmente.

Enfrentadas estas sabotagens, teremos sim possibilidades não apenas de promover no Brasil um crescimento econômico que não se combine com indecente acumulação de capital, mas com sua distribuição. Muitas das políticas públicas já implementadas recentemente, como a Bolsa Família, cuja expansão é sugerida pelo Ministro Samuel Pinheiro Guimarães, já estão provando que ações de estado são capazes sim de reduzir a desnutrição, aumentar o consumo de bens essenciais, muito embora a miséria extrema ainda não tenha sido totalmente debelada. Esta é a meta.

Ao tempo em que registramos a expansão do número de universidades públicas, de escolas técnicas, de ampliação dos recursos para a educação básica, a própria colocação da meta de erradicar o analfabetismo para 2022 talvez indique, por si só, não ter havido, até o momento, uma priorização de medidas eficazes para alcançá-lo.

A comparação é inevitável. Países como economia muito mais frágeis e como menos recursos que a brasileira, como Cuba, Nicarágua, Venezuela, Equador e Bolívia – esta talvez a economia mais débil da América do Sul – já conseguiram erradicar o analfabetismo, tal como anunciou a UNESCO. Nem mesmo estas simples informações objetivas são divulgadas à sociedade brasileira. Recentemente, um experimentado professor de Relações Internacionais de universidade pública confessou desconhecer o fato de que a Bolívia, com toda sua dramática herança social, já tinha alcançado superar o analfabetismo. E duvidou. Até quando lhe foi apresentada a declaração da UNESCO reconhecendo a gigantesca conquista da nação andina. Informação que a mídia jamais divulgou….

Ora, se a Bolívia conseguiu, por que não nós? Se a China conseguiu, há muito tempo, alfabetizar seu povo, arrancá-lo do poço de miséria e doenças em que vivia, transformando-se hoje numa potência que atua no espaço sideral e no país que mais fabrica computadores do mundo, por que não nós?

O Plano Brasil 2022, que será submetido a consulta pública, tem este mérito. Define claramente os alvos, não ignora nossa gigantesca dívida social, não teme afirmar que pretendemos ser uma potência olímpica, que devemos ter índices de saúde e educação muitíssimos mais elevados, não teme reconhecer que ainda estamos em dívida com os brasileiros. Já não exalta mais um tipo de crescimento reduzido a indicadores de produção e de economia. É um claro sinal de alerta para que saibamos, como Nação, rejeitar a idéia de um Brasil potência com um povo miserável, sem educação, desdentado, sem saúde, sem saneamento, sem emprego, com toda uma juventude nos cárceres. O povo brasileiro, pela sua história, merece que os trilionários recursos do petróleo pré-sal, ao invés de abocanhados pelas transnacionais que levaram Vargas à morte, sejam a alavanca fundamental de transformações sociais que transformem o Brasil não apenas numa economia forte, mas também numa potência social. O Plano Brasil 2022 é um sinal de consciência de que isto é possível! Muito embora, as sabotagens existam e devam ser enfrentadas corajosamente.