Abertura em forma de Manifesto: A caminho do Tribunal de Exceção
(Teatro Casa Grande, Rio, 16 de janeiro de 2018)
A ninguém será dado o benefício do silêncio. Nessa hora que requer o grito. Desembarcamos num mundo sem confortos. Onde “Tudo que era sólido se desmancha no ar”. Olhamos em volta e só vemos escombros. A árdua construção que consumiu vidas e mortes; esperanças e sonhos; ilusões e erros – como tudo que é humano –, envolveu generosidade e partilha. E, num relâmpago se converteu em fúria, desatou séculos de ódios acumulados, fundidos no fogo lento dos banguês e no coração dos que manejam com punhos de renda as mãos do feitor, os cordões da vida e da morte nesta atormentada geografia.
A ninguém será dado o benefício do silêncio. Nessa hora que requer o grito. Aqui se encontram, nesta noite, os criadores de símbolos. Os que erguem espelhos diante do nosso rosto, para mostrar quem realmente somos. Os que engendram metáforas para sustentar a representação do país. Os que trabalham a palavra, o corpo, a música, a cena, a tela, o verso, a imagem, a antiga virtude da indignação. Os que trabalham o pensamento, os empenhados em decifrar os sentidos da brutalidade de uma história que escraviza, que expulsa, que segrega, que converte o outro em animal e depois o mata. Ou o dissolve na paisagem e assim desaparece com ele para que sua miséria, seu abandono, seu clamor não nos incomode os ouvidos.
A ninguém será dado o benefício do silêncio. Nessa hora que requer o grito. Os que lidam com os símbolos renunciam, quando nascem, ao direito à indiferença. A dor do outro, a alegria do outro, a miséria do outro, a paixão do outro ferem nossa própria pele. Penetram pelos poros. Porque é nos olhos, nos ouvidos, no coração do outro que o verso, o relato, a tela, a escultura, a música, a imagem, para nós se realizam. Para tocar, mobilizar, comover. É o olhar do outro, o olhar da multidão que justificam o cotidiano labor da criação.
Lula, “O Filho do Brasil” será submetido a julgamento num Tribunal de Exceção. O Povo será condenado por um Tribunal de Exceção. Pelos crimes de ousadia e insubmissão. Por ter posto os pés profanos no espaço sagrado da Casa Grande. Por ter, em breve tempo, virado “esse mundo em festa, trabalho e pão…”. Por ter defendido os recursos naturais para sua própria gente. Por ter exercido com altivez sua soberania diante do mundo. A Democracia é filha da participação! Não convive com a indiferença, mãe do fascismo.
Por isso, a ninguém será dado o benefício do silêncio. Nessa hora em que a praça grita: Justiça não rima com trapaça!
Chegará o dia em que Povo julgará os Juízes!
Uma canção para 24 de janeiro
(à maneira dos cantadores nordestinos)
Por Pedro Tierra
Onde eles dizem paz,
eu digo Justiça.
Onde eles dizem Justiça,
eu digo caça.
Onde exibem convicções,
exijo provas.
Onde impõem o silêncio,
entoo canções.
Enquanto lustram algemas,
invento caravanas.
Onde defendem mercado,
afirmo pátria.
Onde dizem casta,
respondo classe.
Onde erguem o Tribunal,
convoco a praça.
Onde dizem ordem,
eu digo Liberdade!
Não me venham com crepúsculos
que chego armado de auroras
para reacender as cinzas
do nosso vasto coração…
Brasília, estação das chuvas e do plantio, 2017.