Terrenal – Pequeno Mistério Ácrata faz alegoria de Caim e Abel
Com direção de Marco Antônio Rodrigues, o espetáculo Terrenal – Pequeno Mistério Ácrata volta ao cartaz no Teatro Raul Cortez para temporada de 6 de junho a 25 de julho. As sessões acontecem às quintas-feiras, 21h com ingressos por 50 reais e 25 reais (meia entrada).
Baseado na história bíblica de Caim e Abel, dois irmãos que vivem às brigas competindo tanto pela atenção do “pai” quanto pela propriedade, é o argumento de Terrenal – Pequeno Mistério Ácrata. O texto original de Mauricio Kartun – considerado um dos mais importantes dramaturgos da Argentina e uma referência no teatro latinoamericano – tem tradução de Cecília Boal. No elenco, Celso Frateschi, Sergio Siviero, Dagoberto Feliz e Demian Pinto (músico). A trilha é tocada ao vivo pelo músico e pelos atores em diversos instrumentos: piano, teclado, sanfona, ukulelê, guitarra, saxofone e flauta transversal.
Por meio de uma linguagem cênica que prioriza a comicidade Terrenal poetiza sobre a história de ódio entre dois irmãos para falar metaforicamente dos conflitos sociais. O texto bíblico do livro de Gênesis narra o que é considerado o primeiro assassinato do mundo, mas Mauricio Kartun aproveita este mito e vai além – usa esta potência do conflito para falar de assuntos em pauta que envolvem justiça, propriedade, violência e visão de mundo.
O texto prende, surpreende e diverte muito, discute a origem da propriedade privada e a produção (contra o uso livre da natureza, o nomadismo de Abel), a acumulação do capital, o comércio e o uso da violência (para a própria defesa) que reverbera e nos lembra muitos sons e vozes do presente.
Na montagem dirigida por Marco Antônio Rodrigues, os atores são artistas populares que com recursos circenses encenam um espetáculo sobre Caim e Abel. Reflexo contemporâneo de nossa sociedade, um Caim (Dagoberto Feliz) fixado em sua terra, acumulador de bens e moral e um Abel (Sergio Siviero) nômade, sem muitas ambições além de ‘pastorear’ suas minhocas, o paradoxo do irmão. Tata (Frateschi) é o pai de ambos, dual, carrega em si o caráter libertário e opressor, é aquele que os abandonou por 20 anos, mas também é aquele que volta e festeja.
“Na sociedade virtualizada, digital, mitos, fábulas e narrativas ocupam espaço central nas nossas vidas, e não raro, manipulam mentes e corações, subtraindo a memória e a história, distorcendo destino de nações e povos. Terrenal é neste sentido, uma obra otimista, porque repõe a lenda dos dois irmãos como um microcosmo das relações sociais e contemporâneas”, explica o diretor Marco Antônio Rodrigues.
Conflitos em Cena
O enredo desta tragicomédia parte da história de dois irmãos que habitam o mesmo terreno, comprado pelo pai. A princípio considerado um ‘paraíso’, o pedaço de terra está situado em um vilarejo. A história se passa em um domingo (dia santo), que marca também vinte anos de sumiço de Tata, o pai, que os abandonou ainda pequenos. O dia começa com os irmãos em conflito: Caim cumpre o mandamento de descansar, enquanto Abel só trabalha justamente aos domingos, vendendo iscas, besouros e minhocas para os vizinhos irem à pesca.
Caim produz pimentões, dedica-se à produção e ao comércio e usa isso como motivo de orgulho para tripudiar sobre o irmão – ele é aquele que em um futuro próximo erguerá cidades cheia de muros para defender o patrimônio. Abel não tem apego à terra, é um nômade sonhador, cultiva o ócio e usufrui das delícias da vida.
A dramaturgia de Mauricio Kartun
Com mais de quatro décadas de carreira, desde sua estreia, com Civilización… ¿o barbarie? (1973), Mauricio Kartun tem realizado trabalhos marcados pelo compromisso com a atualidade política de seu país, além de um texto que flerta com a mitologia clássica. Terrenal foi traduzido para o português por Cecília Boal, viúva de Augusto Boal, principal liderança do Teatro de Arena (SP) na década de 1960, criador do teatro do oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro e ação social.
