Não foram poucos e nem pequenos, os resultados alcançados pelo desenvolvimento com inclusão social durante os governos Lula e Dilma. A economia brasileira voltou a crescer a taxas significativas entre 2004 e 2013, um período relativamente longo, em sucessão ao desempenho medíocre dos últimos vinte anos do século 20. O dado mais eloquente para traduzir esta trajetória é o do PIB per capita: entre 1980 e 2003 ele cresce apenas 6% — uma taxa anual de 0,02% -, contrastando com o aumento de 30% entre 2004 e 2013, um incremento anual de 2,6%. Ademais, as reduções da desigualdade social e da pobreza, associadas à ampliação da mobilidade social, conferem a este período histórico um caráter original.

A melhoria dos indicadores sociais foi significativa. A título de ilustração, cabe destacar a redução do altíssimo coeficiente de Gini, que mede a desigualdade no país e havia permanecido em torno de 0,60 por mais de duas décadas, durante os anos 2000, chegando a valores próximos de 0,50 em 2014. A taxa de pobreza, constante ao redor de 35% em todos os anos 1990, mostra uma trajetória fortemente declinante após 2003, alcançando o percentual de 13% em 2014. Por trás desses percentuais há milhões de pessoas: cerca de 45 milhões, que deixaram a pobreza e ascenderam para os estratos da classe trabalhadora e da baixa classe média realizando o grande desiderato do programa do PT, a ampliação do consumo das massas.

Se fosse imperativo sublinhar o principal aspecto da inclusão social, este seria, sem dúvida, a mobilidade social, involucrada nos ganhos de renda e na transformação dos padrões de consumo.

Houve avanços e também obstáculos difíceis de transpor, destacando-se aqui a não transformação da estrutura produtiva e do emprego e a permanência, a despeito da melhora, de uma elevada concentração da distribuição funcional da renda, sobretudo pela capacidade dos grupos mais ricos da população em resistir à maior tributação de seus rendimentos. Esses óbices, somados a restrições estruturais, terminaram por levar à desaceleração do crescimento e à crise subsequente, embora esta última, dada a sua profundidade e caráter multidimensional, não possa ser creditada exclusivamente a fatores econômicos.

À luz desses fatos históricos e de outros menores reportados adiante, este texto procura analisar os avanços e obstáculos do desenvolvimento brasileiro, com o intuito de indicar possíveis soluções para construção de uma proposta de desenvolvimento para o Brasil de amanhã. Com o objetivo de formular alternativas, estas propostas não se atêm apenas às heranças positivas do período de crescimento com inclusão social, mas consideram a herança deletéria do desmonte realizado pelo Governo Temer, pois é também delas, e das restrições que impõem, que se terá de partir.

O pano de fundo sobre o qual se levou a cabo o crescimento com inclusão social foi o de economias desenvolvidas crescentemente financeirizadas e globalizadas. Enfatizar este marco é importante para compreender a natureza e intensidade dos obstáculos ao desenvolvimento de uma economia periférica, como a brasileira. A financeirização e a integração da economia brasileira, via abertura financeira, bem como a globalização produtiva e a integração nas cadeias globais de valor, criaram importantes constrangimentos ao desenvolvimento brasileiro. Comparativamente a outros períodos históricos, como o do regime de Bretton Woods, as restrições se colocam de maneira mais intensa, mas não de forma absoluta. Aliás elas não devem ser consideradas como um condicionante externo isoladamente, mas sobretudo, na sua articulação com estruturas e processos domésticos.

1. Avanços e obstáculos
A sucessão dos governos liderados pelo PT indica a prevalência de dois modelos de crescimento: nos mandatos de Lula, predomina o modelo comandado pelo binômio consumo + investimento induzido. No primeiro mandato Dilma, agrega-se ao binômio anterior, a tentativa de ampliar o investimento autônomo, com maior indução e participação estatal, concentrado nos setores mais intensivos em capital ou tecnologia.

Desses padrões, tanto do seu sucesso quanto dos limites estruturais ou de política econômica, emergem algumas restrições comuns aos dois períodos, embora com matizes diferentes em cada um deles. Esses avanços e obstáculos podem ser identificados como:

a melhoria da distribuição da renda e as restrições ao seu aprofundamento;

a ampliação do crédito e os limites à sua elasticidade;

o papel do Estado via investimento público e financiamento;

o novo padrão de concorrência global e a desindustrialização;

a abertura financeira e seus condicionantes à gestão macroeconômica.

1.1. A distribuição da renda

Há dois fatores essenciais na explicação da melhoria da distribuição da renda no período 2003/2014: os ganhos salariais advindos das negociações coletivas e os aumentos do salário mínimo decorrentes de decisões políticas. Soma-se a eles a ampliação do gasto público social.

Há, portanto, duas dimensões, na melhoria da distribuição da renda: a relativa à desconcentração dos rendimentos do trabalho, e que se manifesta na queda do índice de Gini, e a funcional, atinente aos ganhos de participação das rendas do trabalho na renda nacional, com a colaboração do gasto social. De acordo com Calixtre e Fagnani (2017), estes fatores aumentam de cerca de 4 p.p. a participação dos rendimentos do trabalho no PIB, para aproximadamente 45% do total em 2010, estabilizando-se neste patamar até 2014.

No que tange aos ganhos salariais, além dos aumentos reais serem expressivos tanto para o salário médio quanto para o salário mínimo, a maior velocidade deste último indica o encurtamento do leque salarial e a melhoria da distribuição no âmbito da massa salarial. Segundo Baltar et al (2017), entre 2003 e 2008, a estrutura de ocupações não muda significativamente, mas a dispersão salarial se reduz de maneira notável, caracterizando uma melhora na distribuição da renda dos assalariados sem transformação estrutural significativa no emprego. Este mesmo padrão se intensifica entre 2008 e 2013, pois os setores de maior produtividade, como a indústria, têm o seu peso no emprego reduzido ao mesmo tempo em que a dispersão continua caindo, mesmo que a uma velocidade menor.

As indicações são de que a redução das desigualdades por meio do encolhimento do leque salarial esbarrou em limites da própria estrutura produtiva, ou seja, reduzir a desigualdade dessa forma, quando os setores que se expandem mais rapidamente não são os de maior produtividade, pode levar ao acirramento do conflito distributivo, mormente em períodos de desaceleração da economia como observado após 2010. Por sua vez, mesmo que o crescimento tivesse sido preservado, os impactos distributivos do salário mínimo seriam atenuados em razão da elevada relação salário mínimo/salário médio então alcançada, que passa de cerca de 25% em 2002 para 40% após 2010.

Ademais, com a instituição da lei de valorização do salário mínimo no início de 2011 que estabeleceu a regra de aumento vinculado ao crescimento do PIB, o período dos grandes acréscimos reais foi encerrado, mantendo-se os ganhos, mas a ritmo mais lento. Isto significa que o aumento do salário mínimo continuará a ser um instrumento importante da melhoria da distribuição, mas fatalmente, cederá o passo às mudanças relativas ao gasto público e à tributação.

Dados calculados por Calixtre e Fagnani (2017), mostram que da melhoria do Gini observada entre 2002 e 2012, 47% decorreu do mercado de trabalho, 39% das transferências públicas às famílias e 13% de outros fatores.

