Para incomodar o sono dos injustos: ‘Olhos D’Água’
Em agosto de 2018, a Academia Brasileira de Letras (ABL) desapontou o movimento negro e feminista ao não escolher a escritora mineira negra Conceição Evaristo para ocupar a cadeira de número 7 da instituição, vaga desde abril com o falecimento do cineasta Nelson Pereira dos Santos. Nunca uma mulher negra fez parte da ABL, que é composta majoritariamente por homens brancos.
A campanha dos movimentos negro e feminista juntou 25 mil assinaturas em uma petição virtual para pressionar a ABL e a hashtag #ConceicaoEvaristonaABL orbitou nas redes sociais nos últimos meses. Conceição Evaristo foi autora dos romances Ponciá Vicêncio e Becos da Memória, assim como dos contos Insubmissas lágrimas de mulheres, Olhos d’água e Histórias de leves enganos e parecenças.
Entre as obras de Conceição Evaristo destaca-se Olhos d’água. Publicado em 2014, pela Editora Pallas, o livro ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Contos em 2015. A publicação é composta por quinze contos que retratam a realidade de mulheres e homens negros que residem na periferia de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Alguns dos títulos que compõe Olhos d’água foram elaborados a partir do nome e sobrenome de seus protagonistas, tais como: Ana Davenga; Duzu-Querença; Maria; Luamanda; Di Lixão; e Lumbiá.
Os escritos abordam temáticas como a desigualdade social, racismo, violência, pobreza, periferia, realidade de mulheres negras, recordações da infância e resgate da cultura africana. A autora inicia o livro explicando o termo escrevivência utilizado nos contos, que parte da vivência da experiência narrada e da relação realidade-ficção do cotidiano das mulheres negra e torna-se um conceito de resistência conforme mencionado por Conceição Evaristo: “A nossa escrevivência não pode ser lida como história de ninar os da casa-grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”.
Ao ler Olhos d’água, chama a atenção para o conto nomeado Ana Davenga, que relata a história de Ana, uma mulher negra, em situação de pobreza e que está grávida sem ter planejado. Ela é amante de Davenga, um homem violento e líder da favela onde reside. O conto mostra a realidade das comunidades cariocas e termina com o assassinato da protagonista Ana pela polícia no momento que pretendia prender seu amante Davenga. Pobreza, gravidez indesejada, relação de poder e violência contra as mulheres são os ingredientes dessa história que relata os riscos do cotidiano da população vulnerável nas favelas brasileiras.