Seminário Internacional sobre a Crise Mundial, realizado pelo PT, pelo PCdoB e pelas fundações em São Paulo nos dias 20 e 21 de junho, em São Paulo.
 

O painel “América Latina: lutas populares e governos progressistas frente à crise” recebeu dois conferencistas: Theotônio dos Santos, da Universidade Federal Fluminense, para falar sobre “Crise e alternativas socialistas”; e Marco Aurélio Garcia, assessor especial de política externa da Presidência da República, para falar sobre “A crise e a integração latino-americana”. Ao final das exposições, uma mesa-redonda reuniu representantes de partidos e de movimentos sociais da América Latina para tratar do tema “A reação de governos, partidos de esquerda e movimentos sociais frente à crise”.

O assessor especial de política externa da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, enfatizou a importância da integração na América Latina para garantir presença regional forte em um mundo em transformação, sobretudo em época de crise global. Garcia, que também é vice-presidente nacional do PT, ressaltou que o mundo está se tornando multipolar e praticamente nenhum país conseguirá sobreviver sozinho neste novo cenário, nem mesmo as superpotências como os Estados Unidos ou a China.

Marco Aurélio enfatizou que “quem hoje se opõe a essa integração são setores conservadores da grande mídia e alguns diplomatas aposentados que insistem que o Brasil deve fortalecer relações comerciais com os EUA e a União Européia. Eles se esquecem que durante o governo Lula o nosso comércio com os norte-americanos e europeus triplicou e atinge 20% ao ano. O primeiro parceiro comercial do Brasil hoje é a China, em segundo vem os EUA e, em terceiro, a Argentina. Temos um volume de negócios de 7 bilhões de dólares com a Venezuela e eles são contrários à entrada do país no Mercosul”.

Ele afirmou ainda que é preciso haver uma preocupação com relação às mudanças ocorridas no mundo nos últimos anos, não somente com relação aos aspectos econômicos, mas também à compreensão dos processos políticos verificados nos países. “O G20 como condomínio internacional não se sustenta mais sem a presença dos BRICs e de países como a Argentina, que poderão dar um suporte maior no enfrentamento dos desafios colocados no mundo atual”, disse.

Já o professor Theotônio dos Santos, da Universidade Federal Fluminense, alertou para a forma como a crise tem sido enfrentada pelos países que hoje são governados por correntes progressistas. Ele critica principalmente o sistema financeiro e o socorro dado ao setor, que a seu ver é uma total inutilidade. E essa inutilidade seria reconhecida por todos, pois trata-se de algo que não tem papel relevante na sociedade, não incide sobre o sistema produtivo. “Mesmo correndo o risco de ser irresponsável, eu digo que temos é que deixar quebrar mesmo”, enfatizou o professor, que reafirmou que “o gigantismo do sistema financeiro é sustentado pelas dívidas públicas dos governos, que ficam dependentes dos bancos para refinanciar as dívidas. O Estado é que tem dado as condições para a sobrevivência desse sistema sem função alguma para o desenvolvimento", diz.

A forte intervenção estatal e a tendência acentuada à estatização que vêm ocorrendo no mundo foi criticada pelo professor, porque dentre as dez das maiores empresas do mundo, sete receberam investimentos dos governos, sendo a maioria na China.

Mesa-redonda: A reação de governos, partidos de esquerda e movimentos sociais frente à crise

O debate que reuniu representantes de partidos e movimentos sociais contou com a participação de Hilda Carrera, do Partido Socialista do Peru; de Orlando Silva, do Partido Comunista de Cuba; de Gustavo Codas, membro da equipe de governo do presidente paraguaio Fernando Lugo; Patricio Echegaray, do Partido Comunista da Argentina; de Nivaldo Santana, vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); e de Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Para Gustavo Codas, o ciclo progressista que se verifica na América Latina começou em 1998, com a eleição de Chávez, e chega até o último evento, que é a eleição de Maurício Funes em El Salvador. Neste período de dez anos, entre 1998 e 2008, as vitórias eleitorais, segundo ele, teriam se dado num momento de expansão do comércio internacional. Tal período levou à melhoria dos preços das commodities, vendidas pelos países da região aos novos governos progressistas e gerando investimentos em políticas sociais. Vale lembrar que tudo isso esteve associado ao baixo grau de conflito nesses países. A partir de 2008, com a crise internacional, o quadro tende a mudar. Da posse de Lugo em diante, a conjuntura internacional tornou mais difícil a implementação de políticas de distribuição de renda, apesar da manutenção do baixo grau de tensão regional.

O governo Lugo é resultado de uma ampla coalizão de partidos que se unificaram para tirar da direção do país o Partido Colorado, que estava há mais de 40 anos poder. “Hoje, as forças conservadoras dominam o Judiciário, a imprensa e o Congresso. Aceitam poucas mudanças”, disse Gustavo.

O Paraguai, segundo Gustavo, tem reagido à crise com o plano de reativação econômica e de integração regional; tem-se procurado manter os investimentos na área social; e o país tem recorrido ao BID e a outras instituições financeiras. Tudo isso, procurando manter empregos e proteger os setores mais vulneráveis. O governo tem procurado reforçar alguns setores da economia nacional, principalmente os setores produtivos, com estimulação da produção local e o incentivo à realização de obras públicas, manutenção da infra-estrutura, entre outras medidas.