Um fator importante, mas secundário de redução nas desigualdades foi portanto, o gasto social. Aliás, em países avançados as melhorias na distribuição da renda ocorreram mais pela via do estado do bem-estar social, com aumento da progressividade na tributação e do gasto, e na ampliação da oferta de bens públicos, do que propriamente por mudanças no mercado de trabalho.

No caso brasileiro, as transferências, em sentido estrito, e os gastos sociais, em sentido amplo, jogaram um papel importante na melhoria da distribuição da renda. Conforme assinalado por Dweck e Teixeira (2017), a despeito da estrutura de tributação regressiva, o gasto social mais que compensa esta desvantagem e promove a melhoria da distribuição. Este gasto passa de 12,4% do PIB em 2003 para 15,3% do PIB em 2014 e está em larga medida concentrado em transferências às famílias.

Assim, a questão crucial é a do financiamento dos gastos crescentes por uma carga tributária crescente e regressiva.

De acordo com Ribeiro, Luchiezi & Mendonça (2011), a estrutura da tributação pouco se alterou nos anos 2000. A incidência da carga tributária é tão mais alta quanto menor é a renda. Ou seja, como os ricos pagam proporcionalmente menos impostos, o financiamento dos gastos sociais vem desproporcionalmente das camadas médias e populares.

Desse ponto de vista, melhorar a distribuição de renda por esta via encontra limites óbvios além de aguçar o conflito distributivo, pois desenvolve-se em parcelas das camadas médias da população a convicção de que as políticas distributivas se fazem em seu desfavor.

Em conclusão, mudar tanto o gasto público quanto, principalmente, a tributação, reduzindo a regressividade de ambos, é requisito essencial para melhorar a distribuição da renda.

1.2. A elasticidade do crédito

No papel essencial desempenhado pelo consumo no ciclo de crescimento 2003/2010, o crédito foi o fator preponderante. Um exemplo numérico ilustra a afirmação anterior: entre 2003 e 2014, a participação dos salários no PIB amplia-se em cerca de 4 pontos percentuais e o gasto social amplia-se em 3 pontos percentuais. No mesmo período, a participação do crédito às famílias no PIB, passa de 9% para 21% — ou seja, aumento três vezes maior do que a participação dos salários e quatro vezes mais do que a do gasto social. E esse diferencial foi ainda maior nos primeiros anos do modelo.

Isto posto, cabe considerar os limites da ampliação do crédito, tanto da ótica da demanda (crescimento da renda disponível, patamar de taxas de juros e endividamento das famílias) quanto da oferta (exposição dos bancos ao risco).

No primeiro caso, o alto patamar das taxas de juros exerce muito claramente um efeito atenuador da expansão, na medida em que, para níveis relativamente baixos de endividamento, o comprometimento da renda com o pagamento de seu serviço mostra-se proporcionalmente alto. De acordo com dados do Banco Central, o endividamento das famílias como porcentagem da renda acumulada em doze meses passa de 15% no início de 2004 para 45% no início de 2014, quando se estabiliza. O maior aumento ocorre entre o início de 2004 e de 2011, quando atinge o valor de 40%. Neste mesmo período o comprometimento da renda com o serviço da dívida cresce de 12,5% para 20%.

No que tange à oferta de crédito, foi necessário contar com um papel decisivo dos bancos públicos para dar maior elasticidade ao ciclo de crédito, devido à retração do sistema privado com a crise de 2008. Assim, o crédito total desacelera após 2009, puxado pela estabilização do crédito livre, ao mesmo tempo em que o crédito direcionado exerce um papel anticíclico. Ao final de 2010 a expansão do crédito com recurso livres já se havia reduzido substancialmente, cabendo a partir daí um papel crucial ao crédito direcionado e ao sistema público. A retração do sistema bancário privado ocorre por razões relativas à avaliação de risco fundada no já elevado endividamento das famílias. Assim, o sistema público é chamado a exercer uma função anticíclica circunstancial, mas que termina por se converter em permanente.

A elevada aversão ao risco do sistema bancário privado brasileiro, bem como os altos spreads praticados na concessão de financiamentos, lança luzes sobre uma restrição significativa na ampliação do crédito no Brasil, mesmo aqueles de prazo mais curto.

Ilustra bem esta restrição o episódio denominado de batalha dos spreads, ocorrida durante o Governo Dilma, no qual, diante da queda dos juros básicos da economia (SELIC), ocorreu a tentativa de limitar as margens do sistema bancário privado por meio de instrumentos variados — inclusive a ampliação do crédito do sistema público — para forçá-lo a não ampliar os spreads.

Na prática o que ocorreu foi a substituição do sistema privado pelo público, com perda significativa de market share do primeiro. Esta solução para manter a elasticidade do crédito às famílias foi eficaz, mas trouxe evidentes conflitos políticos.

A pergunta que fica é até que ponto, a substituição do sistema privado pelo público pode ser uma solução permanente? Ou seja, como ficou claro no ciclo recente, além do sistema bancário privado administrar preços/spreads, na fase expansiva, a sua postura de aversão ao risco nas fases de desaceleração é muito intensa. Tudo indica, portanto, que a negociação de uma divisão do trabalho entre bancos públicos e privados varejistas será necessária, para dar maior elasticidade ao crédito.

1.3. O papel do Estado: investimento público e financiamento.

Transitar de um modelo de crescimento comandado pelo binômio (consumo + investimento induzido) para outro no qual o investimento autônomo soma-se a estes dois componentes tem implicações significativas sobre o papel do Estado, tanto no que tange à sua sinergia e indução do setor privado — por meio dos investimentos públicos — quanto pela oferta de financiamento de longo prazo em volumes e taxas adequados.

Em outras palavras, o investimento autônomo em setores mais intensivos em capital e tecnologia, involucra riscos mais elevados, o que torna a ação do Estado crucial na sua mitigação.

Na discussão do papel do investimento público, estrito senso, se coloca claramente uma discussão de fundo: o Estado brasileiro contemporâneo tem os instrumentos, empresas públicas e capacidade de planejamento e execução na administração direta suficientes para comandar diretamente a elevação da taxa de investimento da economia e também induzir o investimento do setor privado? Os dados disponíveis, indicam que não.

Nos anos 1960, e sobretudo na década de 1970, o investimento público atingiu o seu auge por meio das empresas estatais. São constituídas e ampliadas as grandes holdings do Setor Produtivo Estatal — Petrobras, Eletrobras, Siderbras, CVRD, Setor Portuário, Setor Ferroviário, Itaipu Binacional — que elevam a taxa de investimento e o crescimento do PIB para patamares inusitados. Nestes anos, o setor público, lato senso, chega a ser responsável por 40% do total do investimento, um valor próximo a 10% do PIB, e as estatais, por montantes entre 5% e 6% do PIB.

