Não pretendo aqui entrar na discussão teórica de questões do desenvolvimento. Apenas pretendo afirmar algumas convicções a respeito dos caminhos que nosso país precisa trilhar se quisermos manter, no próximo governo, o rumo de crescimento com inclusão social que tem marcado a administração Lula.

Não pretendo aqui entrar na discussão teórica de questões do desenvolvimento. Apenas pretendo afirmar algumas convicções a respeito dos caminhos que nosso país precisa trilhar se quisermos manter, no próximo governo, o rumo de crescimento com inclusão social que tem marcado a administração Lula.

Após longo período, no Brasil, fora abandonada a prática de planejamento da ação governamental. Seus últimos praticantes tinham sido os governos militares através dos Planos Nacionais de Desenvolvimento – PNDs. O governo FHC havia assumido como conceito chave para o planejamento de sua ação a idéia excludente e simplista de “eixos de desenvolvimento”, na realidade algo que considero a racionalização do não planejamento. Chegamos assim ao primeiro governo Lula sem termos em mãos um processo em andamento associado ao ato de planejar a ação do Estado nacional. A partir deste vazio, atua o governo Lula, para decidir o que fazer, muito mais no plano da política do que no da economia do desenvolvimento. Isto se explica pelo fato de que a burocracia estatal que deveria prover os instrumentos técnicos para exercitar o planejamento da ação estatal estava carcomida pelos tais anos de desuso e pela prevalência da ideologia do “quanto menos estado melhor”. Quadros com experiência tinham-se ido, levados pelo tempo. Os novos, mesmo os atuantes e capazes, haviam sido treinados na arte de dissimular e programar ações apartadas da realidade e das necessidades das pessoas e regiões. O jogo político das oligarquias substituira o jogo político democrático e soterrara a capacidade de o estado se auto programar.

Nas décadas perdidas, onde faltara investimentos públicos, o estado desaprendera a realizar, a gerenciar obras e ações, a realizar licitações, a modernizar o atendimento às pessoas, a educar. Florescera uma cultura fiscalista no plano dos órgãos de controle, que partia do pressuposto da presunção do crime. A lógica da razão anti-estado prevalecera e ganhara raízes.

Não havia tempo de se formar novos quadros sob a ótica nova, a um só tempo moderna e antiga, de ter o estado do tamanho da nação e de suas necessidades, com quadros técnicos bem treinados, com remuneração digna e capazes de bem atender a sociedade e de planejar as ações de governo. Mas não bastaria saber planejar, mas fazê-lo de forma a que as ações conduzissem a uma maior, muito maior, inclusão econômico-social das pessoas, dado que o país carrega uma das piores desigualdades do planeta.

Aí surgiu o inesperado – pelo menos para muitos. A ausência de um planejamento científico foi substituída pela determinação política e intuição social do presidente e de seus colaboradores mais próximos, assentadas sobre os compromissos históricos deitados nas raízes do PT e de seus aliados mais conseqüentes.

Nos primeiros quatro anos, focou-se a ação na construção de uma rede de proteção social e de acesso a serviços básicos que foram a base para o fortalecimento do mercado interno e para a ascensão social de milhões: bolsa família, crescimento real do salário mínimo, formalização das PMEs via Simples, ampliação do acesso das massas populares no campo e nas cidades ao crédito (Pronaf e consignado), compuseram um quadro que, a rigor, não nasceu da ciência de doutos planejadores, mas antes, da interação real de aspirações de amplos segmentos (uns mais, outros menos organizados), de um presidente forjado na luta popular e uma equipe cheia de sonhos, capaz de acertar e errar muito, mas determinada a construir algo novo.

Esta construção de sucesso imprevisível – devido aos obstáculos à sua frente – tocou na alma do povo, o que só foi descoberto pelos adversários e até pelos aliados intelectualizados, quando, no auge da crise política que ameaçava o seu governo, foi o presidente às ruas para dialogar com as pessoas, não sobre teses ou princípios abstratos, mas sobre as conquistas em curso, e dele recebeu respaldo. O povo havia entendido.

O segundo mandato assistiu a mais um capítulo do que poderíamos chamar de planejamento de raiz político-intuitiva. Foi aí que nasceu o PAC. E nele, a gestora afirmativa, obcecada pela realização e capaz de assimilar a essência daquele ato.

