Seminário Pan-Amazônia: Conflitos fundiários e a questão do trabalho 2
por Maristela Lopes
No segundo dia do seminário internacional “A Integração sul-americana e os desafios políticos e sócio-ambientais da Pan-Amazônia”, promovido pelas Fundações Perseu Abramo e Friedrich Ebert e pelo Partido dos Trabalhadores, em Belém, o debate sobre conflitos fundiários e a questão do trabalho reuniu o presidente da Fetagri/PA, Carlos Augusto Silva, o Guto, a professora e pesquisadora da Bolívia Andrea Urioste, o equatoriano Manuel Salgado Tamayo, o professor e pesquisador venezuelano Miguel Núñez, o analista político peruano Javier Canseco e o dirigente do Polo Democrático Alternativo da Colômbia Aurelio Montoya .
Carlos Augusto Silva, o Guto, presidente da Fetagri/PA afirmou que os conflitos agrários no Pará e na Amazônia, em geral, estão relacionados ao processo de colonização e às oligarquias que usam a terra como instrumento de poder político e econômico. Ele relatou que no Pará, nos últimos 23 anos, ocorreram mais de 700 assassinatos no campo e que desse total, em menos de 10% foram abertos inquéritos policiais e somente em um dos casos, o da religiosa Dorothy Stang, o mandante e os executores estão presos. Nos últimos três anos, segundo Guto, houve uma redução na ocorrência de crimes, mas ainda há carência de políticas públicas mais rigorosas, maior presençado Estado.
Manuel Salgado Tamayo (Equador), Andrea Urioste (Bolívia), Marcos Oliveira (DN/PT) e Carlos Augusto S. Silva (Guto)
Para ele, os conflitos agrários estão relacionados com o problema da grilagem das terras. “A partir do Grito de Guerra Pará foi construído um mapa da grilagem no estado, a partir de dados oficiais e chegamos ao número de 30 milhões de hectares a área de grilagem”, segundo ele. A partir do mapa, foi composta a Comissão de Combate à Grilagem, formada por Ministério Público Federal e estadual, Interpa, Incra, Fetagri, CPT e outros órgãos. Conta Guto que foram encontrados cerca de seis mil títulos suspensos de grilagem e a partir da conclusão desse levantamento, foi pedido ao Conselho Nacional de Segurança o cancelamento desses títulos.
Outro problema levantado pelo presidente da Fetagri foi a incidência de trabalho escravo e as iniciativas para incluir fazendas que adotam essa prática na lista suja do trabalho escravo. Sobre o desmatamento e a questão ambiental, Guto afirmou que os agricultores tem consciência do significado do desmatamento e que este é promovido pelos grandes projetos de monocultura que se instalam na região. Para ele, falta presença do Estado para coibir o desmatamento.
Outros dados apresentados pelo presidente da Fetagri foram sobre o acompanhamento que a entidade que dirige faz sobre reservas extrativistas, que é entendida como forma de destruição de terra; os assentamentos de reforma agrária. Segundo Guto, no Pará existem cerca de 10 mil assentamento de reforma agrária, para um conjunto de 170 mil famílias, e terras públicas estão sendo destinadas a projetos de reforma agrária).
A professora e pesquisadora da Bolívia, Andrea Urioste, afirmou que embora o governo boliviano tenha tido vontade política e tomado iniciativas como encaminhar outorgas de títulos para os povos indígenas, no caso da demanda do direito à terra ainda há muito a fazer. Segundo ela, o conflito agrário boliviano teve seu auge há alguns anos, com enfrentamentos com mortes, mas atualmente encontram-se numa ”etapa serena”. Urioste pediu uma reflexão sobre a redefinição de conflitos agrários, pois o assunto vai muito além da questão da propriedade de terras “é importante redistribuir a terra mas também incorporar valor aos produtos”. Ela exemplificou que a produção de café sai do produtor por um valor muito baixo passa pelas mãos dos intermediários e é vendida aos exportadores por preços bastantes elevados, o que gera uma grande desigualdade. E indagou:”como ter maiores direitos?”. Ela aponta a criação de governos subnacionais e que isso possa ser compreendido pela sociedade boliviana.
O professor da Universidade Central do Equador Manuel Salgado Tamayo destacou em sua exposição que seu país condensa toda a riqueza amazônica, porém, aponta como contradição a pobreza sendo um fenômeno da sociedade equatoriana, cuja origem estaria no esquema de colonização daquele país. Para ele, com a radicalização do neoliberalismo no Equador, o movimento indígena tomou a frente das lutas, por meio de suas três principais centrais juntamente com os camponeses mestiços, camponeses brancos, população negra; resistiram às ações imperialistas desembocando posteriormente na vitória do governo de Rafael Correa que liderou a chamada “revolução cidadã” que consagra a soberania alimentar, a reforma agrária como parte dessas estratégias. Segundo Tamayo, por muito tempo foi abandonada a agricultura interna e por isso passaram de importantes exportadores de trigo a importadores. Lembrou ainda que a exploração de petróleo, o corte indiscriminado da floresta trouxeram problemas que se mantém até os dias de hoje. Para se ter uma ideia, os indígenas retiraram o apoio a essa “revolução cidadã”, por terem críticas ao governo. Para eles, segundo o professor equatoriano, o governo não tem uma política agrária adequada e não tem resposta ao desemprego no país.
Na condição de comentarista, o professor e pesquisador venezuelano Miguel Núñez relatou que em seu país o desmatamento é muito alto e que houve avanços na área de desapropriações. Mas a aplicação jurídica tem suas complicações porque existem leis, mas criam incertezas, contradições e problemas nos tribunais. Atualmente passam por uma crise energética e de abastecimento elétrico, por falta de uma política adequada, desde o momento da criação da usina hidrelétrica com os desmatamentos em sua área de abrangência até os “apagões” de hoje. E enquanto, os camponeses e demais trabalhadores lutam por uma soberania alimentar frente a agroindústria existente.
Para o analista político peruano Javier Canseco, o país está passando por uma contra-reforma agrária e deu como exemplo, o fato de muitos dos trabalhadores da parte costeira do país não terem carteira assinada, não serem sindicalizados e nem têm os direitos trabalhistas respeitados. Ele lembrou que os movimentos sociais foram protagonistas do tema reforma agrária na Constituição peruana. Sobre a participação da população na implantação de projetos, Canseco enfatizou que no caso das redes energéticas, por exemplo, são projetos que não fazem parte de um projeto maior que inclua toda a sociedade, em especial as comunidades nativas.
O colombiano Aurelio Montoya, da direção nacional do Pólo Alternativo Democrático aproveitou para expor a sua preocupação com a soberania alimentar dos países amazônicos como o Peru e a Colômbia e que estes mesmos são importadores de grãos, o que torna a dependência mais poderosa. Para ele, é preciso ficar atento à concentração desigual de terras e à perda dessa soberania alimentar.