Na segunda metade dos anos 1970, assiste-se ao último grande esforço de diversificação da matriz industrial brasileira com o II PND (2º Plano Nacional de Desenvolvimento). A partir de então, tanto na década perdida, quanto nos anos 1990, das reformas liberais, a desaceleração é muito significativa e as taxas de investimento e crescimento muito baixas. Cabe aqui lembrar o significativo processo de privatizações que está por trás do declínio acentuado do investimento do Setor Produtivo Estatal. Com elas, a economia brasileira perdeu um importante instrumento de planejamento, coordenação e de indução do investimento privado.

O quadro anterior só se modifica a partir dos governos Lula e Dilma. Não só a taxa de investimento total vai progressivamente aumentando como também a do investimento público. Mas cabe notar que esse avanço tem como limitação o seu ponto de partida, pois no período neoliberal, entre 1994 e 2002, este último havia caído, em média, para apenas 15% do investimento total, algo como 3% do PIB.

Durante os oito anos do governo Lula ocorre uma recuperação tanto do investimento da administração pública quanto das estatais: sua média vai para 4% do PIB entre 2007 e 2010 e no final do período chega a quase 5% do PIB. A despeito de relevantes, esses números não se comparam, nem de longe, com os valores observados nas décadas desenvolvimentistas. Ademais, há uma diferença qualitativa essencial na sua composição: o peso das estatais é muito menor: 25% do total em 1975/79, contra 10% entre 2007 e 2010.

Chegamos assim ao governo Dilma e ao ensaio desenvolvimentista desses anos, com o investimento público pouco funcional para alavancar o crescimento e o investimento privado. Além do patamar razoavelmente baixo, que tira potência do efeito demanda agregada, o essencial é o ainda pequeno valor absoluto e relativo do investimento das empresas estatais, concentrado em apenas dois grupos: Petrobras e Eletrobras, dos quais só o primeiro tem relevância quantitativa. Ademais, seu valor permanece estagnado no governo Dilma, contrastando com as novas tarefas que se impunham ao investimento público. Em resumo, tanto o patamar quanto a abrangência do investimento público, na atualidade, não foram suficientes para dar suporte a um projeto desenvolvimentista de maior fôlego.

Outro aspecto decisivo da atuação do Estado diz respeito ao financiamento, tanto de seus investimentos quanto dos das empresas privadas. Historicamente, a incapacidade do setor privado doméstico em desenvolver instituições e instrumentos para financiar o desenvolvimento levou a que o Estado tomasse ao seu encargo essa tarefa, sob pena de aprofundar a dependência dos créditos externos, ou de se criar um bloqueio ao crescimento.

Durante os governos Lula e Dilma, o papel dos bancos públicos e do crédito direcionado foi substancialmente ampliado, especialmente após 2007. Neste último ano, esta forma de crédito representava 10% do PIB, crescendo desde então até atingir o patamar de 25% do PIB em 2015. O caso emblemático é o do BNDES, dada a sua relevância no financiamento de longo prazo para o setor corporativo. Sua participação no estoque de crédito passa de uma média de 5,5% do PIB no primeiro governo Lula, para 7,5% do PIB no segundo mandato e 10,2% do PIB, no primeiro governo Dilma.

Em princípio, os dados relativos ao financiamento de longo prazo por meio do setor público indicariam tanto a sua adequação quanto a sua suficiência. Porém, as considerações sobre a forma pela qual se fez o funding para o crédito direcionado, em particular para o BNDES, realçam algumas limitações importantes.

As fontes primárias do funding do crédito direcionado são as exigibilidades sobre os passivos bancários ou os fundos de poupança para-fiscal como o PIS-PASEP ou o FGTS. Se a demanda se acelera, a ampliação dos financiamentos precisa lançar mão de aportes do Tesouro, exigindo, portanto, a emissão de dívida pública.

A título de exemplo, entre 2008 e 2014, o Tesouro aportou ao BNDES aproximadamente R$ 400 bilhões, cerca de 10% do PIB médio do período. O custo fiscal direto deste aporte dado pelo diferencial de taxas de captação (SELIC)e aplicação (TJLP) foi crescente e chegou próximo a 1% do PIB em 2016.

Mesmo considerando que o custo fiscal dos empréstimos está superestimado, pois não deduz a transferência de lucros e dividendos ao Tesouro, o que vale aliás para qualquer atividade empresarial pública, os dados sugerem importantes restrições à ampliação do financiamento público.

A primeira é puramente econômica e vem da relação entre taxa de juros básica da economia, definida como a taxa à qual o Tesouro se financia, e o crescimento do PIB. Como a primeira tem sido recorrentemente superior à segunda, o financiamento dos aportes a bancos e empresas públicas impactam negativamente a dívida ou exigem aumento de superávits primários para estabilizar a relação dívida/PIB.

A segunda restrição, diz respeito à divisão de tarefas entre sistema público e privado. Se a taxa de juros cair abaixo do crescimento do PIB, o Tesouro pode financiar bancos e empresas públicas sem impactar a relação dívida/PIB. Nesse caso o que estaria em jogo seria o tamanho relativo de cada segmento e as suas tarefas. Numa economia com o grau de abertura financeira atual e, portanto, com elevada volatilidade de variáveis-chave com taxas de juros e de câmbio não seria recomendável que o sistema público concentrasse exclusivamente os riscos do financiamento de longo prazo. Por sua vez, a queda e estabilidade da taxa de juros básica da economia seria uma condição necessária para envolver o setor privado nesta modalidade de financiamento, pelo menos nas de prazo mais curto.

1.4. A desindustrialização e o novo padrão de concorrência global

O maior obstáculo para avançar num processo de transformação estrutural da economia durante os governos liderados pelo PT foi, sem dúvida, aquele relativo à trajetória da indústria e, mais precisamente, à desindustrialização.

Os dados a este respeito são inequívocos. A indústria brasileira, que já havia sido vítima de uma especialização regressiva nos anos 1990, com concentração nos setores intensivos em recursos naturais, assiste, a partir de meados dos anos 2000, uma nova onda de desindustrialização. Esta perda de participação da indústria brasileira não ocorre somente no plano doméstico. De acordo com Sarti e Hiratuka (2017), a participação das exportações brasileiras de manufaturados no comércio internacional cai de 0,82% para 0,59% entre 2004 e 2014. De modo assimétrico e bastante revelador dos efeitos negativos sobre a estrutura produtiva interna, a participação das importações de manufaturados cresce de 0,64% para 1,82% das importações globais.

Esta regressão da indústria brasileira está associada a um conjunto de fatores, alguns dos quais determinados por movimentos no plano internacional como, por exemplo, o novo padrão de concorrência e localização da indústria. Outros fatores foram domésticos, com destaque para a recorrente apreciação da moeda nacional que anulou em parte os efeitos do crescimento e das políticas industriais postas em prática durante os Governos Lula e Dilma.

De uma perspectiva mais geral cabe ressaltar que a forma de industrialização predominante da periferia capitalista, pelo menos desde os anos 1990, foi por meio das chamadas Cadeias Globais de Valor, que correspondem ao fracionamento das cadeias produtivas dos processos discretos de produção. Com a especialização no core business, as empresas dos países centrais exportaram em grande escala, os segmentos da produção mais intensivos em salários para a periferia do sistema. Isto beneficiou, principalmente, os países nos quais o custo salarial era mais reduzido, como os da Ásia em desenvolvimento, e menos os países de renda média, como o Brasil.

