FHC optou por lançar seu livro de memórias nos EUA, como se prestasse contas do seu mandato a quem de fato o colocou lá. Para quem suspirava com a idéia de ser um misto de Mitterrand e Felipe Gonzalez, parecer Carlos Menem deve ferir o orgulho.

Por Henrique Fontana*

O todo nos mostra uma história de 26 anos de luta pela liberdade, pela democracia, pela justiça social, pela ética na política. A parte revela denúncias que envolveram alguns dirigentes do PT, o que nos encheu de dor e indignação. O todo é um caminho construído por mais de 800 mil filiados, milhões de simpatizantes e lutadores sociais, que dedicaram e dedicam a vida para mudar o Brasil, desde as pequenas lutas cotidianas no bairro, na cidade, no campo, no sindicato, até a conquista de governos. A parte não os vê, não os escuta e talvez nem os reconheça, ansiosa em transformar o julgamento parcial em total, criminalizando o PT e a esquerda, e poder declarar o fim de algo que na verdade nunca lhe foi aceitável.

O todo, infelizmente, denuncia essa triste herança secular de corrupção e de apropriação do Estado por grupos privados de interesses, sejam financeiros, econômicos ou políticos. A parte não reconhece a história, se satisfaz com o palco do espetáculo midiático momentâneo, dos julgamentos instantâneos, das simplificações políticas, do denuncismo, de um verdadeiro fast food da política partidária nacional.

O todo revela um país em que, desde a volta da democracia, seu Estado e a sociedade civil vêm amadurecendo politicamente, aperfeiçoando suas instituições democráticas e o controle público sobre os órgãos estatais, reforçado pelos movimentos sociais e sindicais, e que agora, diante da crise, deseja a investigação profunda e a punição dos verdadeiramente culpados, mas também quer mudanças estruturais, como a reforma política. A parte não tem compromisso com o futuro, nem responsabilidade com as instituições democráticas, está embriagada pelo oportunismo eleitoral e os dividendos que poderá angariar com o aprofundamento da crise. O todo faz o balanço dos avanços do governo Lula e também reconhece criticamente seus limites. A parte ataca apenas o que lhe interessa e trata tudo mais como resto sem importância.

Se ao ver a parte vivemos momentos de muitas dúvidas, ao ver o todo não temos dúvidas sobre a história e os ideais que nos trouxeram até aqui. A dura realidade que vivemos em 2005 – a esquerda brasileira, os simpatizantes e militantes petistas, lutadores sociais – nos desafia a agir sobre o nosso próprio tempo, mas revela também, neste momento, o quanto a esquerda e o Partido dos Trabalhadores são necessários, não só como força militante, mas como referência histórica, programática, civilizatória e transformadora. Desejamos, queremos e iremos lutar muito para continuar governando o Brasil junto com o Presidente Lula.

Há os que desejam decretar o fim tanto do PT quanto do governo Lula, e gostariam mesmo é de interditar a esquerda. Nós já fizemos a nossa escolha, afinal, estamos aqui, vivos – militantes, construtores partidários, lutadores sociais – debatendo, pensando, elaborando e tentando traçar caminhos de retomada, reconstrução, mudança, mas, principalmente, lutando pela afirmação de um referencial político e histórico fundado no socialismo democrático e popular. Não somos os que decretaram o fim do PT e de 26 anos de uma história de lutas – contra a ditadura, o imperialismo, o capitalismo, a opressão – e de conquistas importantes para os trabalhadores, os movimentos sociais, sindicais, as minorias e os excluídos. Não somos tampouco alheios ou acríticos aos erros, incapazes de realizar uma reflexão teórica ou programática; porém, ao mesmo tempo não fechamos os olhos para a série de conquistas e mudanças realizadas pelo nosso governo, que estão mudando a cara do Brasil.

Este espírito crítico, esta vontade militante, esta consciência político-histórica de classe, é a mesma vontade expressa nos mais de 300 mil companheiros e companheiras que foram às urnas, no momento mais difícil da nossa história, para participar das eleições internas do PT a fim de dizer à direção e à sociedade brasileira: estamos aqui, onde sempre estivemos, ao lado da luta dos trabalhadores, queremos mudanças, reconhecemos os limites e os avanços, erros e acertos, mas não abrimos mão da luta e da nossa história.

Soubemos separar a parte do todo e ao mesmo tempo reafirmar o sentido da nossa história. Parabéns a todos nós e ao PT nestes 26 anos de existência, marcados por sonhos, lutas, derrotas e vitórias, mas sobretudo por uma militância que soube construir uma nova história para o Brasil.


*Henrique Fontana, deputado federal (PT-RS) e líder do PT na Câmara
Artigo publicado no Portal do PT.