Juntar os cacos de um setor público incapaz de gerenciar o que quer que fosse e, a partir de gargalos estratégicos (energia, saneamento, habitação, transportes), focar a ação do estado e de suas estatais, principalmente a Petrobrás, em ações espacialmente bem distribuídas. Daí nasceram refinarias (após trinta anos sem que nenhuma tivesse sido construída), estaleiros, estradas, portos, casas, saneamento, espalhados pelo país em uma lógica que não nasceu de planos regionais de desenvolvimento gestados em uma estrutura racional de planejamento regional, mas da tal lógica do pensamento político-intuitivo.

E aí estamos. Este é o nosso momento atual. Como, a partir deste quadro poderemos avançar?

Minha tese é simples: com base nos avanços conquistados, temos agora condições objetivas de sistematizar nosso ideário distributivista e socializante, fazê-lo interagir com o conhecimento acumulado pelos oito anos de administração da máquina pública federal, e aí sim, estabelecer um processo vivo de planejamento da ação governamental que contenha todos os ingredientes necessários a construção de um Brasil muito mais próspero e justo.

Agora é hora de avançar.

Hora de sistematizar os caminhos a serem seguidos daqui para frente, consolidadores de um modelo de desenvolvimento includente.

Hora de transitar da lógica do planejamento intuitivo para a lógica do planejamento estruturado.

Quais os aspectos centrais desta nova lógica que se quer estabelecer?

Faz-se necessário manter-se, embutido no método de planejar, o elemento político-intuitivo, que, no nosso caso, nada mais é do que o compromisso histórico com a inclusão social e o combate às desigualdades e discriminações negativas.
Definir política nacional de desenvolvimento regional de caráter nacional, (encerrando o ciclo das agências de desenvolvimento centradas nas regiões mais pobres), que constitua uma Política Nacional de Convergência, baseada em indicadores sócio-econômicos, com base territorial micro-regional, associada à elaboração e execução regionalizada do orçamento da União.

A ação de planejar o desenvolvimento equilibrado não pode ser apartada do planejamento do conjunto das ações do governo. Deve ser dirigida pelo próprio Ministério do Planejamento. Pergunta-se, pois, para que existe o Ministério da Integração Regional, se alcança, em sua ação, apenas algumas esferas da atuação do governo (recursos hídricos, defesa civil….!!!) e coordena esvaziadas agencias de desenvolvimento regionais, superadas pela própria força do processo real de desenvolvimento em curso.

O Planejamento regional deve ganhar o centro do planejamento geral, ser sua alma. Estar portanto, não como um apêndice a gerencias exceções mas sim como o motor do processo de desenvolvimento nacional que jamais deverá perder de vista a necessidade de promover ações de integração e de inclusão social e economica.

Um grande fundo de convergência deverá ser criado, incorporando em si todos os fundos hoje existentes, os constitucionais e os não constitucionais e atuando sobre todo o território nacional. Mas não dever ser apenas a soma dos cinco hoje existentes (como propõe o projeto de reforma tributária) mas sim algo bem mais robusto, que absorva várias das receitas hoje dispersas em muitos ministérios. E incorpore, junto com o Fundo Social, grande parte dos recursos dos royalties e participações especiais do pré sal e áreas especiais, constituindo um grande fundo que aplique seus recursos em investimentos em infra-estrutura, em capacitação massiva e de altíssimo nível e em subsídios móveis, tudo variando no tempo em função da evolução de indicadores sócio-econômicos, periodicamente apurados.

A boa gestão da execução precisa ser incorporada ao dia a dia do setor público. O monitoramento que se faz hoje do PAC, tem que ir para dentro dos ministérios e ser estendido para todas as ações centrais da política de desenvolvimento. A filosofia do PAC deve transitar da exceção para ser a regra.

A educação precisa ter seu paradigma quebrado radicalmente. Não podemos deixar que estados e, principalmente, municípios, com toda a inconstância administrativa e política que caracteriza muitos deles, fiquem com a prerrogativa da educação básica e média. Tem-se que reformular os critérios de gestão dos recursos da educação e de gestão de pessoas. O salto precisa ser radical. A escola integral precisa ser implantada e o professor precisa ser, a um só tempo, fortemente capacitado, valorizado materialmente e cobrado e avaliado pela sociedade com extremo rigor.

No embate político que se avizinha, é essencial, além de compararmos passados, mostrarmos que somos nós que temos condições de comandar o futuro.

Pedro Eugênio é deputado federal do PT de Pernambuco. É economista, foi secretário de Agricultura, Planejamento e Fazenda de Pernambuco e diretor do Banco do Nordeste do Brasil. É do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.