O atual presidente da Argentina, o neoliberal Mauricio Macri da coalizão “Juntos por el Cambio”, perdeu de lavada a disputa na Paso (Primárias Abiertas Simultaneas Obrigatorias), realizadas no domingo, dia 11 de agosto, para a coalizão “Frente de Todos” encabeçada por Alberto Fernández com a ex-presidenta Cristina Kirchner de vice. Esta fórmula teve 47% dos votos válidos contra 32% de Macri em um cenário com alta participação dos eleitores de aproximadamente 75%.

A Paso é um processo prévio das eleições argentinas que renova a Presidência, alguns governos provinciais e parte do parlamento. Ela ocorre para definir os candidatos presidenciais, desde que alcancem mais de 1,5% dos votos, bem como os candidatos ao governo da província de Buenos Aires, a maior do país, que disputarão o primeiro turno em 27 de outubro.

No dia 11, viabilizaram-se para disputar as eleições, além dos primeiro e segundo colocados, Roberto Lavagna, peronista e ex-ministro da economia do presidente Eduardo Duhalde, em 2002, pela coalizão “Consenso Federal” que obteve 8% dos votos; Nicolas del Caño por uma coalizão trotsquista chamada “Frente de Izquierda de los Trabajadores (FIT) – Unidad com 2% e Juan José Gómez Centurion, ex-militar que foi membro dos “caraspintadas” que intentaram algumas rebeliões contra o governo Alfonsín na década de 1980, também com 2% por uma coalizão de direita chamada Nos. Na província de Buenos Aires, o primeiro colocado também foi o candidato da “Frente de Todos”, ex-ministro da economia de Cristina Kirchner, Axel Kicillof.

Macri conquistou a Presidência em 2015 prometendo mudanças substantivas em relação aos governos anteriores de Cristina e de Néstor Kirchner, que eram progressistas. Entretanto, com uma agenda alinhada ao discurso neoliberal de encolhimento do Estado e austeridade ele afundou o país em uma grave crise econômica. Hoje, a Argentina apresenta a segunda maior inflação da América Latina, alta taxa de desemprego e crescimento da pobreza.

Para tentar tirar o foco da população da péssima performance da economia, bem como enfraquecer Kirchner na disputa presidencial, foi montado um consórcio jurídico-midiático-político de perseguição a ex-presidenta, muito parecido com o que aconteceu no Brasil com o ex-presidente Lula na Lava Jato. Ela foi acusada em um processo de denúncias sem provas e em alguns cadernos, dos quais só existem fotocópias, que um ex-motorista supostamente escreveu relatando corrupção ligada ao Ministério de Obras Públicas.

Mesmo com a perseguição e bombardeada por um discurso que tenta impor medo à volta de um governo progressista, a chapa composta por Fernández e Kirchner ganhou de maneira grandiosa as primárias, com 15% a frente, o que torna difícil uma virada de Macri. Para vencer em primeiro turno, qualquer chapa precisa ter pelo menos 45% dos votos ou 40% com 10% de diferença para o segundo colocado. Se persistir essa tendência, Fernández e Kirchner podem ganhar já no primeiro turno que ocorrerá dia 27 de outubro.

Com um governo de Fernández e Kirchner, os presidentes de direita e extrema-direita da América Latina perderão um importante aliado. As atitudes de Jair Bolsonaro, por exemplo, poderão trazer problemas para a relação entre Brasil e Argentina, pois ele criticou diversas vezes a chapa progressista e os governos Kirchner chegando a dizer que se a esquerda vencer, o Rio Grande do Sul poderia virar “uma nova Roraima e a Argentina uma nova Venezuela”.

No entanto, o apoio explícito de Bolsonaro a Macri somente fortalece seus oponentes e a vitória da “Frente de Todos” foi um alento também para o candidato presidencial da “Frente Amplio” no Uruguai, Daniel Martinez, que disputará o primeiro turno na mesma data da eleição argentina. Neste país, a direita também está jogando pesado tentando criar uma percepção de insegurança cidadã por meio das redes sociais e com apoio do governo Trump dos Estados Unidos que recentemente recomendou que os cidadãos estadunidenses evitassem viajar ao Uruguai devido a um suposto aumento da criminalidade. O governo de Tabaré Vazquez respondeu à altura que os cidadãos uruguaios é que deveriam ter cuidado com as agressões xenófobas aos latino-americanos nos Estados Unidos.

Reconstruir a economia destroçada na Argentina não será uma tarefa fácil, mas certamente passa pela mudança política apontada pela Paso e Alberto Fernández já anunciou que, caso ganhe, irá revisar o acordo entre Mercosul e União Europeia.

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