A Era Vargas é um livro indispensável para os interessados no contraditório processo de modernização do Brasil. Ao abordar uma quadra histórica decisiva para o desenvolvimento nacional, a obra clarifica o sentido do período varguista e o significado de sua herança desenvolvimentista e trabalhista.

Os artigos que compõem o livro partem de uma constatação comum: assim como o desenvolvimentismo não pode ser reduzido a um modelo estatista, intervencionista e autárquico, como quiseram fazer certos críticos liberais e conservadores, Getúlio Vargas não pode ser resumido a um populista “autoritário”, a um trabalhista “demagogo” ou a um nacionalista “xenófobo”, como apontaram intérpretes da direita à esquerda. A complexidade da Era Vargas incorpora todos esses elementos, mas ultrapassa toda dicotomia ou esquematismo.

O desenvolvimentismo constituiu-se a partir de uma combinação histórica entre industrialização, intervencionismo pró-crescimento, nacionalismo e alguma tintura positivista. A expressão inaugural dessa confluência ocorreu ainda na década de 1920, justamente com Getúlio Vargas, em sua atuação como ministro da Fazenda, como presidente do Rio Grande do Sul e culminou com a chegada à Presidência da República em 1930. Trata-se, portanto, não apenas de um corpus teórico, mas de um projeto político que coloca como horizonte utópico da ação estatal o desenvolvimento.

Ao mesmo tempo em que construía as bases do Estado moderno, Vargas instrumentalizava a ação estatal, daí suas contradições entre autoritarismo e democracia, entre modernização e burocratização racional, de um lado, e corporativismo e personalismo presidencial, de outro. Tais ambivalências se revelaram também na relação de Vargas com as Forças Armadas Nacionais e na sua política externa pendular.

Em matéria de política econômica, Vargas não pode ser enquadrado nas tradicionais categorias da ortodoxia ou da heterodoxia, era antes e sobretudo um político pragmático, realista e, por isso, flexível. Nesse sentido, lutou contra os obstáculos que seus adversários colocavam contra a centralização de recursos financeiros e cambiais para promover o desenvolvimento. Ora defendendo o equilíbrio fiscal, ora apostando na ampliação do crédito, ora buscando associar-se a organizações externas, ora promovendo a autonomia da empresa nacional. Vargas soube criar condições para planejar, investir e viabilizar ramos fundamentais da economia nacional como energia elétrica, transporte, siderurgia e petróleo.

O projeto nacional-desenvolvimentista daquela Era alavancou o desenvolvimento do Estado e do mercado no Brasil, apesar de não ter sido capaz de superar todas as restrições políticas e econômicas que impediam a industrialização pesada. Apesar de não ter logrado converter as elites ao ideário trabalhista da justiça social, pavimentou e consolidou o ideário e a prática desenvolvimentistas no Brasil, deixando efeitos de longo prazo para a modernização nacional e um legado para todos aqueles que se preocupam com o desenvolvimento do país.

Vale destacar: por um longo período a hegemonia neoliberal converteu o debate sobre o desenvolvimento econômico em uma discussão amesquinhada sobre política macroeconômica. As questões sobre política cambial, monetária e fiscal ofuscaram perguntas mais importantes e decisivas para o desenvolvimento e a soberania nacional, por exemplo, sobre a modernização do Estado, a superação da dependência financeira e tecnológica, a importância de políticas de infraestrutura, setoriais e sociais, a promoção da distribuição de renda e a inclusão das camadas populares nos mercados de trabalho e consumo. Foram precisamente essas as questões colocadas e enfrentadas por Getúlio Vargas, como fica claro ao longo das páginas do livro.

Sendo assim, em tempos de revanchismo neoliberal, a leitura de A Era Vargas nos põe a pensar sobre a ousadia e a imaginação que vigoraram no país durante o período desenvolvimentista.

Resenha:
BASTOS, Pedro Paulo Zahluth e FONSECA, Pedro Cesar Dutra (orgs.). A Era Vargas: desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.

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