Dentro da série de entrevistas que a IHU On-Line está promovendo para discutir a realização da Conferência Nacional de Comunicação, o professor Adilson Cabral Neto destacou que, embora ela seja um evento importante, é apenas um primeiro passo para que as demandas da sociedade sejam postas em debate. “Não serão resolvidas todas as questões nela, mas será um princípio. Então, o primeiro entendimento é de que ela trará um espaço para a compreensão, pois as políticas precisam ser definidas numa base de acesso, de oportunidade de expressão dos diversos setores da sociedade. Isso não está acontecendo devido à regulação atual do setor, principalmente na área da comunicação comunitária e em função da concentração dos meios de comunicação de maior alcance”, revelou, na entrevista que nos concedeu por telefone.

Adilson Vaz Cabral Neto é formado em Comunicação Social, pela Universidade Federal Fluminense. Nessa mesma área, realizou mestrado e doutorado pela Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente, é professor na UFF e na Umesp e coordenador do Informativo Eletrônico Sete Pontos. É autor de Rompendo fronteiras: a comunicação das Ongs no Brasil (Rio de Janeiro: Achiamé, 1996), Ativismo midiático: as comunidades de compartilhamento social no Centro de Mídia Independente no Brasil (São Paulo: Angellara, 2006) e Economia política da comunicação: interfaces brasileiras (Rio de Janeiro: e-papers, 2008).

De que forma as políticas de comunicação precisam ser abordadas nesta Conferência Nacional de Comunicação?

Essa Conferência será uma oportunidade para que setores da sociedade coloquem suas demandas, ou seja, ela não será a última. Não serão resolvidas todas as questões nela, mas será um princípio. Então, o primeiro entendimento é de que ela trará um espaço para a compreensão, pois as políticas precisam ser definidas numa base de acesso, de oportunidade de expressão dos diversos setores da sociedade. Isso não está acontecendo devido à regulação atual do setor, principalmente na área da comunicação comunitária e em função da concentração dos meios de comunicação de maior alcance. A ideia é que seja o início de um processo em que se estabeleça a compreensão mútua de que existe a necessidade de se colocar as políticas de comunicação em bases mais democráticas e acessíveis.

As questões legais que envolvem as rádios comunitárias devem avançar nesse debate?

Pois é, esta questão não passa tanto pelo evento em si. A Conferência é um espaço de convergência, um ponto de encontro de setores. E da forma como está colocada, parece que ela será a solução dos problemas. Na verdade, a questão das rádios comunitárias começa desde quando elas são repreendidas, tendo o sentido da sua proposta pervertido, não possuindo financiamento e sustentação. Temos aqui uma série de questões que não começam com a Conferência e não irão terminar depois dela. Essa compreensão de uma legitimidade já deveria acontecer, assim como deveria existir um marco legal que sustente as rádios comunitárias em relação a sua própria existência de uma forma tranquila, que não imponha problemas a seus dirigentes. É um processo que precisa acontecer já.

Como o senhor vê a presença das rádios comunitárias na sociedade? Que diferença elas fazem?

De modo geral, elas são um espaço de convergência de setores organizados, ou mesmo que tenham uma referência na própria comunidade. Ao mesmo tempo, são uma contribuição para o desenvolvimento local, num primeiro momento, e para o desdobramento da comunidade como um todo. Os projetos onde existem rádios efetivamente comunitárias, com uma gestão e programação comunitárias, ou seja, de forma plural e diversificada, são um meio de expressão da comunidade, onde esta se sente mais consciente, mais integrada à vida política do seu espaço de moradia e também mais integrada às questões sociais. Portanto, isso deveria ser não só assumido, como também valorizado.

Como o senhor vê a participação da sociedade nos processos comunicacionais?

A sociedade, de modo geral, por conta até da própria natureza dos meios de comunicação concentrados no Brasil, não participa, porque simplesmente a mídia não fala de si própria. Então, a sociedade que se mobiliza pela comunicação é bastante restrita, porque tem uma compreensão diferente dos meios de comunicação que estão em voga.

Como o senhor analisa a existência de redes abertas e a criminalização, a partir do Projeto de Lei do senador Eduardo Azeredo, das várias práticas cotidianas no uso da internet?

Essa é uma questão bem válida para um espaço de visibilidade e encontro dessa sociedade, que se mobiliza por uma comunicação diferenciada dentro dos mais variados setores e se apropria da internet para oferecer suas interlocuções. No Brasil, está se colocando as questões de concepção da internet que nós esperamos ter nas bases da comunicação como direito humano. Ou seja, a internet é uma plataforma de encontro de grupos, organizações e movimentos e precisa ser entendida na lógica de uma tecnologia de informação e comunicação. Assim, esse projeto acaba sendo uma oportunidade para que a sociedade compreenda qual o tipo de regulação da internet podemos demandar para que ela se estabeleça em bases democráticas.

Quais são, hoje, os principais desafios da comunicação no Brasil?

O primeiro, por exemplo, é compreender o que significa o Estado, o mercado e a sociedade em termos de comunicação. O mercado é extremamente concentrado e permeado por pessoas que estão no Parlamento e até mesmo no governo. O Estado, de certa forma, assume seu papel de Poder Público, mas, ao mesmo tempo, invade um sistema público dentro de uma concepção autônoma de comunicação e que é apropriada pelo conjunto das comunidades e organizações da sociedade civil, na medida em que o sistema público de comunicação é assumido dentro do papel do Estado. Por sua vez, a sociedade é preterida. Na medida em que a comunicação é concentrada e ela não tem seus próprios meios de expressão, precisa fazer a muito custo, contra o mercado, valer os seus direitos a partir dos seus próprios meios.

Um segundo desafio, dentro dessa mesma lógica, é preparar o cenário de convergência tecnológica e a compreensão do que é essa presunção para a TV digital e para o Rádio digital. Com isso, precisamos entender com que base elas se darão e se essa nova plataforma irá contemplar uma complementaridade entre setores da sociedade através do sistema público. Além disso, é preciso que haja um desmonte do monopólio dessa concentração dos meios, abrindo a possibilidade de novos canais e novas formas de expressão. Então, a compreensão desse sistema de comunicação e o processo de digitalização são, hoje, os maiores desafios da comunicação.

Em relação à Conferência, a expectativa é de construir um processo de baixo para cima. Esperamos que outros setores da sociedade também participem, pois essa questão é importante e fundamental para a sociedade como um todo. A Conferência é uma forma de construir o que a sociedade ainda demanda.