Cabe também referir que a constituição e operação das cadeias de valor não têm apenas um significado produtivo. Como analisado por Vitali, Glatterfeld e Batiston (2011), as cadeias constituem uma centralização do capital à escala global e, portanto, uma concentração do poder de decisão sobre variáveis estratégicas como investimento, pesquisa, inovação nos países de origem das empresas ou nos controladores. Ademais, como ressaltam Nolan, Zhang & Liu (2007), os oligopólios globais se reforçaram também nos elos intermediários das cadeias e não apenas no seu núcleo. Associada a estes processos observa-se uma intensificação da concorrência via preços, criando obstáculos adicionais à indústria em países como o Brasil. Por fim, mas não por último, a crise de 2008 explicitou a existência de capacidade ociosa disseminada tanto em setores quanto em regiões, levando a um agravamento das condições de operação, sobretudo à intensificação da concorrência.

Como já foi assinalado, a valorização do real contribuiu para o padrão observado na indústria via a configuração de preços relativos desfavoráveis à produção doméstica, ou seja, encarecimento de exportações e barateamento de importações. Durante os governos liderados pelo PT observa-se o maior período de tempo no qual a taxa de câmbio real efetiva sofreu uma apreciação contínua, cerca de 50% no período de oito anos, entre 2003 e 2010. O impacto dessa apreciação foi, certamente o de amplificar o processo de desindustrialização por meio da desestruturação das cadeias de produção pré-existentes.

Há dois efeitos distintos provocados pela desindustrialização. O primeiro deles é cíclico e diz respeito ao vazamento para o exterior da demanda por máquinas e equipamentos durante a fase de aceleração, retirando dinamismo do crescimento doméstico. O segundo é estrutural e refere-se ao menor dinamismo da produtividade e composição do emprego. No que tange ao primeiro caso há ampla literatura, contrária à ortodoxia liberal, demonstrando que, em economias de renda média, é a indústria, e não os serviços ou agronegócios, o principal caminho para aumentar a produtividade. Por sua vez, somente ela é capaz de gerar postos de trabalho de melhor remuneração em grande escala, fator que é ainda mais importante para o caso brasileiro, país de grande população.

1.5. Abertura financeira e gestão macroeconômica

Desde finais dos anos 1980, o Brasil realizou um amplo movimento de integração financeira à economia globalizada por meio de uma abertura crescente da sua conta de capital. Isto foi feito em dois sentidos: tanto do ponto de vista da recepção de vários tipos de capitais quanto da permissão para que residentes se tornassem investidores fora do país. Dada a posição que ocupa na hierarquia monetária e financeira internacional, essa integração financeira levou a que o Brasil perdesse, em grande medida, a autonomia na condução da sua política macroeconômica sujeitando-se às vicissitudes do ciclo de liquidez global engendrado nos países centrais e, em particular, no país emissor da moeda reserva global, os EUA.

Esta perda de autonomia da política macroeconômica foi acentuada a partir de 2008 com a peculiar resposta dos países desenvolvidos à crise por meio da política monetária não convencional. Esta política modificou não só a intensidade dos fluxos de capitais entre os países desenvolvidos como, do ponto de vista dos periféricos, a sua natureza. Ou seja, o ciclo de liquidez ampliou os fluxos de capitais mais especulativos que buscavam contornar a baixa significativa das taxas de juros nos países centrais.

De uma perspectiva mais geral, pode-se afirmar que nos fluxos direcionados à periferia os motivos de diversificação permanente de portfólio perderam ainda mais espaço, para as operações de maior volatilidade (carry trade).A perda de autonomia tem várias implicações, mormente sobre o patamar e volatilidade das taxas de juros e câmbio, com consequências adicionais sobre a gestão da política fiscal. O montante líquido de capitais que entram ou remanescem nas economias periféricas depende da atratividade relativa dos papéis oferecidos. Assim, dado o risco que essas economias encerram vis a vis as economias centrais, o diferencial é sempre significativo e às vezes muito elevado. De alguma maneira, os prêmios exigidos dependem das condições domésticas, como a situação fiscal, lato senso, mas sobretudo, da posição do ciclo de liquidez, ou seja, da política macroeconômica nos países centrais e da percepção de risco dos agentes relevantes.

Para defender a ampliação do espaço para a política macroeconômica doméstica, os governos liderados pelo PT fizeram a opção pela acumulação de montante significativo de reservas internacionais. Esta ampliação das reservas equivale a um seguro contra as bruscas oscilações dos mercados internacionais e domésticos, evitando a manifestação de crises agudas expressas no overshooting das taxas de juros e de câmbio. Assim, o marco regulatório não foi alterado, mantendo-se um grau de abertura excessivo, exceto em um momento particular do governo Dilma, no qual se ampliou a regulação do mercado de câmbio.

Portanto, embora a compra de reservas tenha sido um passo importante para evitar crises agudas e a dependência de instituições multilaterais comandadas pelo G-7, como o FMI, elas não equacionaram um problema crucial: o do patamar e volatilidade das taxas de câmbio e juros. Ademais, possuem custo fiscal elevado.

A política monetária e cambial posta em prática no governo Dilma ilustra à sociedade os constrangimentos impostos à gestão macroeconômica pelas aberturas da economia brasileira, em particular, a financeira. O padrão de gestão denominado de Nova Matriz Econômica foi sistematicamente criticado pelo establishment porque se caracterizaria por um excesso de intervenção nos mercados e desrespeito aos fundamentos para a fixação de taxas de juros e câmbio.

No caso dos juros, afirma-se que as taxas foram mantidas artificialmente baixas. Todavia, de acordo com dados calculados pelo Cemec (2017), observa-se que durante todo o período considerado, a fixação da meta Selic respeitou o limite dado pela equação da paridade descoberta da taxa de juros. Assim, em nenhum momento a taxa de juros real em moeda nacional esteve abaixo da taxa de juros real dos títulos soberanos brasileiros equivalentes em dólar. Como seria de esperar, a primeira esteve sempre cerca de dois pontos percentuais acima para compensar a volatilidade cambial típica de moedas inconversíveis. Ou seja, a redução da taxa interna ocorreu em razão do espaço aberto pela queda da taxa externa, reflexo do ciclo de liquidez favorável.

Por sua vez, no documento onde analisa a taxa de juros real doméstica durante desinflações, Bacen (2017), fica evidente que o Banco Central não se afastou da ortodoxia na fixação dos juros, evidenciando-se uma forte correlação entre a taxa real

observada e aquela esperada pelo mercado após 2011.
Na avaliação da política de juros do governo Dilma é possível descartar visões mais simplistas e extremas que, ou negam seu caráter relevante, ou pretendem que desrespeitou os fundamentos. De fato, tanto a política de juros quanto a de spreads “cutucaram onças com varas curtas” contrariando interesses de rentistas de vários matizes — desde os grandes investidores, até os remediados da classe média –, dos grandes bancos privados e dos grandes empresários produtivos cujas empresas tinham, nas aplicações financeiras, uma fonte importante de lucros.