Codas enfatizou que os países da América Latina precisam sair juntos da crise e, a partir do regional, participar do redesenho internacional. Ele citou os esforços que estão sendo realizados no âmbito do Mercosul, como a criação do Banco do Sul, a Unasul (União das Nações Sulamericanas) etc. Mas ele também observou que é preciso discutir as relações Sul-Sul e as relações dentro da região.

Na Argentina, a conjuntura eleitoral que se avizinha, segundo Patrício Echegaray, é a fase pós Kirchner – que observa, de um lado, a queda dos índices de pobreza e de indigência, e de outro, a bonança econômica (que beneficiou apenas setores concentrados da economia e não as camadas populares).

Para Echegaray, a crise de governabilidade argentina começou com o conflito no campo em 2008, quando se separam do bloco histórico os setores agro-exportadores, que se opõem contra o intento de intervir sobre a sua super lucratividade.

Por outro lado, Echegaray aponta para a rearticulação da direta, representada por um partido militar, conservador, com capacidade eleitoral e propagandística, que tem a intenção de tomar o governo em 2011: “Se isso acontecer, voltam as privatizações, as relações carnais com os EUA”. Mas ele alerta: caso não se resolva a crise de falta de unidade no campo popular, não há como enfrentar nenhum tipo de crise; e sem essa unidade, em 2011 a direita pode voltar poder”

A representante do PC do Peru, Hilda Carrera, enfatizou a necessidade de todos os povos olharem para o que está acontecendo na Amazônia peruana, onde os índios que integram uma associação inter-étnica de desenvolvimento vem se organizando há mais de 25 anos para defender os recursos naturais e o direito de viver de forma harmônica com a terra. Segundo Hilda, em 5 de julho esses povos responderam às forças policiais peruanas e o resultado foram 25 policiais mortos e um número até hoje desconhecido de indígenas falecidos. Fala-se em 300 desaparecidos.

“A idéia que se vende é a de que os povos indígenas estavam armados, patrocinados por Chávez e Evo Morales”, enfatizou Hilda. Mas ela também ressaltou que foi a pressão interna e externa que fez com que o governo peruano voltasse atrás e pedisse ao Congresso a suspensão dos decretos sobre a lei florestal e a lei da fauna silvestre, o que segundo os indígenas, permitiria a exploração de terras ancestrais por empresas multinacionais e do agronegócio.

Carrera enfatizou também que a esquerda peruana não deu atenção suficiente à questão das origens. E ressaltou: “O Peru tem muitas semelhanças com a Bolívia e se não puderem se reconhecer, não há saída”.

Orlando Silva, Membro do Comitê Central e responsável pelo Departamento Internacional PC, disse que Cuba sofre as consequências de três fatores importantes: 50 anos de bloqueio comercial imposto pelos EUA; a queda da URSS; e a devastação deixada pelos fenômenos climáticos, que puseram abaixo mais de 60 mil casas, e destruíram a agricultura e a infra-estrutura. As intenções expressadas por Barack Obama durante a campanha eleitoral e a suspensão de medidas restritivas (como o envio de divisas a Cuba, as viagens ao país, a entrada de empresas de telecomunicações, entre outras) não são suficientes porque até o momento o bloqueio se mantém.

A crise se abateu com força sobre a ilha, segundo Silva, principalmente pela queda da demanda de açúcar e do turismo. Mas o governo tomou medidas para garantir que nenhum cubano fique desprotegido, e apelou ao povo de Cuba para que todos se ajustem à nova situação. Para Silva, a reação à crise deve ser uma ação conjunta dos países latinoamericanos. “Sozinhos não é possível reagir”, enfatizou Silva.

Para Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB, o desemprego é a face mais dramática da crise e a resposta a ela deve ser buscada por meio da integração latino-americana, e tem se dar nos níveis político, comercial e da luta dos trabalhadores.

“Em 2010, os trabalhadores devem assumir o protagonismo, vai haver uma grande batalha para combater o conservadorismo”, disse Santana. Ele informou também que nos dias 22 a 24 de setembro acontece o “II Encontro Nostra América”, que deverá reunir 150 centrais sindicais para discutir, entre outros temas, saídas para a crise.

Já o presidente da CUT, Artur Henrique, ressaltou que a saída da crise deve ser pela esquerda, e alertou para o perigo do avanço da direita no mundo, refletida na eleição do Parlamento Europeu. O que pode vir pela frente, segundo ele, é a xenofobia, o protecionismo. Para Artur, é preciso avançar no debate, enfrentando as questões essenciais: o cancelamento das dívidas externas dos países, uma nova matriz energética, a implementação de uma renda cidadã mundial (como já vem acontecendo em países como o Brasil), e a garantia do emprego decente.

Entre os eixos defendidos pela Central para saídas para a crise, Artur destaca a radicalização da democracia, a mudança da matriz energética mundial, o controle do sistema financeiro, o cancelamento da dívida, a prioridade da integração regional, a renda cidadã, a seguridade social, e a política de emprego.

Na agenda da CUT estão programados um ato no Congresso Nacional pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários, e o “Dia nacional contra as demissões”.