Na quarta-feira, 28 de agosto, Rogério Schietti, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), votou pela reabertura do famoso caso Riocentro. Neste julgamento, o Ministério Público Federal pede que militares sejam julgados pelo atentado a bomba no Riocentro, em 1981.

Rogério Schietti é o relator do caso no Supremo Tribunal de Justiça e foi o único a votar. Depois dele, o ministro Reinaldo Soares da Fonseca fez um pedido de vista e a análise do recurso foi suspensa.

Em seu voto, Rogério Schietti entendeu que as condutas dos militares podem ser enquadradas como crimes contra a humanidade, que não prescrevem. Schiett lembrou ainda que o Brasil é signatário de tratados internacionais e deve levá-los em consideração em suas decisões.

A lei de Anistia, aprovada em 1979, estendeu o perdão também a militares que torturaram, estupraram e assassinaram durante a ditadura militar no Brasil. No entanto, há um grande debate pela abertura de crimes não prescritos e crimes continuados (como é o caso dos desaparecidos políticos, já que os autores desses crimes até hoje seguem escondendo os cadáveres de suas vítimas).

Relembre o caso Riocentro


Em 30 de abril de 1981, a explosão de uma bomba mata o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário e fere gravemente o capitão Wilson Dias Machado no estacionamento do Riocentro, no Rio de Janeiro. O explosivo era manuseado pelo suboficial dentro de um carro. Os dois militares eram agentes do DOI-Codi do 1° Exército e planejavam detonar o artefato no auditório do pavilhão, no qual 20 mil pessoas assistiam ao show comemorativo do 1° de Maio. O objetivo era criar pânico na plateia e responsabilizar um grupo de esquerda pelo atentado. A explosão acidental da bomba frustrou o plano terrorista e abriu a mais grave crise política do governo do general presidente João Baptista Figueiredo.

A participação de militares num plano criminoso, que poderia ter feito um número incalculável de vítimas, chocou a sociedade. Em vez de investigar e punir os responsáveis, o governo da “abertura” ajudou o comando do 1° Exército a acobertá-los, por meio de um inquérito fraudulento.

A bomba explodiu por volta das 21h20. O barulho não foi percebido pelo público dentro do auditório, onde se apresentava a cantora Elba Ramalho. Minutos depois, uma segunda bomba explodiria na casa de força do Riocentro, mas não foi suficiente para cortar a energia. Ao final do show, o cantor Gonzaguinha informou à plateia: “Pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos amedrontar” (ouça aqui)

Todas as evidências apontavam para um “acidente de trabalho” em meio a um crime premeditado. O chefe da segurança do Riocentro havia sido substituído naquele dia. O policiamento do show tinha sido cancelado. O sargento Rosário e o capitão Wilson foram vistos na tarde do atentado num restaurante, em companhia de outros agentes do DOI e do Centro de Informações do Exército (CIE), examinando mapas. Havia pelo menos duas granadas dentro do carro em que estavam – um Puma com chapas falsas, registrado em nome do capitão Wilson.

No dia do atentado, placas de trânsito no caminho do Riocentro foram pichadas com a sigla VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), grupo de esquerda que não existia desde 1973, quando foi liquidado pela repressão. Fotos das pichações foram feitas “para aproveitamento na imprensa”, segundo relatório do então chefe do DOI-Codi, coronel Julio Molinas Dias, que seria revelado em 2012. O CIE e o Serviço Nacional de Informações (SNI), chefiado pelo general Octavio Medeiros, sabiam previamente da “Missão 115 – Operação Centro”, nome de código do atentado planejado pelo DOI-Codi.

O coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, nomeado para presidir o Inquérito Policial-Militar, renunciou dias depois quando os indícios contra militares do Exército começaram a ser revelados pela imprensa. Foi substituído então pelo coronel Job Lorena de Sant’Anna, que entregaria um relatório sustentando a versão do DOI-Codi: contra todas as evidências, o sargento e o capitão teriam sido vítimas de uma bomba colocada no carro, “provavelmente por subversivos”.

Em 1999, o caso foi reaberto pela procuradora da República Gilda Berer. Novo IPM, conduzido pelo general Sérgio Conforto, concluiu pela responsabilidade do sargento Rosário, do capitão Wilson (naquela altura promovido a coronel), do ex-chefe da Agência Central do SNI, general Newton Cruz (pelo crime de prevaricação) e do ex-chefe da agência do SNI no Rio, coronel Freddie Perdigão. O coronel Perdigão, um dos mais notórios torturadores do período, foi apontado como mentor do crime. O Superior Tribunal Militar considerou que o caso estava coberto pela Lei de Anistia.

Depois da explosão do Riocentro, cessou a onda de atentados terroristas iniciada no ano anterior.

Este texto é um trabalho do Memorial da Democracia, o museu virtual das lutas democráticas do povo brasileiro, que é mantido pela Fundação Perseu Abramo e o Instituto Lula.