Outra dimensão crucial da política macroeconômica posta em prática no governo Dilma foi a da administração da taxa de câmbio. Vimos acima que a crescente abertura financeira da economia brasileira associada à piora da qualidade dos passivos externos após a crise de 2008 engendrou uma maior volatilidade potencial da taxa de câmbio. A política de regulação dos fluxos de capitais, analisada por Carneiro e Rossi (2014), realizada em 2011 e 2012 e posteriormente relaxada, foi exitosa em diminuir esta volatilidade e assegurar a desvalorização do real de forma muito significativa, em torno de 20%, medida pela taxa real efetiva.

Os interesses que se opuseram à desvalorização do real, no governo Dilma, foram variados e podem ser classificados em gerais e específicos. No primeiro grupo está o setor produtivo, com elevado coeficiente importado. Os consumidores, em geral, também possuíam razões para se opor à desvalorização. Nesse caso, além da oposição difusa ante o aumento da inflação, pode-se identificar grupos, sobretudo da classe média- maior consumidora de bens e serviços importados, inclusive viagens internacionais — cujos interesses eram mais contrariados. Por fim, os bancos e investidores externos que perdiam, com a redução da volatilidade, uma fonte importante de lucros nos seus vários mercados, oriunda de operações de arbitragem com a taxa de câmbio.

A combinação entre financeirização da economia global e abertura financeira da economia brasileira criou importantes constrangimentos para a operação desta última. Taxas de juros e câmbio “fora do lugar” e, ademais, voláteis constituíram um desincentivo à acumulação produtiva. A despeito disto, este processo, por perdurar por um longo período, gerou uma adaptação perversa do setor privado, tanto das famílias, quanto das empresas, tornando mais difícil a mudança de sua orientação.

Os constrangimentos para a política fiscal vêm de um duplo determinante: primeiro, do perfil do regime fiscal e de sua reação ao ciclo com a pró-ciclicidade das receitas e anti-ciclicidade das despesas. Em segundo lugar, dos termos de financiamento da dívida, mediado pela abertura financeira, e muito dependentes da interação entre posição fiscal, e risco país e, do ponto de vista doméstico, pelos constrangimentos impostos pela indexação financeira.

No caso do regime fiscal, a alta elasticidade-PIB das receitas e a folga fiscal resultante induz o aumento das despesas nas fases de crescimento. Nas fases de desaceleração ou retração a alta elasticidade-PIB das receitas combinada com a indexação das despesas reduz rapidamente o saldo primário. Por sua vez, num momento de reversão do crescimento, no qual é necessário assegurar uma política anticíclica, esta alternativa é dificultada pela operação dos mercados e pela abertura financeira.

A deterioração do resultado fiscal primário transmite-se ao risco-país nos mercados internacionais e daí para o binômio taxa de câmbio e juros domésticos. A reação do Banco Central nesses momentos, como aliás ocorreu a partir de 2013, costuma ser pavloviana: elevação dos juros para acompanhar a taxa externa e evitar eventuais fugas de capitais com overshooting da taxa de câmbio. Resultam daí uma piora no custo da dívida e pressão para elevar os superávits primários para equilibrar sua trajetória. A indexação financeira de grande parcela da dívida pública em reais retira ainda mais margem de manobra do Banco

Central na fixação da SELIC.

2. Desmonte e propostas

A análise dos avanços e obstáculos no desenvolvimento econômico com inclusão social dos governos liderados pelo PT, sugere que se considere um conjunto de propostas para superar essas barreiras e avançar num novo modelo. Deve-se ressaltar que os óbices que se interpuseram à transformação produtiva e social, sejam eles em razão do próprio sucesso do modelo antigo, de determinantes estruturais ou de omissões da política econômica, não devem ser considerados como absolutos. Eles vão exigir combinações de política econômica variadas e com diferentes intensidades ao longo do tempo, no contexto de uma nova estratégia de desenvolvimento.

Para formular propostas é necessário levar em conta que o governo ilegítimo de Michel Temer tem atuado de modo sistemático no desmonte das conquistas e avanços realizados no passado. Sua característica central é a tentativa de reeditar um perfil neoliberal da política econômica, consubstanciado no objetivo primordial de reduzir o papel do Estado na economia. Dadas as suas articulações internacionais, sobretudo com as instituições multilaterais comandadas pelo G-7, suas propostas elencadas no documento, Uma ponte para o futuro, pode ser considerada como uma reedição do Consenso de Washington. Só que na atualidade, após mais de 30 anos de maus resultados na periferia do sistema e de seu questionamento nos países centrais, este ideário de viés neoliberal soa como uma farsa e dificilmente trará dinamismo para a economia e, muito menos, inclusão social.

O conjunto de propostas apresentadas a seguir partem de uma perspectiva diametralmente oposta às da financeirização e auto regulação dos mercados. Seu princípio básico é o do papel crucial do Estado no desenvolvimento econômico, sobretudo nas economias periféricas.

No contexto histórico de economias financeirizadas e globalizadas, o desenvolvimento econômico da periferia exige uma participação decisiva do Estado para superar os obstáculos oriundos da inconversibilidade monetária, do atraso produtivo-tecnológico e das extremas desigualdades sociais.

Revigorar o papel do Estado na vida econômica e social requer a implantação de medidas que viabilizem a sua crescente democratização, para evitar que neste processo se construam experiências autoritárias e corporativistas. Para além do aperfeiçoamento da democracia representativa é necessário aprofundar a democracia participativa. Desse ponto de vista, o papel dos conselhos, associações e formas diretas de representação, bem como o seu diálogo com o aparelho de estado é crucial e complementar à democracia representativa.

Não seria inconveniente que uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil partisse dos princípios econômicos mais gerais da social-democracia e os atualizasse à luz das transformações históricas recentes e da nossa condição periférica. Esses princípios fundadores da ação da política econômica progressista são: o Estado do bem-estar social e a coordenação pública do investimento. O primeiro visa assegurar um provimento de bens públicos suficiente e de qualidade para a população, bem como uma rede de proteção social adequada por meio da Política Social. O segundo, combinando uma Política Macroeconômica que concilie estabilidade e crescimento, objetiva alcançar o desenvolvimento econômico acelerado com pleno emprego mediante a Política Industrial. Por último, dado o estado de depressão no qual se encontra a economia brasileira, é necessário também propor um Plano Emergencial que permita recuperar de forma imediata o emprego e a renda da maioria da população.

2.1. A Política Social

O Brasil possui um embrião de Estado do bem-estar social tardio, cujas bases foram lançadas na Constituição de 1988. A despeito de tardio, ele avançou nas últimas décadas, sobretudo no que tange à rede de proteção social, na contramão do que ocorreu nos países desenvolvidos nos últimos trinta anos. Isto, a despeito da tentativa de seu desmonte recente, após o golpe institucional. A reforma trabalhista e a lei de terceirização, aprovadas em 2017, e a proposta de reforma da Previdência Social, constituem marcos importantes deste desmonte.

Para consolidar este Estado do bem-estar social, há importantes correções a fazer no desenho da Política Social, tanto na estrutura tributária, quanto no perfil do gasto público.

