Por Luana Forlini*

Desde a época da campanha eleitoral, Jair Bolsonaro defendia maior aproximação com os Estados Unidos e seu principal modelo de governante, o republicano Donald Trump. Isso não mudou durante o primeiro período de seu governo nem com a crise gerada pelo coronavírus.

Muitas das atitudes tomadas pelo governo brasileiro foram imitadas do americano, inclusive os ataques à China feitos pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Entretanto, isso poderá impactar ainda mais de maneira negativa a inserção brasileira internacionalmente, sobretudo no que tange às nossas relações bilaterais com a China e a postura brasileira em órgãos multilaterais.

No começo da crise provocada pelo coronavírus nos Estados Unidos, a estratégia de Trump foi minimizar a ameaça, chegando a dizer que o vírus iria sumir em poucos dias, como um milagre. Demorou a agir e fazer pronunciamentos em defesa do isolamento social, apesar das sugestões da comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje, o país é o mais atingido pela doença, com o maior número de mortes e de casos e Nova Iorque sendo o principal epicentro de transmissão da covid-19 no território americano. Para tentar diminuir sua culpa, Trump passou a utilizar uma narrativa de culpar a China e a OMS, congelando os repasses de fundos a esta última, com o argumento de teria ocorrido demora em sugerir ações de combate ao coronavírus, bem como falta de transparência dos dados.

Menosprezar o espalhamento e o que o coronavírus poderia causar na população, ao mesmo tempo culpar a China e se distanciar da OMS foram estratégias também utilizadas pelo governo Bolsonaro, embora Trump tenha se distanciado da primeira delas ainda em março, quando a doença e seus efeitos se tornaram mais urgentes nos Estados Unidos. A diferença entre os dois países governados por Bolsonaro e Trump, no entanto, não são pequenas. Os Estados Unidos são a maior potência mundial, detêm a hegemonia do sistema internacional, apesar de esta posição estar crescentemente ameaçada pela China, e configuram há décadas as relações entre Estados, os órgãos multilaterais e suas atribuições.

O Brasil, por outro lado, é um país que vinha galgando mais influência e mais poder relativo no cenário internacional nas últimas décadas, sobretudo com atuações mais incisivas em órgãos multilaterais e blocos, como o caso do G20, da criação dos Brics e das vitórias nos painéis na Organização Mundial do Comércio, que ocorreram durante os governos petistas. Temas como sustentabilidade e meio ambiente, combate à fome e a luta por mais acesso a remédios e tratamentos médicos se tornaram emblemáticos na atuação e inserção internacionais do país. Além disso, a China, outro país que também fez esse movimento de ampliar sua influência, foi um importante aliado do Brasil em aspectos geopolíticos e na parte econômica, tornando-se o principal parceiro comercial do Brasil em 2009.

Com o alinhamento irrestrito à Casa Branca, o governo Bolsonaro renega a tudo aquilo que foi construído para tornar o Brasil um ator mais expressivo no cenário internacional. É sintomático, por exemplo, que tal governo, ao ser procurado para ser um dos autores de projeto de resolução da Organização das Nações Unidas que tratava da ação global e da coordenação com a OMS para a fabricação e desenvolvimento de remédios e vacina contra o coronavírus, recusou o convite, relegando-se apenas a não fazer objeção durante a aprovação da resolução. Logo após, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou texto no qual argumenta que o fortalecimento de órgãos internacionais favorecia o projeto de expansão comunista, como se ainda estivesse em plena Guerra Fria.

Sem contar, é claro, os ataques feitos por Eduardo Bolsonaro e Weintraub à China, chamando o coronavírus de “vírus chinês”, o que causa estigmatização e endossa a xenofobia contra a população chinesa, bem como insinuar que o país teria uma estratégia para ganhar vantagens geopolíticas com a disseminação da doença. Ambos ataques foram repreendidos veementemente pela Embaixada da China no Brasil e pelo seu embaixador, Yang Wanming. O enfraquecimento de relações bilaterais com o país asiático não é nada promissor economicamente para o Brasil, ainda mais em uma conjuntura onde grande parte dos equipamentos médicos utilizados no combate à Covid-19 está sendo produzida e exportada pela China.

Em troca do reconhecimento como “bom menino” por Trump, Bolsonaro coloca em xeque a atuação e a relevância brasileira em órgãos multilaterais e a relação bilateral com a China. Os Estados Unidos possuem meios suficientes para tentar bancar estremecimentos com a China e a postura unilateral apoiada pelo presidente, mas é importante lembrar que o Brasil está longe disso e poderá se apequenar cada vez mais no cenário internacional.

* Luana Forlini é consultora do Grupo de Análise da Conjuntura da Fundação Perseu Abramo. O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

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