Em artigo publicado dia 1º de dezembro na Folha de S.Paulo, Samuel Pessoa, Marcos Lisboa e Paulo Hartung talvez tenham conseguido superar a si mesmos, tamanha a dificuldade em se manterem fiéis a fatos. Apegados à causa do liberalismo sem peias, invertem os sentidos da história e desfilam um rosário de silogismos precários, recheados de impropriedades, como quando concluem categóricos: “todos os projetos iniciados durante o segundo governo Lula fracassaram”.

A história e os fatos, contudo, mostram o exato oposto. A despeito da profunda crise produzida pela austeridade fiscal praticada por sucessivos ministros conservadores no período recente, o Brasil só não foi arrastado para um colapso externo pelo desastre produzido pelo neoliberalismo de Macri na vizinha Argentina porque lá atrás, ainda em meados da década passada, Lula desafiou os conselhos da ortodoxia e deu início a uma vigorosa política de compra de divisas internacionais. Anos mais tarde, quando passou o bastão à Dilma, lhe entregou junto um potente “buffer” de 320 bilhões de dólares que hoje, acrescidos de outros cinquenta bilhões de dólares acumulados por Dilma nos anos seguintes, permite até gente do naipe de Paulo Guedes dormir em paz.

Como se não bastasse, para fazer frente à paralisia econômica que tem sido produzida pela malograda austeridade fiscal e às sucessivas quedas da arrecadação pública, deve-se assinalar que o que tem salvado a pele das equipes econômicas de Temer e Bolsonaro são as injeções de recursos extraordinários obtidos com os royalties do petróleo, os dividendos da Petrobras e as vendas de frações do pré-sal, aquele projeto que o presidente Lula bancou desde 2005, que foi vigorosamente combatido pela ortodoxia liberal e que, por surreal que possa parecer, continua sendo malhado pelos três autores no artigo mencionado. Aliás, por falar em política fiscal, não é demais relembrar que ao longo dos oito anos em que Lula esteve na Presidência da República o governo federal registrou superávits primários expressivos, o que contribuiu decisivamente para a redução da dívida pública de 56% para 32% do PIB.

Mas tem mais, muito mais. Olhando por uma perspectiva mais ampla, para a dimensão socioeconômica, graças à expansão da rede de universidades federais somada à grande oferta de bolsas para a educação superior em instituições privadas, o número de matrículas anuais saltou de 589 mil em 2006 para pouco mais de um milhão em 2010; em outra frente, algo como quinze milhões de domicílios rurais (praticamente o equivalente à população do Chile) foram atendidos pelo programa Luz Para Todos e pela primeira vez tiveram acesso a um bem público fundamental para várias esferas da vida; já com o Minha Casa Minha Vida, quatro milhões de famílias puderam adquirir, a preços subsidiados, moradias dignas; com o Pronaf e o Programa de Aquisição de Alimentos (PPA), milhões de pequenos agricultores puderam expandir sua produção, manter suas famílias no campo e garantir alimentos de melhor qualidade aos moradores das áreas urbanas.

Enfim, são diversos os projetos iniciados durante o governo Lula que resultaram em benefícios indiscutíveis ao país e à sociedade brasileira – não por outra razão, 87% dos brasileiros reconheceram isso quando ao final de 2010 avaliaram como ótimo ou bom o seu governo. O que os autores deveriam perceber é que desconhecer essa realidade, ou pior, agir deliberada e conscientemente para falseá-la, degrada menos o legado de Lula do que a própria crítica ortodoxa e seus incansáveis porta-bandeiras.

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