Quanto à primeira, deve-se partir da constatação que o Brasil possui uma carga tributária expressiva, mas muito mal distribuída. Ou seja, a despeito desta última situar-se em torno de 33% do PIB e representar um número acima da média de muitos países de mesma renda per capita, a sua incidência a torna bastante regressiva. Por sua vez, em decorrência da depressão econômica pós 2015, o patamar da carga tributária caiu significativamente e a sua recuperação para os níveis pré-crise é condição sine qua non para a formulação de propostas e regras fiscais.

No plano estrutural, a concentração em impostos indiretos vis a vis os diretos é a principal deficiência da estrutura tributária a ser corrigida. Por essa razão, uma parcela significativa dos impostos indiretos pode ser paulatinamente substituída pelos diretos, mantendo-se constante a carga tributária. Dentre estes últimos, os principais a serem implantados seriam: a tributação das heranças, a tributação dos dividendos e a criação de alíquotas mais progressivas no imposto de renda das pessoas físicas.

Há questões a resolver também no perfil de gastos públicos, em especial na sua distribuição entre transferências e provimento de bens públicos, como educação e saúde.

Nos últimos anos, a disseminação dos direitos inscritos na Constituição de 1988 combinada com a elevação do salário mínimo levou a um crescimento mais que proporcional das primeiras. Contudo, o aprofundamento do Estado do bem-estar social exigirá o avanço mais rápido dos gastos com Educação e Saúde e, ademais, um tratamento especial para o investimento. A solução estaria num crescimento diferencial dos gastos com provimento de bens públicos — saúde e educação-, vis a vis as transferências. A revisão dos gastos públicos e a realocação daqueles de maior progressividade, contribuiria de forma relevante a esses objetivos. Por sua vez, os investimentos deveriam ser tratados em separado e merecer um orçamento próprio, sujeito a regras e financiamento diferenciados.

Quanto ao principal item das transferências às famílias, a Previdência Social, é necessário reconhecer seus importantes desafios. O primeiro deles advém do envelhecimento da população brasileira; o outro, da precarização das relações de trabalho e da perda de relevância do trabalho assalariado convencional, que deverá ser intensificada caso a Reforma Trabalhista recém aprovada não seja revertida.

As mudanças nas relações de trabalho terão impactos negativos e substanciais no financiamento da Previdência Social. Por essas razões é necessário modificar tanto a sua forma de financiamento quanto a atribuição de benefícios. Por fim, é preciso destacar ainda que dada a relevância da reforma da Previdência, o ideal seria a submissão de sua nova configuração a uma consulta popular em função de seu caráter não emergencial.

Um aspecto não associado à intervenção direta do Estado no campo das políticas sociais diz respeito ao seu papel regulador no que tange às relações de trabalho. A reforma Trabalhista, aprovada em 2017 e já em vigor desde novembro deste ano, terá impactos bastante negativos. De acordo com CESIT (2017), pode-se prever as seguintes consequências sobre o mercado de trabalho: ampliação das formas de contratação mais precárias e atípicas; flexibilização da jornada de trabalho; rebaixamento da remuneração; deterioração das normas de saúde e segurança do trabalho; fragilização sindical e mudanças na negociação coletiva; limitação do acesso à Justiça do Trabalho e limitação do poder da Justiça do Trabalho. Outra consequência crucial do ponto de vista macroeconômico é o provável encolhimento da massa salarial com a redução da sua participação na renda nacional, retirando dinamismo do crescimento, via limitação do consumo.

Duas orientações devem nortear a ação do Estado, ambas na direção de revisar a nova legislação trabalhista: a proteção básica do trabalho, por meio de leis gerais e abrangentes, como contraponto à sua crescente precarização e, a redução progressiva da jornada de trabalho como instrumento de socialização dos ganhos de aumento da produtividade, ambas propostas objeto de intenso debate público em vários países desenvolvidos.

No caso brasileiro, dada a elevada heterogeneidade do mercado de trabalho, é necessário ressaltar a imperiosidade da fixação do salário mínimo pelo Estado e a preservação da atual regra de indexá-lo pelo crescimento do PIB, excetuando-se movimentos cíclicos de contração acentuada deste último, no qual o mínimo seria ajustado por um incremento real equivalente ao crescimento da população .

Para o aprofundamento do Estado de bem-estar no Brasil há que se reconhecer a existência de um conflito distributivo como restrição relevante.

Como apontado acima, isso pode ser resolvido, desde logo com uma carga tributária progressiva e com prioridades que mudem, na margem, a composição entre transferências e gastos com provimento de bens públicos, e a redução da regressividade do gasto.

A despeito desses princípios, o estado de carência social, caracterizado por um ainda baixo patamar de gastos sociais per capita e por reduzidos investimentos públicos em áreas críticas, poderá acirrar o conflito distributivo em outro plano: o da carga tributária.

Por isso, é necessário definir uma regra fiscal estrutural que assegure, ao mesmo tempo, o crescimento per capita dos gastos e a estabilidade, ou o aumento moderado e dirigido ao investimento da participação da carga tributária no PIB. A única regra que pode assegurar isto a longo prazo é a indexação dos gastos pelo crescimento do PIB, com algumas cláusulas de escape para garantir o caráter anticíclico do gasto público. Por fim, a regra proposta exclui o investimento que deve merecer tanto um orçamento particular, quanto forma de financiamento específicas, via impostos vinculados e dívida.

Esta regra se opõe de maneira clara ao teto de gastos com crescimento real zero aprovado pelo congresso neste ano, a Emenda Constitucional 95. Esta última, ao congelar em termos reais os gastos públicos, os diminui em termos per capita e como proporção do PIB, conduzindo a uma redução não desejável do Estado na economia e, principalmente, na Política Social. Por outro lado, ao exacerbar de maneira radical o conflito distributivo no âmbito do orçamento público, a regra é uma forte candidata a ser substituída por outras mais flexíveis.

2.2.A Política Industrial

Sob o tema da coordenação pública do investimento — uma forma genérica de Política Industrial — estão questões como o retorno do planejamento e a criação de um horizonte de médio e longo prazo para a economia e, sobretudo, a viabilização da transformação estrutural na direção do desenvolvimento da indústria intensiva em conhecimento e a modernização da infraestrutura.

Em razão da alta incerteza e dos riscos que permeiam essas transformações, a ação do Estado nesse campo é crucial e deve ser articulada e sinérgica com o setor privado.

Dito de outra maneira, como não estamos numa economia socialista, a tarefa do investimento público, além do provimento dos bens públicos, deve ter um sentido estratégico e se concentrar nos setores de maior risco que envolvem mudanças estruturais, para induzir e dar estabilidade ao investimento privado.

A coordenação pública do investimento ou Política Industrial exige algumas configurações importantes: a existência de um núcleo de empresas estatais dispostas em setores e segmentos estratégicos; a constituição de um orçamento de investimentos públicos, com regras de financiamento e operação distintas do orçamento corrente; o fortalecimento dos bancos públicos, principalmente na função de provimento do crédito de longo prazo; a utilização das compras governamentais e do conteúdo local como instrumentos de estímulo à indústria nascente.

A articulação com o setor privado poderia ser ampliada pela instituição de conselhos consultivos setoriais, compostos por representantes dos agentes do setor público — bancos, empresas, secretarias — pelo setor privado e pela sociedade civil. Ademais, há que se ampliar o sistema nacional de Ciência e Tecnologia e reforçar os mecanismos de coordenação entre o setor público e setor privado.

