Conferência de Cultura: entrevista – Joãozinho Ribeiro
Cultura sem espetacularização
Coordenador executivo da II Conferência Nacional de Cultura, Joãozinho Ribeiro destaca o papel da Conferência para construção de políticas públicas na área e rebate a avalanche de críticas que o texto-base do evento recebeu por parte da imprensa nacional
Nascido em São Luís, em 1955, Joãozinho Ribeiro foi militante estudantil ativo na greve da meia passagem, em 1979, ano que marca suas primeiras incursões no campo musical, ainda na universidade, onde, quase economista e quase engenheiro, concluiu o curso de direito (hoje é especialista em Direitos Autorais). Compositor dos mais requisitados, já foi gravado por nomes como Rosa Reis, Cláudio Pinheiro, Célia Sampaio, Célia Maria (prêmio Universidade FM 2002 para o compositor, pela “melhor letra” e “melhor música” de Milhões de uns) e Lena Machado. É parceiro de nomes como os saudosos Escrete e Gerô e, também, Cesar Teixeira.
Mas ele não apenas faz arte, é um forte militante cultural. Além de técnico da Receita Federal, Joãozinho foi Secretário Executivo do Fórum Municipal de Cultura de São Luís e Secretário de Cultura do Estado.
Hoje, é coordenador executivo da II Conferência Nacional de Cultura e nesta entrevista a O IMPARCIAL, ele fala do que será abordado no evento, resultados esperados e, de algumas das polêmicas que envolvem a Conferência.
O IMPARCIAL – O que será abordado na II Conferência Nacional de Cultura? Quais os seus principais objetivos?
JOÃOZINHO RIBEIRO – As conferências públicas são espaços participativos mundialmente consagrados, se constituindo, por excelência, na forma de concertação adotada pela Organização das Nações Unidas para tratar das questões de relevante interesse mundial; como é o recente caso da Conferência de Copenhague, que pautou as questões climáticas, assim como a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, que teve como principal resultado a Declaração de Viena. As conferências servem para moldar o mais legítimo cimento da coexistência humana entre os indivíduos e comunidades, traduzido no respeito à cultura do outro, na promoção e proteção da diversidade das expressões culturais, tão bem expostos pelas sábias e singelas palavras de D. Zilda Arns, que faço questão de reproduzir:“Ao fortalecer os laços que ligam a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais que afetam as famílias pobres. A sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação”.
A abordagem principal da II CNC se centrará no conjunto das cerca de 600 propostas que foram aprovadas nas etapas municipais, estaduais, setoriais, livres e virtuais, envolvendo 206 mil participantes, espalhados por todos os estados da federação e mais de três mil municípios que formam protagonistas deste inédito e expressivo processo participativo. Os objetivos são aqueles que se encontram elencados no artigo primeiro do seu Regimento Interno, a saber: discutir a cultura brasileira nos seus múltiplos aspectos, valorizando a diversidade das expressões e o pluralismo das opiniões; propor estratégias para: fortalecer a cultura como centro dinâmico do desenvolvimento sustentável; universalizar o acesso dos brasileiros à produção e fruição da cultura; consolidar a participação e o controle social na gestão das políticas públicas de cultura; implantar e acompanhar os Sistemas Nacional, Estaduais e Municipais de Cultura e o Plano Nacional de Cultura; e avaliar os resultados obtidos na I Conferência Nacional de Cultura, de 2005.
Como foi o processo de construção das diretrizes da II CNC e em que eixos ela vai trabalhar?
O tema geral da II CNC é “Cultura, Diversidade, Cidadania e Desenvolvimento”, condizente com as grandes questões de políticas culturais que vêm sendo discutidas e consolidadas no Brasil e no mundo. O processo passou por várias instâncias de legitimação, dentre estas, o Conselho Nacional de Políticas Culturais, órgão colegiado competente para tal fim, e que aprovou o temário e o próprio Regimento Interno da II CNC. Também foi objeto de discussão no Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, assim como do Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Cultura e do Fórum de Dirigentes de Cultura das Capitais e Regiões Metropolitanas.
Os cinco eixos que compõem o temário da II CNC são: I – Produção Simbólica e Diversidade Cultural; II – Cultura, Cidade e Cidadania; III – Cultura e Desenvolvimento Sustentável; IV – Cultura e Economia Criativa; e Gestão e Institucionalidade da Cultura. Cada um destes cinco eixos está dividido em subeixos, permitindo um aprofundamento das questões que possibilitam a elaboração de estratégias para a implementação das ações pertinentes, traduzidas em projetos e programas a serem implementados pela União, Estados, Municípios e o Distrito Federal.