O dramaturgo fez parte do grupo teatral argentino El Machete, que encenou em 1973 na extinta Sala Planeta em Buenos Aires a peça Ay, Ay! No hay Cristo que aguante, no hay! adaptação de Revolução na América do Sul, com a direção de Augusto Boal.
“Boal e Kartun mantiveram uma intensa relação de trabalho durante o período do exílio de Boal na Argentina. Ambos compartilhavam as mesmas preocupações pelos nossos países dominados. Terrenal, a terra, que é e não é um paraíso, nos propõe uma versão dialética do episódio bíblico, a eterna luta dos irmãos que sempre acaba em morte, a impossível missão de destruir o diferente”, fala Cecília Boal.
Desde a sua estreia em terras portenhas em 2014, Terrenal tem se mostrado um fenômeno da cena teatral independente da argentina. São mais de 65 mil espectadores e dezenas de premiações, como os argentinos Prêmio de Crítica da Feira do Livro, pelo texto, e o Prêmio da Associação de Cronistas de Espetáculos (melhor obra). O Instituto Augusto Boal é o idealizador e a Associação Cultural Corpo Rastreado e a DCARTE são coprodutoras do espetáculo.
Para Marco Antônio Rodrigues, a criação de Kartun parte de um acontecimento conectando-o a outras imagens, de forma a examinar de onde viemos e como hoje aqui chegamos. “Na refabulação de Kartun, os dois irmãos esperam o retorno do pai, que há vinte anos os abandonara num loteamento em uma conurbação urbana. Quando o pai chega, Caim, na ânsia de agradar a Deus, mata o irmão como ato de amor – sua compreensão distorcida o perde, já que para ele, na mais pura tradição religiosa, só oferendas de sangue, só o sacrifício do cordeiro tem pacífica e cabal eficácia.”
Sinopse
Em um fracassado loteamento, Caim (Dagoberto Feliz) e seu irmão Abel (Sergio Siviero) desenvolvem uma versão conturbada do mito bíblico: a dialética história entre o sedentário e o nômade. Entre um Caim dono de um sítio, produtor de pimentões reputados e um Abel vagabundo, que fora de toda cadeia de produção sobrevive vendendo isca viva aos pescadores da região. Dois irmãos sempre em peleja que compartilham um mesmo terreno baldio dividido e que jamais poderão construir uma morada comum. A história se passa no domingo (dia Santo) que marca vinte anos do desaparecimento de Tata, o pai (Celso Frateschi), que os abandonou ainda pequenos.
Ficha técnica:
Texto Mauricio Kartun. Tradução Cecília Boal. Direção Marco Antonio Rodrigues. Elenco Celso Frateschi, Dagoberto Feliz, Sérgio Siviero e Demian Pinto. Direção musical Demian Pinto. Assistente de direção Tiago Cruz. Preparação musical Marcelo Zurawski. Preparação Corporal Esio Magalhães. Assessoria de mágicas Rudifran Pompeu. Cenário e Figurinos Sylvia Moreira. Contrarregra Guilherme Magalhães. Visagismo Kleber Montanheiro. Design de luz Túlio Pezzoni. Operador luz João Piagge. Design de som Gabriel Hernandes. Operadora som Monique Carvalho. Fotografias Leekyung Kim. Assessoria de imprensa Adriana Balsanelli. Redes Sociais DCARTE. Designer Gráfico Zeca Rodrigues. Cenotécnicos Zé Valdir e Marcelo Andrade. Gestão de Projetos DCARTE e Corpo Rastreado. Administração Corpo Rastreado e DCARTE. Direção de produção e executiva Danielle Cabral e Gabi Gonçalves. Idealização Instituto Boal.
Serviço:
TERRENAL – PEQUENO MISTÉRIO ÁCRATA
De 6 de junho a 25 de julho. Quintas-feiras, às 21h.
Ingressos: R$50 e R$25 (meia entrada).
Classificação etária: 16 anos.
Duração: 90 minutos.
Teatro Raul Cortez – Rua Doutor Plínio Barreto, 285, Bela Vista.
Capacidade: 513 lugares (sendo 10 para pessoas com obesidade, 2 para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e 2 para seus acompanhantes. Além disso, é possível o acréscimo de 26 cadeiras extras, totalizando 539 lugares em capacidade máxima do espaço).
Bilheteria: de terça a quinta, das 15h às 20h; e de sexta a domingo, das 15h até o início do espetáculo. *A bilheteria não abre aos feriados