Publicado originalmente no Observatório da Democracia.

A partir da entrega da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com a qual o governo Bolsonaro pretende reformar o sistema de seguridade social brasileiro, pudemos vislumbrar o tamanho do desmonte que a equipe de Paulo Guedes prometeu entregar a seus colegas do outro lado do balcão.

Entre os muitos efeitos deletérios que poderão decorrer da aprovação da PEC – dentre os quais as reduções do acesso e do valor dos benefícios assistenciais (BPC e aposentadoria rural) são de longe os mais graves e injustos – cabe destacar o caráter contraproducente da reforma no que tange a seus efeitos sobre a dinâmica macroeconômica.

Mirando na etérea confiança do mercado – que na cabeça da ortodoxia econômica seria a principal, senão única, variável a ser ajustada pelas ações governamentais – o time de Guedes aposta que com a reforma da Previdência se estará sinalizando para um gradual ajuste nas contas públicas brasileiras e, com isso, estaria aberta a temporada de vultosos investimentos capitalistas capazes de recolocar nossa economia em trajetória de expansão.

No mundo real, contudo, a confiança quanto ao que será o país daqui a alguns anos é apenas uma parte menor da história. Mais importante são os clássicos componentes da demanda agregada (consumo e investimento privados, gastos do governo e saldo comercial) os quais, em última instância, constituem o lastro do presente que ancora a fugidia confiança dos agentes econômicos no futuro.

Pois bem, embora a reforma sinalize ao mercado que nos próximos dez anos o setor público brasileiro terá deixado de gastar algo próximo de 1 trilhão de reais com o sistema previdenciário, o sacrifício que será imposto no dia seguinte à aprovação da PEC aos assalariados e à população mais pobre deverá, na prática, diminuir a renda mensal disponível de um grande número de famílias brasileiras, derrubando o consumo e indiretamente inibindo o investimento. Vale lembrar que esse efeito depressor sobre a renda disponível deverá ser especialmente intenso no caso dos servidores públicos, visto que a PEC prevê uma forte elevação das alíquotas previdenciárias que incidem sobre as suas remunerações. Como esse contingente corresponde a aproximadamente ¼ do total de assalariados com emprego formal no país – e também porque dispõem de condições especiais de crédito por gozarem de estabilidade no emprego – é de se esperar que por esta via haja também uma substancial contração da disposição a consumir, especialmente no que diz respeito a bens de consumo duráveis, usualmente adquiridos com ajuda de financiamento.

Ou seja, os criacionistas que compõem a equipe econômica de Guedes prometem a reversão das expectativas com algo que poderá acontecer no longo prazo, mas entregam uma efetiva redução da propensão a consumir nos curto e médio prazos, acreditando que o dono da padaria ou o diretor da indústria de liquidificador irão fazer vista grossa ao presente em nome da bem-aventurança prometida para o porvir. De quebra, jogam os pobres na miséria e induzem os ricos a migrarem da previdência pública para os planos de capitalização privados.

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