Emprego precário é causa, e não efeito, da crise internacional. Debatedores defendem ‘ofensiva ideológica’ e
mobilização por novo modelo

Escrito por Isaías Dalle e Paola Bello, em 3/08/2009

Emprego precário é causa, e não efeito, da crise internacional. Debatedores defendem ‘ofensiva ideológica’ e
mobilização por novo modelo

Escrito por Isaías Dalle e Paola Bello, em 3/08/2009

A crise no mercado de trabalho mundial, em que há forte presença de empregos precários, baixos salários, ausência de direitos e desregulamentação – quando não trabalho escravo ou infantil – não é apenas um sintoma da crise financeira e econômica internacional, mas sim uma causa estrutural dessa crise que eclodiu no ano passado.

A análise foi feita por Laís Abramo, diretora do escritório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, na primeira mesa do Seminário Internacional "Crise e Estratégias Sindicais". O seminário abriu na tarde desta segunda, dia 3, as atividades do 10º Congresso Nacional da CUT.

Laís lembrou que desde o final da década de 1990, quando a OIT lançou sua campanha mundial pelo trabalho decente, as taxas de desemprego já eram bastante altas e, mais que isso, as vagas existentes eram em grande parte de baixa qualidade. "Isso tudo já era verificado muito antes da eclosão dessa crise. E a insistência nesse profundo processo de desvalorização do trabalho é a principal causa dessa crise. Então, se queremos superá-la, precisamos enfrentar essa causa de forma total", afirmou.

Na opinião de Laís, no plano internacional as medidas anunciadas até agora não enfrentam o problema. "Se analisarmos os trilhões de dólares aplicados em pacotes de estímulo fiscal nos últimos meses e vermos para quem foram destinados, descobriremos que apenas 9,2% foram para assistência social para famílias mais pobres, e apenas 1,8% para programas de criação de empregos", afirmou. "É preciso fazer uma análise de custo/benefício. A possibilidade de que a crise do emprego continue é muito grande, mesmo depois da recuperação dos mercados financeiros e das bolsas de valores, se o enfrentamento da crise continuar assim", completou Laís.

Para ela, o Brasil acerta em programas como o Bolsa Família e a política de valorização consistente e permanente do salário mínimo, pois protegem setores mais vulneráveis e injetam diretamente recursos no mercado interno, gerando consumo. Destacou também a continuidade dos investimentos públicos em projetos de infraestrutura. Mas disse que é preciso mais. "Os investimentos devem ser direcionados em setores estratégicos com alta densidade de empregos decentes. Projetos estratégicos que gerem empregos de baixa qualidade ou trabalho degradante não vão resolver o problema".

A diretora da OIT citou o exemplo do recente compromisso nacional para aperfeiçoar as condições de trabalho na cana-de-açúcar como uma sinalização correta. "O projeto do etanol como energia alternativa é bom, aborda de maneira diferenciada a questão ambiental, mas de nada adiantaria se gerar empregos degradantes". Nesse ponto, ela citou o conceito de emprego verde como um novo padrão a ser buscado. E lançou um desafio: "Nos anos 1930 os Estados Unidos conduziram o New Deal como forma de superar a crise do final da década anterior. Eu diria que precisamos pensar num New Deal verde, que crie empregos decentes estruturalmente integrados à defesa do meio ambiente". Em comentário posterior, em resposta à pergunta da platéia, Laís afirmou: "A questão ambiental deve ser considerada como estruturante, e não como apêndice, se quisermos buscar um novo modelo de desenvolvimento".

PIB? Que PIB?

Antes dela, o economista e professor universitário Ladislau Dowbor já havia apresentado um breve, mas amplo, painel sobre as mudanças nos modelos de progresso e desenvolvimento nos últimos 200 anos, com a ajuda de um gráfico que integra estudos de diferentes ramos da pesquisa para destacar que concentração de renda, exploração de trabalhadores e financeirização andam de mãos dadas com a rápida destruição do meio ambiente. O gráfico pode ser encontrado em http://www.dowbor.org/.

Dowbor questionou o PIB (Produto Interno Bruto) como índice adequado para quantificar desenvolvimento. "O PIB vai muito bem, mas não mede o que a gente quer. Quando o Exxon Valdez (navio petroleiro da Esso que vazou milhões de litros de óleo cru no oceano, em 89) sofreu o acidente, o PIB internacional cresceu, por conta dos gastos com a limpeza da água. Mas quando nossa Pastoral da Criança salva vidas de crianças com sua ação de saúde, o PIB local cai por causa da redução de gastos com remédios e hospitalização", comparou. "Hoje só se fala em crise porque os ricos estão em crise. Mas todo o ano milhões de crianças morrem por causas ridículas, e isso não é tratado como crise. Nós temos de fazer essa disputa".

Para ele, essas questões abrem novo flanco de questionamento e possibilidade de mudança no modelo. Dowbor também lembra que a participação da indústria no PIB vem caindo. "Nos Estados Unidos, o PIB industrial é de apenas 10%, contra o crescente setor de saúde, que já chega a 15%. Estes setores, como a educação, não se regulam apenas pelo mercado. Se soubermos conjugar isso com maior regulação financeira, as questões sociais e o meio ambiente, teremos uma agenda nova para tratar", disse.

