Das palavras, das intenções, aos gestos. Essa passagem do plano ideal à prática foi, em resumo, o principal tema de debates e formulação de propostas do Seminário Nacional Reconexão Periferias, encerrado nesta sexta, 6 de dezembro, em São Paulo.

Desde quarta-feira, lideranças e ativistas de coletivos e movimentos das periferias de todas as regiões do Brasil estiveram reunidos para narrar parte de suas realidades e anseios e, junto com pesquisadores, acadêmicos e dirigentes da Fundação Perseu Abramo (FPA), imaginar formas de o PT assimilar novas práticas de luta do povo periférico e impulsionar sua política institucional a partir delas.

O Reconexão, criado e mantido pela FPA, nasceu exatamente com essa proposta, em outubro de 2017, atendendo a deliberação do Diretório Nacional do partido, que em oficina de planejamento realizada naquele ano reafirmou a necessidade de retomar e aprofundar a relação com suas bases históricas.

Durante o seminário nacional, encerrado dia 6 de dezembro, dois consensos ficaram bastante evidentes, em todas as falas dos convidados que participaram das mesas de debate e nas intervenções do público: é preciso estar presente nas periferias, de maneira permanente; qualquer ação nas periferias tem de ser feita junto com os coletivos, com quem se deve compartilhar protagonismo, a partir de seus conhecimentos e vivências.

Outro ponto de discussão bastante frequente no seminário foi a reivindicação de que o povo periférico, portanto majoritariamente o povo negro e indígena, tenha acesso aos espaços decisórios do partido. Essa reivindicação também demonstra a convicção, diversas vezes manifestada nas intervenções, de que o PT é o espaço institucional capaz de abrigar essa mudança.

Os debates realizados nos três dias de encontro concentraram-se nos temas cultura, trabalho e violência. O projeto Reconexão Periferias tem realizado pesquisas sobre esses eixos, que serviram como base dos debates. A participação dos pesquisadores acadêmicos – a grande maioria negra e periférica – propôs caminhos para avançar nessas investigações e nas ações práticas que podem gerar. Os debates podem ser vistos na íntegra no canal Youtube da TV FPA, que transmitiu o seminário.

O terceiro dia foi dedicado à apresentação de propostas práticas de ação, apresentadas e defendidas por cada participante. Quase todas convergem para a necessidade de ampliar ações de formação política nos territórios e de apoio às atividades culturais dos coletivos – dois elementos profundamente imbricados.

Artur Henrique, diretor da Fundação Perseu Abramo responsável pelo projeto Reconexão Periferias, encaminhou três propostas: elaboração de uma plataforma para as eleições 2020, com propostas dos coletivos periféricos, que seria entregue aos candidatos e candidatas; trabalhar para que as sedes e subsedes de sindicatos aliados e os diretórios do PT tornem-se espaços para atividades culturais e encontros periféricos, e que o Reconexão Periferias amplie o arco de diálogo para setores das populações periféricas que ainda não se situam à esquerda no espectro político.

Para Paulo César Ramos, coordenador do Reconexão Periferias, o projeto tem cumprido tarefa importante para alcançar objetivo estratégico para a superação da conjuntura atual e retomada de um ciclo democrático de desenvolvimento econômico e social. “Sem protagonismo do povo, sem soberania popular, não há possibilidade de soberania da Nação. Reconectar o partido às periferias tem também esse sentido”.

Malu Viana, representante da regional Sul do Fórum de Enfrentamento ao Extermínio e Genocídio da Juventude, avalia que o Seminário Nacional Reconexão Periferias foi “uma ação ponta de lança para debater um assunto que quase sempre é esquecido, que é a matança do povo negro”.

Na opinião do rapper Gog, presente nos três dias de seminário, a importância do projeto cresce à medida em que avançam as ideias e valores conservadores nos territórios periféricos. “Todo mundo se solidarizou com o massacre de Paraisópolis, mas quem foi lá olhar de perto?”, questionou. “No país da bola, o que vai valer é a bolinha dos olhos. Temos de olhar, estar presentes”, disse.

“Não dá mais para pensar em falar com (o povo periférico). É preciso fazer junto”, destacou Ana Lúcia Silva Souza, doutora em Linguística e professora da Universidade Federal da Bahia, que participou do debate sobre cultura periférica. “Para isso, tem de sair da cadeira”, arrematou.

Uma amostra de como podem ser interpretadas lacunas no diálogo entre as instâncias institucionais e a realidade da periferia foi visto durante o debate sobre violência oficial contra as comunidades, ocorrido na quinta-feira, dia 5. Naquele dia, a Câmara dos Deputados havia aprovado por ampla maioria uma versão modificada do chamado pacote anticrime, proposto originalmente por Sergio Moro. O fato foi anunciado pela mesa de debate, causando surpresa em muitos presentes, que correram à internet para tentar entender melhor. O voto favorável de parlamentares progressistas e as razões que teriam levado ao resultado foram objeto de muita polêmica.

O Seminário Nacional Reconexão Periferias foi precedido por seis fóruns regionais realizados em 2019, cujos resultados e contribuições serviram de parâmetro para o encontro encerrado nesta sexta-feira.

Reconectar é fazer junto com a periferia, conclui seminário