A tragédia de Brumadinho, assim como a de Mariana e tantas outras, foi um crime e não um desastre ambiental. Como parte considerável dos crimes, foi calculado. Este cálculo mina gradativamente o futuro da civilização humana. Consubstanciado no elevado número de mortos (mais de 160, até o momento) e desaparecidos, Brumadinho transmite relativo ar de excepcionalidade, como um episódio macabro que marca determinado momento de nossas vidas.

Entretanto, não o é. Pertence à normalidade cotidiana que, de tão presente, torna-se imperceptível. O que move nossa sociedade é, antes de tudo, o cálculo monetário. O custo-benefício. Diariamente todos os seres humanos da terra se questionam: “Será que Vale o quanto custa? Será que Vale a pena gastar com isso? Quanto Vale isso?Vale investir nisso?” Todas essas perguntas, bem como suas respostas, são mensuradas por uma única variável: o dinheiro. Sobre esse atributo são tomadas a quase totalidade das decisões humanas numa sociedade capitalista. O dinheiro é o Valor máximo numa organização social fundamentada na sua suposta escassez. Reside aqui a quase totalidad edos nossos males. Tanto no nível micro quanto macro, individual ou coletivo, privado ou público, avaliações relacionadas à saúde, à educação e ao meio ambiente são constantemente mensuradas pelo dinheiro. “Cortaremos gastos com saúde para atingirmos o equilíbrio fiscal”. “Invista no curso que mudará sua vida”. “Estude e se dê bem”. “Utilize o agrotóxico que duplicará sua produção e rentabilidade”. “Casou bem”.

Todas essas frases colocam o dinheiro acima de qualquer coisa, tornando-o objetivo e base do relacionamento e da sociabilidade entre todos os indivíduos. Interagimos mediante o dinheiro. É o objetivo supremo das nossas ações. É a razão das nossas atitudes. É o Valor primeiro do nosso cotidiano. É o substrato da sociedade capitalista. Os indivíduos nessa sociedade dormem e acordam pensando em como ganharão mais dinheiro. Bolam estratégias, falas, comportamentos e atitudes que os levem ao sucesso, ou seja, ganhar dinheiro. Apoiados na inocente ideia de meritocracia, realmente acreditam que o dinheiro é o prêmio justo e adequado àqueles mais esforçados. Realmente acreditam que o mundo é composto por perdedores e vencedores. Que uns têm pouco porque não merecem, outros têm muito porque mereceram.

É assim que deve ser. Criamos nossos filhos para serem vencedores; investimos em
colégios caros e cursos de inglês não na esperança de torná-los mais humanos e preocupados com o mundo ao seu redor mas sim porque terão mais ferramentas para se destacar no mercado de trabalho esmagando seus competidores e recebendo seu merecido prêmio em dinheiro. Forjamos amizades com o intuito de ampliar nossas redes de contato e facilitar nossos negócios. Praticamos relacionamentos interessados buscando incessantemente o dinheiro. O livro mais vendido no mundo desde os anos 1940 é: Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie. Nossa sociedade move-se por esses Valores. Acreditamos neles; a Vale também. Não é só um Valor da Vale; é nosso também. Como o critério de mensuração é o monetário, todas as demais questões ficam em segundo plano. Ética, sustentabilidade e amor ao próximo são Valores ressaltados apenas quando melhoram a imagem e portanto conferem ganhos. Não são prioritários. O dinheiro é primaz; é o nosso principal Valor. O crime de Brumadinho está nisso assentado. A Vale calculou: “Gastarei menos na barragem. Caso o fiscal perceba, o suborno. Se estourar, pago a multa ou compro o juiz. O que economizarei na barragem compensa o gasto que terei num eventual rompimento. Vale a pena”.

Infelizmente, foi “apenas” um cálculo monetário. Da mesma natureza que fazemos todos os dias, colocando o dinheiro no centro das nossas vidas e acima de tudo. Tais cálculos monetários derivam da fixação pelo dinheiro e subsistem nas raízes dos principais problemas enfrentados pela humanidade, tornando sua civilização insustentável. Afinal o que é a desigualdade, a pobreza e o aquecimento global senão manifestações da primazia do dinheiro sobre qualquer outro Valor? Reclamamos diariamente da corrupção e da ganância mas não percebemos que tais “Valores” estão em nós impregnados. Enquanto o amor ao dinheiro for o que nos move todos os dias, não temos moral para criticar a Vale. Numa escala menor praticamos diariamente o modo Vale de agir. A Vale está em nós e isso torna o mundo impraticável.

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