Em seguida, falou o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci. Ele descreveu algumas ações do atual governo federal que, segundo ele, destruiu algumas "falsas dicotomias neoliberais":

– a de que inflação baixa não combina com crescimento econômico;
– de que se deve optar ou por crescimento do mercado interno ou pela expansão das exportações, já que os dois fatores seriam incompatíveis;
– de que mercado dinâmico e criativo não convive com Estado forte e regulamentador;
– de que se deve escolher investimento produtivo em detrimento de programas sociais, incompatíveis entre si;
– que sem subordinação à globalização só haveria o isolamento;
– de que mais democracia participativa não convive com democracia representativa.

Para ele, ações do governo desmentiram essas dicotomias e, junto com elas, derrubou a tese de que o governo estaria apenas repetindo supostos acertos de outros governos.

Declarando-se socialista democrático, Dulci afirmou que, se a crise internacional não coloca de imediato as condições objetivas para a superação do sistema, abre por outro lado amplos espaços para questionar velhas teses. "É hora de termos orgulho de ser esquerda. Defender os ideais de solidariedade, cooperativismo. Podemos fazer uma disputa em torno de valores. Se não há ainda correlação de forças para o socialismo, estão dadas desde já as condições para uma ofensiva ideológica", disse. E desafiou o movimento sindical a construir uma forte pressão na próxima reunião do G-20, mês que vem nos Estados Unidos. "Precisamos colocar o movimento sindical como parte ativa das discussões desse fórum. Se não quiserem agora conceder um assento para os movimentos sindicais, poderíamos reavivar algumas ações. Vamos fazer uma mobilização lá na porta. Algumas táticas de greve vão bem numa hora dessas", sugeriu.

G 20?

Já na segunda mesa do Seminário, os debatedores apresentaram reservas à idéia de que as transformações possam passar pelo G-20. Segundo o pesquisador do Ipea, Marcos Cintra, um novo modelo econômico, criado a partir da crise, deveria possuir uma instituição capaz de assumir o controle de capitais em todos os países de forma igualitária, situação que se mostra interessante na teoria, mas impossível na prática. "Seria necessário construir políticas que envolvessem todas as instituições, todos os mercados e todos os instrumentos", afirmou. "Mas os Estados Unidos não permitirão que nenhuma instituição supranacional regulamente seu sistema financeiro. Nada passará em âmbito supranacional global, mas haverá ações nacionais e regionais, onde cada país atuará isoladamente", apostou.

"A mudança não vai acontecer no nível global porque as instituições atuantes globalmente são o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, e todos ainda são controlados pelos Estados Unidos, cujo departamento de tesouro continua sendo tão da direita quanto sempre foi", completou o co-diretor do Center for Economic and Policy Research, Mark Weisbrot. Segundo ele, há a idéia equivocada de que o G20, grupo dos 20 países mais influentes economicamente, irá promover a reforma necessária no sistema financeiro internacional. "Eu não acho que temos as pessoas certas no comando disso. As pessoas representantes do G20 são dominadas pelos países do G7 e não vão assumir nenhuma reforma muito grande no sistema", criticou.

Já para o secretário Geral da TUAC/OCDE, John Evans, a crise não será resolvida apenas por uma nova regulamentação financeira. Segundo ele, além da reforma nos modelos atuais, é necessário se pensar na situação dos trabalhadores e de como a sociedade está sendo afetada pelos interesses econômicos que originaram e que são causados pela crise. Para ele, o combate ao desemprego deve ser a ação central contra a crise.

Evans destacou, ainda, a importância de se buscar o equilíbrio no novo modelo econômico que está se formando a partir da crise. "Estamos tendo um desequilíbrio muito grande entre capital e trabalho, com crescimento massivo das desigualdades sociais. Há grandes diferenças entre os países do sul e do norte, entre importadores e exportadores, entre questões que envolvem o meio ambiente e indicadores sociais", afirmou. "É necessário que haja mais equilíbrio entre crescimento econômico e melhoria de emprego, promoção do trabalho decente, sustentabilidade e interesses corporativos mais responsáveis e restritos".

Solidariedade a Honduras

A atual crise política pela qual passa Honduras também ganhou destaque na segunda mesa de debates. Segundo o co-diretor do Center for Economic and Policy Research, o norte-americano Mark Weisbrot, que falou em videoconferência ao vivo, a situação está sendo favorecida pelos Estados Unidos, que possuem bases militares no país latino. "O presidente Barack Obama pode até querer a volta do presidente deposto, Manuel Zelaya, mas os Estados Unidos têm aliados entre os golpistas e, também, se uma nova constituição fosse elaborada, é muito provável que o povo pediria o fechamento daquela base militar", disse.

Por isso, afirmou, a única maneira de exigir a volta de Zelaya ao poder é pressionar os governos a aplicarem sanções comerciais sobre Honduras e a fazer a denúncia sistemática dos assassinatos seletivos e outras violações dos direitos humanos que estão sendo praticadas em Honduras. "Ajudem a convencer seus governos a liderar a questão de Honduras. Esse problema deve ser resolvido pela América do Sul", alertou.

Atualizado em ( 03/08/2009 )

Publicado no Portal CUT em 3/8/2009