Há pontos que você considera polêmicos no texto base da II CNC?
Eu entendo que as Conferências são espaços de consagração dos processos participativos, portanto sua legitimação é oriunda da busca da harmonia e do equilíbrio da convivência humana graças as nossas diferenças e não apesar delas, com bem tem nos ensinado o professor Boaventura dos Santos. Ou seja, através do respeito às diferenças é que podemos falar em praticar a tão propalada diversidade. Na verdade a inquietação maior reside nas estratégias de como implementar a agenda que ganhou musculatura nos últimos anos e que tem boa parte de sua implementação soba responsabilidade do Congresso Nacional.
O resultado prático é que as Conferências se transformaram em uma grande prestação de contas públicas, de cotejamento, avaliação e confronto entre o que foi deliberado nas edições anteriores e o que realmente está sendo implantado, em termos de diretrizes e estratégias formuladas e aprovadas. As Conferências são, portanto, espaços legítimos de cotejamento, confronto de ideias. Por que esse ataque de várias empresas de comunicação do país ao texto-base, afirmando que é um roteiro de política de comunicação, ciência e cultura?
Pela qualidade do que foi publicado até então pela grande mídia nacional, percebe-se que, ou o texto base não foi entendido por aqueles que o leram ou então aprofundaram-se na lógica do próprio desconhecimento: “não li e não gostei”. O texto na verdade tem todos os seus fundamentos de validade extraídos da Constituição Federal, da legislação ordinária, dos tratados e convenções internacionais vigentes, dos quais a República Federativa do Brasil é signatária. Tivemos bastante cuidado ao elaborá-lo, procurando ter como fonte principal justamente este diplomas legais, muitos deles esperando por muito tempo a regulamentação necessária para entrar em funcionamento, como é o caso do artigo 221 da Carta magna brasileira.
É ideia da II CNC interferir na liberdade dos meios de comunicação, como temem as empresas de comunicação?
Em absoluto. Esta temeridade acaba ofuscando um excelente e oportuno debate, ao qual os meios de comunicação poderiam dar uma imensa contribuição, que é como aproveitar a rica diversidade cultural brasileira para fazer disso uma questão central e estratégica para o desenvolvimento sustentável da nossa nação. Fugir deste debate em plena era das grandes inovações no campo das tecnologias de informação e comunicação é optar pelo atraso e lutar contra algo que me parece irreversível, que é o exercício do direito à comunicação, direito esse humano e fundamental. Falo com todas as letras do Direito à Informação e não da censura à liberdade de expressão, que na atual gestão do Ministério da Cultura foi levada às últimas consequências com a deflagração de um inusitado processo participativo.
O que você acha quando essas mesmas empresas dizem que, no Brasil, não há monopólio de comunicação?
Acho que elas colocam um tema bastante interessante para se debater amplamente na sociedade brasileira, que é quem deve, em primeira e última instância, ser chamada a se pronunciar sobre esta questão. O MinC e o Governo Lula são intransigentes neste assunto, contra qualquer tipo de monopólio (estatal ou privado) que tenham por objeto o cerceamento das liberdades de expressão ou do direito à informação. O ministro Juca Ferreira costuma em seus pronunciamentos públicos enfatizar que nunca se viveu no país um momento tão rico da livre manifestação de opiniões.
Que resultados concretos sairão da II CNC?
Embora entenda ser difícil estabelecer prognósticos sobre os resultados de um processo participativo da magnitude do que representa a conferência, tenho a convicção de que ele será um passo para a colocação da Cultura como questão estratégica e central para o desenvolvimento do país e cimentará um novo pacto federativo, no que diz respeito ao compartilhamento de responsabilidades, visando a implantação do Sistema Nacional de Cultura. Representará a ampliação do conceito e abrangência da cultura, compreendida em suas dimensões cidadã, simbólica e econômica, o que redundará em práticas nas gestões culturais nos estados e municípios, que não permitam mais a utilização de enormes somas de recursos públicos dirigidas aos mega eventos e a espetacularização das legítimas manifestações culturais.
Publicado no jornal O Imparcial – caderno Impar, em 1º de março de 2010, e , e reproduzido pelo blog da II Conferência Nacional de Cultura