A paz desejável
No espaço de duas semanas, o Brasil recebeu as visitas dos presidentes de Israel, da Autoridade Palestina e do Irã. Não é ocasional a presença em nosso país de três atores-chave do conflito que há décadas infelicita o Oriente Médio.
No espaço de duas semanas, o Brasil recebeu as visitas dos presidentes de Israel, da Autoridade Palestina e do Irã. Não é ocasional a presença em nosso país de três atores-chave do conflito que há décadas infelicita o Oriente Médio.
Os três governantes — cada um a sua maneira — viram na diplomacia brasileira, especialmente no presidente Lula, uma possibilidade de, por meio do diálogo, avançar no caminho de uma solução negociada para um conflito que transcende a dimensão puramente regional. Ele ameaça a paz no mundo.
Essa é também a percepção de muitos líderes mundiais. O presidente norte-americano, Barack Obama, nas conversações mantidas com Lula e em recentíssima carta a ele enviada, reitera o papel que o Brasil poderá ter na busca de uma solução de paz para o Oriente Médio — aí incluindo suas conversas com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.
Mas essa não é a percepção de quem defende uma política externa minimalista, para não dizer subserviente. Nela, as grandes potências se ocupariam dos grandes temas enquanto os demais países se ocupariam do resto. Assuntos como esse não poderiam ser tratados pelos "vira-latas" aos quais se referia Nelson Rodrigues ao analisar o comportamento de certos brasileiros, vítimas de complexo de inferioridade.
Quando o governo organizou a cúpula América do Sul-Países Árabes em 2005, essas mesmas vozes se fizeram ouvir. Para que essa reunião? Haviam criticado, em 2003, a viagem de Lula ao Oriente Médio, aí incluindo a Líbia. As críticas sumiram quando Tony Blair [ex-premiê britânico], José María Aznar [ex-premiê espanhol] e Silvio Berlusconi [premiê italiano] também fizeram o caminho de Trípoli semanas após.
Durante a crise de Gaza, no começo deste ano, o presidente Lula determinou que o chanceler Celso Amorim visitasse o Oriente Médio e se entrevistasse com os líderes políticos da região em busca de alternativas. Houve quem buscasse ridicularizar a missão, qualificando-a de megalômana.
A persistência do impasse na região, seu potencial explosivo e a pertinência de nossas propostas mostraram o acerto daquela iniciativa.
A tese defendida pelo presidente Lula era (e é) a de que havia necessidade de "arejar" as negociações no Oriente Médio. A inclusão de novos interlocutores poderia dar aos entendimentos uma credibilidade hoje inexistente.
Outros países, como a África do Sul, a Índia e o próprio Brasil — para só citar três que não ocupam lugares permanentes no Conselho de Segurança — podem contribuir para lograr o que até agora os interlocutores de sempre, sozinhos, não conseguiram.
O Brasil tem posições claras. Defende a existência de dois Estados — o Palestino e Israel — viáveis e seguros, com base nas fronteiras de 1967.
Coincide com Shimon Peres [presidente de Israel] e Mahmoud Abbas [presidente da Autoridade Nacional Palestina] sobre a necessidade de trocar terra por paz.
Nossa diplomacia está segura de que a imensa maioria das populações afetadas pelo conflito — judeus e palestinos — anseiam pela paz.
O Brasil condena todos os que se opõem à existência do Estado de Israel. Repudia todas as formas de terrorismo. Insta Tel Aviv a suspender novos assentamentos e construções nos território ocupados e a acatar as resoluções das Nações Unidas.
Metaforicamente, o presidente Lula tem citado a boa convivência de árabes e judeus em nosso país como um paradigma a ser seguido mundo afora.
Quem governa um país como o Brasil — ou quem quer governar — sabe, ou deveria saber, que os temas de política externa, sobretudo quando envolvem questões maiores, como a paz no mundo, não podem ser objeto de oportunismo eleitoral.
O diálogo que o governo brasileiro tem mantido com as comunidades árabe e israelita em nosso país e na América Latina é transparente e não deixa dúvidas sobre nossas posições, seja sobre temas de natureza histórica — como o Holocausto –, seja sobre questões mais recentes, elas também dolorosas.
Essa cristalina transparência difere das águas turvas dentro das quais pescadores lançam suas iscas. Mais para atrair incautos eleitores do que para oferecer alternativas.
*Marco Aurélio Garcia, 68, é assessor especial de Política Externa do presidente da República e professor licenciado do Departamento de História da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi secretário de Cultura do município de São Paulo (gestão Marta Suplicy).