Segundo o Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, a política externa do governo Lula é um elemento constitutivo de um projeto de desenvolvimento nacional. "No mundo multipolar que se está constituindo, nós queremos aparecer sozinhos ou na excelente companhia dos países vizinhos? Nesse mundo que está em modificação, nós queremos ter uma relação forte com os países da África, da Ásia e do mundo árabe ou nós queremos ficar presos às nossas velhas fidelidades com os EUA e a Europa?” – questiona Garcia.

Maurício Thuswohl

 

RIO DE JANEIRO – Durante o debate realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para o lançamento do livro “Brasil, entre o passado e o futuro” (Ed. Boitempo e Ed. Fundação Perseu Abramo), o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, defendeu a política externa levada a cabo pelo governo Lula nesses últimos anos: “Nossa política externa não é simplesmente um elemento decorativo ou um bibelô na vitrine do governo, mas é um elemento consubstancial em nosso projeto de desenvolvimento nacional”, disse.

Garcia defendeu que o Brasil assuma cada vez mais seu papel de protagonista nas grandes questões internacionais: “A política externa atual tem a capacidade de suscitar questões que estavam antes encobertas por alguns interesses e colocar em discussão temas que são fundamentais para o futuro da humanidade e para o futuro do Brasil em particular”.

O assessor de Lula citou como exemplo a política de integração sul-americana e fez uma provocação aos críticos do governo: “É importante ou não ter essa política? Ou nós queremos ser uma ilha de prosperidade em meio a um oceano de desigualdades? Esse é um tema fundamental. No mundo multipolar que se está constituindo, nós queremos aparecer sozinhos ou na excelente companhia dos países vizinhos? Nesse mundo que está em modificação, nós queremos ter uma relação forte com os países da África, da Ásia e do mundo árabe ou nós queremos ficar presos às nossas velhas fidelidades com os EUA e a Europa?”, questionou.

A busca desse fortalecimento com os países do Sul, segundo Garcia, não significa uma ruptura com os países desenvolvidos: “Sempre tivemos excelente relação com o governo dos EUA e continuamos tendo. Tivemos essa boa relação mesmo quando, nos primeiros dias do governo Lula, o Brasil assumiu uma posição de repúdio à Guerra do Iraque. É importante que tenhamos uma presença na discussão dos grandes temas da humanidade, como os que sacodem o mundo em torno de décadas de impasse na Palestina. Esse é um impasse que tem a capacidade de espraiar-se para o resto do mundo, alimentando pólos de inquietação e de fundamentalismo. Por isso, estamos presentes nessa discussão com independência, autonomia e realismo”, disse.

Estabilidade econômica
A estabilidade econômica do Brasil, na opinião de Marco Aurélio Garcia, fortalece a posição do país junto aos interlocutores internacionais: “Depois de mais de duas décadas de estancamento da economia brasileira, nós passamos a ter um crescimento constante. Sem dúvida ainda é insuficiente, mas antes nós lutávamos contra aqueles que diziam que o Brasil não podia crescer mais do que 3%, pois nossa estrutura não agüentaria. Claro que não agüentaria, porque durante duas ou três décadas nós nos preparamos cuidadosamente para ser um pequeno país, um país tacanho”.

Segundo Garcia, “o crescimento era uma ameaça” para a elite dirigente brasileira: “Na imprensa de alguns anos atrás, uma palavra banida era desenvolvimento. No atual governo, crescemos com distribuição de renda, com equilíbrio macroeconômico e com redução da vulnerabilidade externa. Se observarmos a história das seis últimas décadas no Brasil, vamos constatar que tivemos períodos de extraordinário crescimento da economia, mas isso quase sempre se deu com a manutenção da desigualdade social e com aumento da vulnerabilidade externa e macroeconômica”.

Prestígio internacional
A diplomacia brasileira, disse Garcia, goza de um inédito prestígio internacional: “Houve momentos da história do país em que tivemos uma política externa com visibilidade, mas foram momentos fugazes ou truncados, em tempos de política externa independente, com San Tiago Dantas e Afonso Arinos. Dois chanceleres, diga-se de passagem, que eram ligados a partidos, um ao PTB e outro à UDN. Essa história de que chanceler não pode ser ligado a partido político é novidade, e eu incluo aí o Celso Lafer, que também foi filiado ao PSDB e chegou a ser tesoureiro da campanha do Fernando Henrique. Tudo bem, isso virou nota de pé de página”, brincou.

A nova política externa brasileira, segundo Garcia, beneficia-se dessa tradição progressista do Itamaraty: “Obviamente que a política externa está demarcada em uma política de Estado, mas também traz características próprias ao momento atual. Não é uma forma simplesmente de projetar o Brasil no mundo, mas também de projetar o mundo no Brasil”.