Há exatos quarenta anos, entre os dias 2 e 5 de novembro de 1978, o I Congresso Nacional pela Anistia, no Tuca, em São Paulo, reafirmava “a necessidade imperiosa de uma anistia política, ampla, geral e irrestrita a todas as vítimas dos atos e leis de exceção, rejeitando as proposições de anistia parcial e de revisão de processos, que pretenderiam excluir do alcance da anistia os que participaram de movimentos armados contra o regime militar”. O mesmo congresso recusava ainda o ponto de vista de uma anistia ‘recíproca’, por julgar “inteiramente imprópria, sem precedentes e extemporânea a utilização do instituto da anistia para quem não fora identificado oficialmente, não sofrera qualquer sanção punitiva, não fora condenado, nem mesmo julgado”. Por fim, as deliberações do encontro consideravam que “toda nação deveria tomar conhecimento dos crimes cometidos contra os direitos humanos e identificar seus responsáveis, para que pudesse repeli-los, num quadro de respeito aos direitos inalienáveis”.

A campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita, que teve suas fases mais intensas em 1978 e 1979, foi um dos momentos mais significativos da luta pela democracia e contra a ditadura, fruto de uma frente política e social que mobilizou o conjunto dos movimentos sociais e dos setores da oposição. Por seu caráter humanitário e político, sensibilizou amplamente a população e teve repercussão internacional. Mesmo sem ter alcançado totalmente seus objetivos, a votação da Lei da Anistia, em agosto de 1979, representou uma grande vitória das forças democráticas sobre o regime.

A luta pelo perdão começou tão logo os militares anunciaram as primeiras perseguições aos adversários do golpe – uma lista com uma centena de cidadãos que tinham os direitos políticos cassados por dez anos, a partir de 9 de abril de 1964. Outras listas de cassações se seguiriam, além de prisões, com ou sem processo, e demissões arbitrárias de servidores civis e militares. Poucos meses depois do golpe, os jornalistas Alceu de Amoroso Lima e Carlos Heitor Cony escreveriam artigos a favor da anistia, uma tradição política que vinha dos tempos do Brasil colonial.

Em 1967, a Frente Ampla – movimento criado pelos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitscheck e pelo ex-governador Carlos Lacerda, todos cassados – defendeu uma “anistia geral” como passo necessário à redemocratização do país. Também os familiares de presos políticos levantaram desde cedo essa bandeira. Em 1968 foi criada a União Brasileira de Mães, posta na ilegalidade em 1969. Em junho de 1971, o grupo dos autênticos do MDB – parlamentares mais combativos na luta contra a ditadura – havia incluído a defesa da anistia aos perseguidos políticos na “Carta de Recife”, aprovada pelo partido.

Num período em que os jornais estavam sob censura (quando não colaboravam ativamente com o regime e a repressão), as denúncias de violação dos direitos humanos pela ditadura tinham mais repercussão no exterior do que dentro do país. Para isso contribuiu a articulação de grupos de exilados, que publicavam boletins e jornais em outros países, e ação corajosa de líderes da igreja católica, dentre os quais se destacou o arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara. Em maio de 1970, ele denunciou a prática de torturas no Brasil para uma plateia de dez mil pessoas.

A ditadura tratava essas denúncias como “campanha para denegrir a imagem do Brasil no exterior”. A simples menção ao nome de dom Helder foi proibida nos jornais brasileiros. Mas a causa da anistia e da investigação do “desaparecimento” de presos políticos avançava, na medida em que tortura e assassinato se tornavam instrumentos oficiais da repressão política.

Em setembro de 1973, no famoso discurso de lançamento como anticandidato à Presidência da República, o líder oposicionista Ulysses Guimarães defendeu o “resgate da enorme injustiça que vitimou, sem defesa, tantos brasileiros paladinos do bem público e da causa democrática”. “Essa Justiça”, afirmou o presidente do MDB, “é pacto de honra de nosso partido e seu nome é anistia”. No Natal de 1974, dom Paulo Evaristo Arns reuniu militantes de diferentes linhas políticas e sugeriu a organização de uma campanha em defesa da anistia.

Mas foi só em 1975 que de fato iniciou-se uma campanha organizada pela anistia, com o surgimento em março do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), na cidade de São Paulo, sob a liderança de Therezinha Zerbini, esposa do general cassado Euryales Zerbini. O movimento ganhou repercussão internacional quando Therezinha participou da 1ª Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU na Cidade do México como parte das comemorações do Ano Internacional da Mulher.

A partir de 1978 começaram a se organizar no país Comitês Brasileiros pela Anistia em vários Estados, reunindo militantes políticos e sociais, além de familiares de presos políticos e exilados. Estas organizações, que também se formavam no exterior, articularam-se para impulsionar o movimento. Entre os fundadores do CBA, estava o general Peri Bevilacqua, ex-ministro do Superior Tribunal Militar, cassado em 1969 pelo AI-5, que se notabilizou por denunciar as arbitrariedades do aparelho de repressão.

O 1º Congresso Nacional pela Anistia, realizado em novembro de 1978, em São Paulo, deixou explícita a proposta defendida pelo movimento. A anistia deveria ser ampla, geral e irrestrita; não poderia ser confundida com perdão ou esquecimento dos crimes praticados pela ditadura; e buscaria o esclarecimento desses crimes, com a responsabilização dos culpados. Ao mesmo tempo, deveriam ser reintegradas às suas funções as pessoas que haviam sido afastadas arbitrariamente de seus cargos.

O fotógrafo Juca Martins documentou esse momento histórico de nossa história, e graças ao trabalho do Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Perseu Abramo, esse material está preservado, higienizado e digitalizado para pesquisa. Acesse o acervo para saber mais.

Este texto é uma produção do Memorial da Democracia, o museu virtual do Instituto Lula dedicado às lutas democráticas do povo brasileiro. O Memorial possui um capítulo especial todo dedicado à campanha pela Anistia.

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