Pressionado, presidente organiza um freio de arrumação na estratégia política do governo

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro tem atuado em diferentes flancos em uma clara ofensiva política. Nos últimos 20 dias, demitiu o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), desautorizou publicamente o da Cidadania, Onyx Lorenzoni, e retomou os ataques direcionados a Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Ontem (22), o ministro Braga Neto anunciou um pacote econômico à revelia do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Hoje, investiu contra Moro determinando a troca do comando na Polícia Federal, à revelia do ex-juiz.

Independentemente do desfecho deste novo capítulo da vida política nacional, fica evidente que as últimas ações do Bolsonaro possuem um fio condutor. Elas visam atacar, destituir ou desmoralizar publicamente figuras que detinham poder de agenda e credibilidade maiores que o do próprio presidente. Também demonstram que há uma clara tentativa de rearticulação do governo nas mãos de Bolsonaro, alijando figuras mais independentes ao núcleo duro do governo. Trata-se de um freio de arrumação, que adotou a tática de enfraquecer superministros e figuras importantes na montagem original da equipe.

O primeiro alvo do presidente foi Mandetta. O então ministro da Saúde despontava em popularidade e era tido como voz da razão do governo no debate público, enquanto Bolsonaro insistia no terraplanismo sanitário e se isolava cada vez mais. Se em uma semana houve bloqueio da demissão por parte do núcleo militar palaciano, na outra Mandetta foi demitido e o novo ministro já demonstra ser muito mais apagado que o anterior, com pouca disposição de disputar os holofotes com o presidente da República. Nelson Teich também já sinalizou ser mais favorável às ideias de Bolsonaro na questão da Covid-19, o que pode representar uma verdadeira tragédia no Brasil.

Em seguida, Bolsonaro mirou em Rodrigo Maia. Os canhões do presidente se viraram mais uma vez para o presidente da Câmara tanto no campo discursivo, com o apoio de Bolsonaro à retórica golpista das manifestações do dia 19, quanto no processo em curso de rearranjo da aliança do Executivo com o Legislativo, com a investida de Bolsonaro para abarcar novamente o centrão em uma coalizão governativa.

Neste caso, Maia detém há tempos o poder de pautar a agenda econômica nacional e saiu como grande articulador das reformas, e agora do combate à Covid-19. Nessa ofensiva, o presidente tenta minar o papel articulador do presidente da Câmara e negociar diretamente com os partidos do centrão no Congresso, oferecendo cargos e posições dentro do governo federal.

O presidente também abriu ofensiva contra a equipe econômica do governo. Houve veto público à antecipação da segunda parcela do benefício emergencial, e Bolsonaro afirmou que não havia autorizado o ministério da cidadania, capitaneado por Onyx Lorenzoni (DEM-RS), a tomar tal medida. Não obstante, o governo lançou um novo plano econômico que vai contra as convicções mais profundas do ministro da economia Paulo Guedes: o “Plano Pró Brasil” foi elaborado pela Casa Civil da Presidência, comandada pelo General Walter Souza Braga Neto. Considerado um “Novo PAC”, o pacote é um duro golpe na agenda econômica que vinha sendo elaborada por Guedes e articulada no Congresso por Rodrigo Maia.

O presidente da República vinha numa constante de ataques aos governadores de estado, que estavam até então, junto de Mandetta, com todo o protagonismo do combate à crise do novo coronavírus. Chegou inclusive a afirmar que João Doria e Wilson Witzel causam uma crise para derrubá-lo, visto que em sua visão a pandemia era um mal menor frente a um suposto colapso econômico causado pelo isolamento social. A visão do presidente sobre a crise da pandemia entrou em rota de colisão contra os governadores e prefeitos das grandes capitais, que se viram obrigados a dar respostas imediatas às realidades locais. A crise da saúde ganhou rápida repercussão econômica nos entes federativos, sufocados pelo arrocho fiscal dos últimos anos. Rapidamente, à revelia do governo, o Congresso aprovou um pacote de medidas econômicas para os estados. O presidente chegou a tratar o processo como irresponsável e contrário aos interesses da pátria.

Agora, Bolsonaro faz uma investida contra Sergio Moro, representante-mor do lavajatismo no governo. O ministro vinha calado durante a crise da Covid-19 e ainda possui um grau elevado de popularidade, extrapolando até o bolsonarismo. O presidente, no entanto, avançou sob o ministério para tentar trocar o diretor-geral da Polícia Federal. A pergunta central neste caso é: o que faz o presidente se preocupar tanto com a PF no meio de uma pandemia que aflige o país e provoca uma das maiores crises da nossa história?

É certo que a crise derivada da pandemia teve reflexos pesadíssimos na política. Bolsonaro chegou a ficar sem apoio até mesmo entre seus próprios ministros, e a discussão a respeito de seu impedimento deixou os bastidores, passando inclusive a ser claramente defendida por partidos do campo progressista. Ainda não se sabe se a iniciativa de Bolsonaro surtirá efeito, especialmente porque ela é, pra se dizer o mínimo, de altíssimo risco. Primeiro porque ela pode representar a perda de apoio de setores importantes que compuseram a “primeira hora” do governo, especialmente os grupos de interesse relacionados a Paulo Guedes e Sérgio Moro. Segundo porque ela pode representar uma maior exposição da família Bolsonaro diante das denúncias gravíssimas que envolvem as milícias (inclusive as virtuais).

Há, nitidamente, um novo espectro político rondando o núcleo central do poder brasileiro, resta saber o quanto ele se efetivará e quais serão os impactos na conjuntura atual.

Antonio Carlos Carvalho (advogado) e Matheus Tancredo Toledo (cientista político) são membros do Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo. O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

 

 

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