As instituições financeiras internacionais podem ser consideradas cúmplices das reformas econômicas que violam os direitos humanos e, se sim, em quais condições? É o que discute texto de Juan Pablo Bohoslavsky, especialista da ONU sobre dívida e direitos humanos.

O autor mostra que muitas reformas liberalizantes aplicadas em diversos países do mundo são impulsionadas por pressões de instituições financeiras internacionais, com profundas implicações sociais. Por vezes, países endividados que procuram tais instituições são pressionados a realizar reformas sem discussão com a sociedade (que é, diga-se de passagem, como funcionam as condicionalidades do
Fundo Monetário Internacional ao conceder empréstimos). Portanto, ao ordenar reformas econômicas com efeitos negativos previsíveis nos direitos humanos, as instituições financeiras internacionais podem ser consideradas cúmplices em tais violações.

Segundo Bohoslavsky, um exame detalhado dos acordos que o FMI fez com diversos Estados entre 1980 e 2014 revelou que o número de condições associadas a tais empréstimos aumentou e seu alcance foi ampliado ao longo dos anos. Segundo o autor, mais de 12% das condicionalidades impostas pelo FMI estavam relacionadas à privatização de empresas estatais, a questões do mercado de trabalho, a reformas institucionais e a políticas para redução da pobreza. “Apesar da crença generalizada de que as reformas trabalhistas impulsionadas pela austeridade dão lugar à desregulação do mercado de trabalho, estas políticas não contribuíram necessariamente ao crescimento econômico e ao aumento do emprego, sem falar nos efeitos negativos destas condicionalidades nos direitos humanos”, afirma o autor.

Bohoslavsky defende que muitos dos problemas contemporâneos – como a informalidade, a ruptura de contratos sociais, as desigualdades de gênero e de renda etc. – foram agravados pela adoção da austeridade e por reformas no mercado de trabalho de diversas naturezas ou pela privatização dos sistemas de previdência social. Sobre este último ponto, defende que a transferência da prestação de serviços essenciais à população a empresas (como frequentemente é recomendado pelo Banco Mundial ou pelo FMI a Estados diversos) pode afetar negativamente os direitos humanos e a viabilidade do próprio setor público.

Embora nos dois anos que se seguiram à crise financeira mundial de 2008 instituições como o FMI tenham defendido a necessidade de estimular a economia para superar as consequências sociais e econômicas da crise, o quadro mudou, e voltou-se a defender a austeridade fiscal. Segundo Bohoslavsky, é preciso desmontar a teoria econômica que apoia a austeridade e mostrar o quanto ela é nociva para os direitos humanos mundo afora, pois aumenta, por exemplo, a desigualdade e o desemprego.

O especialista da ONU defende a necessidade de instituições financeiras internacionais realizarem avaliações de impacto nos direitos humanos ao propor reformas econômicas em algum país, para garantir que as reformas propostas não firam os direitos da população. Mas, de antemão, o autor garante que as medidas de austeridade em geral têm uma série de efeitos negativos nos direitos humanos, havendo, portanto, sólida base jurídica para defender a incompatibilidade entre as políticas de austeridade e momentos de recessão e a proteção aos direitos humanos.

No Brasil também as reformas tiveram o apoio de instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial . Mas no Brasil o debate sobre a austeridade e o papel das instituições financeiras é interdito. Até mesmo nos meios de comunicação que por vezes criticam o autoritarismo de Jair Bolsonaro, a política econômica de Paulo Guedes – que segue a austeridade ao extremo – não é criticada, mas vista como uma forma de levar o Brasil “ao caminho certo”. As reformas liberalizantes não são criticadas, assim como não foram as realizadas no governo Temer (Reforma trabalhista e o Teto de Gastos), que iam na mesma direção.

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