Do ponto de vista de instrumentos será necessário ampliar e generalizar a experiência exitosa da Embrapa na geração de difusão de inovações apropriadas pelo setor privado. Durante o Governo Dilma avançou-se nesta direção com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Seu principal objetivo é o de promover projetos de inovação a partir da demanda das empresas utilizando uma estrutura descentralizada por meio de centros de pesquisa credenciados.

As medidas em curso do atual governo vão na direção de desconstruir os elementos de coordenação pública da economia via empresas estatais e bancos públicos, visíveis na desestruturação da Petrobras e do BNDES e na privatização da Eletrobras.
No que tange à Petrobras, desde final de 2014, uma série de fatos como a operação Lava Jato, a redução dos preços internacionais, o atraso e o cancelamento dos projetos de investimentos criaram um ambiente extremamente negativo que foi aprofundado por meio de um conjunto de decisões equivocadas. Estas últimas foram ampliadas no Governo Temer e consistiram no abandono de uma visão de longo prazo e na adoção de uma estratégia empresarial similar à de empresas privadas.

Medidas como rápida redução da alavancagem, venda de ativos, foco no core business, i.e. Exploração e Produção, perda de exclusividade de participação na exploração das áreas e mitigação da política de conteúdo nacional estão transformando a Petrobras, progressivamente, numa empresa convencional, centrada na obtenção de resultados de curto prazo para atender ao primado do acionista.

No BNDES, além de mudanças menores na política operacional que reduziram a oferta de crédito no curto prazo e da decisão de devolver recursos emprestados pelo Tesouro que reduzirão a capacidade de empréstimo do banco a médio prazo, a mudança mais relevante foi a troca da taxa de juros incidentes sobre os financiamentos.

Transitar de uma taxa fixa e favorecida, a TJLP, para uma taxa determinada no mercado, a TLP, significa lidar com juros mais altos e voláteis.

Qual pode ser o efeito desta mudança sobre a decisão empresarial de investimento e a demanda por crédito? Em primeiro lugar, excluir projetos de investimento cuja rentabilidade seja inferior à desta nova taxa. Curiosamente, estes mesmos projetos seriam viáveis se financiados nos mercados financeiros internacionais, o que implicará o deslocamento da demanda de crédito de longo prazo para o exterior.

A volatilidade é outro complicador e vai além do fato que uma vez contratado o financiamento, a taxa seja fixa. Como a decisão de investir é prospectiva, ela se torna muito pró-cíclica, ou seja, em momentos de auge e de queda dos juros é excessivamente estimulada, deprimindo-se demasiadamente no descenso do ciclo.

A partir dessas considerações conclui-se que se as mudanças realizadas persistirem, haverá uma redução da capacidade de empréstimo do BNDES pelo encolhimento do seu funding e também uma menor demanda de empréstimos, devido ao aumento do patamar e à volatilidade da taxa de juros.

No final de 2017 o Governo Temer decidiu iniciar o processo de privatização da Eletrobras. Privatizar o sistema elétrico brasileiro é uma má ideia em razão das suas especificidades, mais ainda se esta privatização é motivada por objetivos fiscais de curto prazo. E isto num momento no qual a Eletrobras encontra-se numa situação financeira delicada, com ativos relativamente desvalorizados. Ademais, o sistema de geração e distribuição de energia elétrica no Brasil, além de se constituir num monopólio natural, está sujeito a um regime de formação de preços muito particular em razão da sua dependência do regime hidrológico.

Assim, a prática de preços de monopólio acompanhadas de alta volatilidade são uma característica desse sistema e serão agravadas caso o setor público se retire integralmente. A conta irá para a sociedade, na forma de preços mais altos e riscos de escassez futura.

Outro aspecto de grande relevância na privatização diz respeito à “descotização” de catorze geradoras da Eletrobras que respondem por cerca de 1/3 da oferta da energia hidroelétrica. Essas geradoras estão produzindo energia sob um regime particular porque aderiram aos termos da Medida Provisória 579 em 2012. Ou seja, os preços da energia fornecida por cota às distribuidoras computam apenas os custos de operação pois considera-se que os ativos destas geradoras já foram amortizados.

Permitir a “descotização” implica, inexoravelmente, a elevação de preços da energia que agora passarão a incorporar não só os custos operacionais, mas também a remuneração do capital. Assim, além do aumento do preço da energia e da sua volatilidade, a privatização da Eletrobras também implicará na transferência para o setor privado de um campo importante de pesquisa e inovação, que poderia ser dinamizado a partir da Eletrobras e suas empresas fornecedoras.

2.3. A política macroeconômica

Na gestão macroeconômica, o objetivo crucial é o de conciliar crescimento econômico e preservação da estabilidade monetária, cambial e financeira. Como forma de gestão dessas políticas cabe aceitar, em grau moderado, a existência de regras com sacrifício parcial da discricionariedade. Isto por duas razões: para organizar de forma mais transparente o conflito distributivo que ocorre no âmbito dessas políticas e para minimizar o uso político das mesmas por coalizões de poder circunstanciais.
Assim, a existência de metas e regras, obtidas por consenso social, criaria uma moldura para a operação das políticas macroeconômicas.

A política monetária deve seguir o regime de metas de inflação, mas com modificações tanto no que tange à meta propriamente dita, quanto à sua operacionalidade. Cabe, ademais, o aperfeiçoamento da política prudencial a ser usada como instrumento auxiliar importante. Em seu conjunto, para além dos objetivos relativos à estabilidade, deve ter como preocupação adicional a busca da redução permanente da taxa de juros básica e dos spreads bancários, excessivamente elevados no Brasil.

No que refere à meta, urge a sua substituição: do formato de bandas para o de núcleo. Neste último, seriam excluídos alimentos e energia, um procedimento crucial numa economia largamente produtora de commodities de diversos tipos e de alimentos cujos preços têm um comportamento acentuadamente volátil e transmitem esta volatilidade à taxa de juros.

A fixação da meta e o seu acompanhamento deveriam seguir outra institucionalidade. O Conselho Monetário, por meio de um subcomitê, discutiria e fixaria a meta por meio de um colegiado composto pelos atuais ministros (Fazenda e Planejamento) e pelo presidente do Banco Central, acrescidos de um representante dos trabalhadores e um dos empresários. A execução da política deve ser realizada por um BC com autonomia operacional, mas sua supervisão e acompanhamento estará a cargo da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, por meio de audiências trimestrais. É inadiável submeter a operação da política monetária a um escrutínio mais amplo e retirá-la dos circuitos exclusivos das relações do Banco Central com os mercados financeiros.

