Antonio Biondi: “Brincavam que Aloysio Biondi tinha um arquivo implacável”
“Foi um dos grandes jornalistas que tivemos, principalmente na área de economia”. Embora a afirmação Aloysio Biondi tenha sido de Antonio Biondi sobre seu pai, a visão não é apenas de um filho admirado. Aloysio Biondi pode ser sim considerado um dos grandes jornalistas de economia do Brasil. Por ele não passaram despercebidas as questões e projetos levantados na segunda metade do século XX no país. Segundo Antonio, em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line, o pai lia diariamente os principais jornais do país e dizia que o jornalista que não fizesse o mesmo, teria em sua carreira um grande buraco. Biondi, o pai, reunia todo esse material em seu arquivo e hoje, nove anos depois da sua morte, o filho, que também é jornalista, doa, junto com a família, essa rica fonte ao Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae), de São Paulo. O arquivo pessoal de Aloysio Biondi torna-se, portanto, público a toda e qualquer pessoa que queira olhar o Brasil sob a visão de uma das pessoas que mais buscou entender o país. “O pessoal brincava que o Biondi possuía um arquivo implacável. Ele guardava as questões centrais de cada debate que ele costumava travar”, disse Antonio, que trabalha na Ong Repórter Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Para você, como jornalista, quem foi Aloysio Biondi?
Antonio Biondi – Foi um dos grandes jornalistas que tivemos, principalmente na área de economia. Claro que tiveram vários outros, há jornalistas que tiveram maior notoriedade, mas o Biondi teve uma importância nessa área, tanto por trazer discussões sobre qual o país que nós queríamos construir, sobre como achávamos que o Estado deveria atuar. Ele fez isso de uma forma bastante objetiva e didática e acabou que ele foi lido por ministros, presidentes, assessores dos poderes e, ao mesmo tempo, foi lido por sindicalistas, donas de casa, estudantes. A importância dele está nessas duas questões principais.
O que tem de peculiar nessa documentação reunida por Aloysio Biondi?
O pessoal brincava que o Biondi possuía um arquivo implacável. Ele guardava as questões centrais de cada debate que ele costumava travar. Então, sempre que tinha alguma coisa importante sobre, por exemplo, um poço de petróleo da Petrobras, ele guardava o material; se tinha alguma coisa sobre um empréstimo do Banco do Brasil para os agricultores, ele também guardava o material. Então, a qualquer momento em que ele fosse travar um debate com alguém, essa pessoa sabia que ia fazer isso com o Biondi e seu arquivo implacável. Ele tinha tudo muito focado nessas questões que ele achava necessário discutir sempre, e isso ajuda a entender como ele trabalhava. Ele lia jornais todos os dias. Ele acreditava que se o jornalista não lesse os principais jornais do dia, este teria um buraco em sua profissão. Por isso, se ele viajasse dez dias, mesmo assim guardava os jornais para que depois olhasse o material.
Esses arquivos contemplam os livros que ele leu, o que indica de onde vem a sua formação. Há muita coisa do cotidiano dos veículos de comunicação. Tem, ainda, cartas que o Biondi trocava com uma editora, discutindo, construindo ou repercutindo uma matéria. Há projetos editoriais que ele montou, correspondências do público em geral. É um acervo muito rico.
Porque é tão importante tornar público os arquivos do seu pai?
O arquivo pode ser fonte para trabalhos sobre o próprio Biondi, sobre seu trabalho, a forma como ele pensava etc. Mais do que isso, é uma maneira de contribuir para a preservação da memória do país como um todo, é mais um pedacinho do “quebra-cabeça” da nossa história. Se não tivéssemos esse arquivo, teríamos perdido uma visão dos últimos 45 anos de história do nosso jornalismo, do nosso país, dos debates que fora travados. Com esse arquivamento, o Biondi estará ao lado de ninguém mais ninguém menos do que Monteiro Lobato, cujos arquivos estão, digamos assim, no armário ao lado. E o interessante é que a obra de Lobato serviu de referência para o Biondi.
O que Aloysio Biondi diria da economia brasileira de hoje?
É difícil adivinhar o que ele diria. No site, nós tentamos fazer isso, discutindo alguns temas importantes hoje e trazendo embasamento nos artigos dele. No blog, há um texto sobre a crise dos alimentos. O rapaz que escreveu buscou, em alguns textos do Biondi, argumentos para mostrar qual o papel dos governos para resolver essa questão. Com isso, dá para ver que ele continuaria fazendo suas críticas e querendo uma nova atitude dos governantes. Certamente, ele teria argumentado sobre questões como o pré-sal e aumento do salário mínimo. Tem muita coisa que ele tinha mais conhecimento do que nós, tinha uma visão mais aguda, e que, eu, por exemplo, precisaria conversar com ele para entender melhor qual é o problema, quais as medidas a serem tomadas, onde estão os equívocos etc.
Como jornalista, você se guia muito pelo trabalho do seu pai?
O lado paterno naturalmente exerce uma influência muito grande. Eu trabalhei com ele, debatemos muitas coisas e aprendi muito com ele. Sem dúvida, ele é minha grande referência até hoje, tanto em relação ao jornalismo quanto em relação à minha vida. Ele é um norte muito importante para minha família.
Qual o maior legado que seu pai deixou como jornalista?
Pela questão temporal, hoje, sem dúvida, o grande legado que ele deixou foi o livro O Brasil Privatizado – um Balanço do Desmonte do Estado (São Paulo: Perseu Abramo, 1999), que vendeu mais de 140 mil exemplares. Esse livro é citado sempre que há novas eleições, quando a questão das privatizações é levantada. Observando toda a sua carreira, ele deixa, certamente, um legado sobre o que é ser jornalista, o que o jornalista de economia pode contribuir realmente com a nação e, ainda, ao que o jornalista não deveria se prestar. Há uma crítica sobre a construção da imprensa em seu legado muito interessante também. Por fim, ele traduz muitas ideias e projetos que foram pensados na segunda metade do século XX no Brasil.
Mais:
– Conheça o livro O Brasil privatizado: O balanço do desmonte do Estado
– Conheça o livro O Brasil privatizado II: O assalto das privatizações continua
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