A operação eficaz da política monetária supõe a constituição de uma curva de juros na qual a liquidez dos títulos esteja associada à magnitude das taxas. Para que isto ocorra é necessário corrigir uma falha básica do sistema monetário brasileiro: a indexação financeira. Títulos públicos indexados à taxa de juros overnight têm várias implicações: impedem o efeito riqueza, fazendo-o funcionar ao contrário e, portanto, eliminam um canal de transmissão crucial da política monetária. Por sua vez, exacerbam o poder de negociação dos detentores da dívida pública criando uma pressão altista sobre a taxa de juros.
Como assinalado, a política monetária deverá estar associada a uma política financeira que procure regular o volume de crédito por medidas prudenciais, reduzindo a sobrecarga dos juros no controle da demanda agregada. É essencial também atentar para a evolução e redução dos spreads numa economia dominada por um oligopólio bancário poderoso e com sofisticadas técnicas de gestão de clientela. O uso dos bancos públicos como instrumento de acirramento da concorrência em preços nas linhas mais populares de crédito é uma medida crucial. Ademais, o papel anticíclico das instituições bancárias públicas tem que ser preservado e aperfeiçoado.

A política cambial deve se fundar num regime de câmbio administrado, no qual se obtenha uma taxa de câmbio competitiva e de reduzida volatilidade. Numa economia de moeda inconversível com a brasileira, a taxa de câmbio possui elevada volatilidade como decorrência da natureza dos fluxos de capitais que a ela se dirigem. Este padrão de flutuação se transmite para os preços e para os juros. Por essa razão, é necessário rever a abertura financeira da economia brasileira, inibindo os fluxos de capitais especulativos e incentivando aqueles direcionados ao investimento e ao financiamento dos mesmos. Para se obter este resultado, pode-se lançar mão tanto do direcionamento administrativo dos fluxos quanto da tributação ou quarentena, estas últimas com renovada popularidade no âmbito de instituições multilaterais como o FMI e o BIS (Banco de Compensações Internacionais).

Especial ênfase tem que ser dada ao mercado de derivativos pelo seu papel na formação da taxa de câmbio.

Por fim, numa economia largamente exportadora de commodities cujos preços estão sujeitos a forte oscilação cíclica, é imperioso tributar as exportações desses bens nos momentos de auges intensos dos seus preços.
Para além da regra fiscal estrutural e das demais medidas apontadas acima na direção da progressividade da estrutura tributária, é necessário implantar uma política fiscal anticíclica. Para obter este resultado é forçoso modificar a regra fiscal de acordo com determinados momentos do ciclo. Indexar os gastos por uma média móvel do crescimento do PIB pode ser um primeiro passo, mas é necessário definir cláusulas adicionais de escape para momentos especiais. Assim, o aumento do gasto pode ter um piso absoluto, equivalente ao crescimento populacional, que evite sua queda per capita em momentos de grande recessão, funcionando, portanto, como um estabilizador automático.

2.4 O plano emergencial

O período histórico pelo qual passa a economia brasileira pode ser caracterizado como de depressão e exigirá um plano emergencial para induzir a retomada do crescimento da renda e do emprego. A situação objetiva deteriorada e as expectativas fortemente negativas dos agentes privados — empresários e famílias — torna imprescindível a ação do setor público para promover uma retomada sustentada do crescimento. Esta ação indutora deverá se processar em dois planos distintos: o da renegociação das dívidas e o da reativação do circuito gasto-renda.

Endividamento excessivo das empresas, expressos numa elevada parcela das mesmas em situação Ponzi, e comprometimentos de renda muito altos para uma grande parcela das famílias brasileiras, inclusive com alta inadimplência, tornam a renegociação das dívidas uma pré-condição para a retomada. Sem estas medidas, o eventual aumento da renda será absorvido no pagamento dessas últimas, abreviando o multiplicador do gasto e atenuando o crescimento. As duas medidas gerais para permitir o refinanciamento são, de um lado, a redução da taxa básica de juros e de outro, a permissão para que os bancos utilizem a parte do compulsório remunerado, a TR + 0,5%, para refinanciar dívidas em atraso, portanto a uma taxa inferior à praticada no mercado.

Em simultâneo com a renegociação das dívidas, o governo deve deslanchar um programa de gasto, seja diretamente, seja em associação com o setor privado. Do ponto de vista orçamentário a queda dos juros permitirá, num primeiro momento, abrir espaço para ampliação do déficit primário sem alterar o déficit nominal e a trajetória da dívida pública. Esta última só poderá ter a sua trajetória corrigida quando a recuperação estiver consolidada, sob pena de deteriorá-la ainda mais. A retomada da economia e da arrecadação será o fator fundamental para reequilíbrio das contas públicas a curto prazo, mas deve ser ajudada pela revisão das desonerações e ampliação marginal da carga tributária, preferencialmente via CPMF.

No âmbito do orçamento, o governo deve priorizar aqueles gastos de maior multiplicador, vale dizer, os programas de transferências para a baixa renda e os investimentos. Nos programas de subsídios creditícios, deve privilegiar a concessão dos mesmos para as famílias e não para as empresas, sobretudo no crédito imobiliário. Aliás, a combinação de subsídios creditícios para as famílias de baixa renda com a disseminação desses financiamentos pela rede bancária pública constitui um importante instrumento de recuperação da renda dos mais pobres.

Os gastos sociais prioritários, deveriam incluir o aumento das parcelas do benefício do seguro desemprego; o aumento imediato do Bolsa Família e a requalificação das famílias beneficiárias; a ampliação do Programa Minha Casa Minha Vida para habitação popular; a garantia do aumento real do salário mínimo; a renegociação das dívidas dos estados e a criação de plano emergencial com compromisso de investimentos e retomada das obras paradas; a identificação minuciosa e a retomada das obras e projetos descontinuados, também no âmbito federal e das empresas estatais.

Um campo no qual o governo deverá trabalhar com maior ênfase será o da relação com o setor privado e, em particular, do financiamento da infraestrutura, setor de grande capacidade de empuxe sobre a economia. Além da renegociação de contratos problemáticos, visando a recuperação do equilíbrio financeiro das empresas e tendo como contrapartida o compromisso em elevar os investimentos, é necessário criar novos mecanismos de financiamento. Para isso, além de assegurar o papel do BNDES, é imperativo envolver mais decisivamente o setor privado.

A criação de um fundo de financiamento da infraestrutura com recursos oriundos do excedente de reservas internacionais pode ser um bom começo para estimular o mercado de títulos e o envolvimento do setor privado no financiamento de longo prazo. Há várias justificativas para usar este excesso de reservas para essa finalidade, e o principal é o elevado custo fiscal da sua manutenção. Nos últimos anos o seu carregamento custou aproximadamente 2% do PIB por ano, valor equivalente ao do déficit primário.

Constituir um fundo com o excedente das reservas permite ampliar o financiamento em reais sem pressionar a dívida pública ou o funding regular dos bancos públicos, em particular do BNDES. Este fundo pode, no seu início, contar com recursos exclusivos das reservas e ter como lastro debêntures de infraestrutura, emitidos pelos novos concessionários de serviços públicos. Isto permitirá ao setor público reforçar, num primeiro momento, o financiamento de longo prazo e reduzir o custo de carregamento das reservas. Num segundo momento, consolidado o fundo e a recuperação, o setor público pode retirar-se, realizando lucros e destinando esses recursos para outra finalidade.

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Este texto é parte da série “O Brasil de amanhã”, em que um coletivo de colaboradores do Instituto Lula discute desafios e aponta caminhos para os próximos anos.

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