O economista e cientista político alemão Elmar Altvater teme que na crise sejam escolhidas pelos governos, mas também por movimentos sociais, estratégias de salvação do capitalismo

O economista e cientista político alemão Elmar Altvater teme que na crise sejam escolhidas pelos governos, mas também por movimentos sociais, estratégias de salvação do capitalismo

Ainda repercutindo o debate levantado na IHU On-Line número 295, sobre a necessidade de pensarmos em uma economia mais compatível com a sustentabilidade do planeta, entrevistamos nesta semana, por e-mail, o economista alemão Elmar Altvater. Para ele, “na mais grave crise econômica da forma de produção capitalista desde sua origem, coloca-se de maneira dramática a alternativa entre a salvação do capitalismo e a passagem a uma forma de economia ecológica, ou seja, sustentável”. Ele aponta que “a sustentabilidade ecológica só é possível numa sociedade democrática e de distribuição equitativa de recursos”. No entanto, continua ele, esta sociedade “também é minada pela crise financeira e econômica”.

Elmar Altvater é professor de Ciência Política na Universidade Livre de Berlim. É autor de diversos livros e artigos nos quais estuda a evolução do capitalismo, a teoria do Estado, a política de desenvolvimento, a crise do endividamento e as relações entre economia e ecologia. Entre suas obras publicadas em português, citamos O preço da riqueza. Pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial (São Paulo: Unesp, 1995).

IHU On line – Nesse momento de crise global da economia capitalista, quais são as possibilidades e os limites de se pensar uma economia que leve em conta a sustentabilidade da terra?

Elmar Altvater – Na mais grave crise econômica da forma de produção capitalista desde sua origem, coloca-se de maneira dramática a alternativa entre a salvação do capitalismo e a passagem a uma forma de economia ecológica, ou seja, sustentável. É de se temer que na crise sejam escolhidas pelos governos, mas também por movimentos sociais, estratégias de salvação do capitalismo. Na Alemanha, com uma absurda subvenção ao sucateamento de automóveis (“Prêmio pelo desmantelamento” [Abwrackprämie]), a manutenção da sociedade automobilística é prorrogada em direção ao futuro, quando, já devido ao “Peakoil” (pico do petróleo) e ao ameaçador colapso climático, ela não tem mais futuro e deve ser abandonada. Em outras nações podem ser encontrados exemplos semelhantes, que explicitam uma só coisa: precisamente na situação de crise é difícil forjar coalizões políticas para uma alternativa duradoura.

Pensando em uma economia mais ecológica, quais seriam seus princípios e qual seria sua função na sociedade?
A longo prazo, a economia deve ser ecológica, ou seja, deve levar em conta as condições naturais de todas as transformações de matéria e energia. Caso contrário, a economia capitalista destruirá suas próprias bases. Isto já está acontecendo, porque o rasto ecológico é muito maior do que deveria ser, em vista dos limitados recursos e da capacidade produtiva do Planeta Terra. O princípio ecológico da sustentabilidade deve orientar-se segundo o fluxo de energia e a capacidade de absorção das esferas terrestres para materiais nocivos. Expresso fisicamente, o aumento de entropia deve ser mantido em zero.

É possível calcular o custo dos desgastes ambientais provocados pela economia clássica?

Há muitos esforços para calcular os custos dos prejuízos ambientais. O resultado é geralmente assustador. Entrementes, se pode partir do fato de que os custos do acréscimo do produto social são 100 mais do que 100. Em outras palavras: o crescimento não nos torna mais ricos, mas sim mais pobres. Esta é possivelmente a razão para o aumento da pobreza no mundo, embora, nos objetivos de desenvolvimento do milênio, esteja planejada uma redução da pobreza em 50%. Em todo o caso, cálculos monetários dos prejuízos ambientais são mais do que problemáticos. Porque se pressupõe que a natureza possa ser expressa em valores monetários. Isso, por sua vez, exige propriamente um mercado no qual são constituídos preços, e no mercado só podem ser negociadas mercadorias, nas quais existem direitos de propriedade. Uma condição para o cálculo monetário é, por conseguinte: a natureza deve ser transformada em valor, para poder ser calculada monetariamente. Porém, qual é o valor de um peixe-boi, qual é a perda em valores monetários quando uma espécie é extinta? Quem calcularia os custos da perda do Dodô, uma ave de locomoção terrestre que, por ter sido tão lenta, foi abatida no século 18 até seu último exemplar? A avaliação monetária de danos ecológicos não tem nenhum sentido; no melhor dos casos, ela teria um valor pedagógico, de alarme.

Que relações podemos estabelecer entre o modo de vida urbano e o consumo desenfreado e não sustentável?
Cidades já existem desde a revolução neolítica na história da humanidade. Elas são os lugares da comunicação, da formação, da ciência, mas também da dominação concentrada e da exploração da terra. Na modernidade, as cidades são expressão do deslocamento da vida econômica da sociedade e da natureza. Pressuposto para isto é a mobilidade moderna com o automóvel, cujo combustível é extraído de portadores fósseis de energia. As cidades modernas são construídas para os automóveis, com autoestradas urbanas e parques de estacionamento, shoppings, os artefatos da superação de distâncias entre locais de moradia, trabalho, recreação, tempo livre etc. Isto só pode ser modificado se for estabelecido outro conceito não-fóssil de mobilidade.

Como o senhor relaciona a questão da criação de necessidades, o consumo, o desperdício e o caos climático, considerando a contrariedade e o paradoxo disso com o momento de crise em que vivemos?

Por causa da crise econômica, muitas pessoas são ou serão compelidas à condição de pobreza e já nem tem mais muitas possibilidades para um consumo intensivo de recursos. Por outro lado, o consumo de baixo custo do supermercado é muito intensivo de recursos, pelo menos nas nações industrializadas. Por isso, a pobreza não irá reduzir duradouramente o consumo de recursos. Isto aponta para o fato de que a sustentabilidade ecológica só é possível numa sociedade democrática e de distribuição equitativa de recursos. Mas esta também é minada pela crise financeira e econômica. As medidas econômicas para o estado de necessidade foram todas tomadas, nas nações industrializadas, ao largo dos legítimos órgãos de uma sociedade democrática.

Pensando numa sociedade ideal, quais poderiam ser apontadas como “justas” e “reais” necessidades humanas, que favorecessem a qualidade de vida e as condições ambientais? Uma mudança na economia seria aqui necessária?
A pergunta sobre a “vida boa” já foi levantada por Aristóteles. Sua resposta foi: uma vida sem aspirar por aquisição de capital, portanto, sem lucro e juros. Esta resposta também hoje ainda é correta e ela aponta, de maneira diversa do que na época de Aristóteles, por que então, na velha Grécia do 4º século antes de Cristo, ainda não existia nenhum capitalismo, para a necessidade de uma superação do capitalismo e para uma revolução social e ecológica. Uma revolução política pode – como já muitas vezes na história (também são exemplos a revolução francesa e a russa) – ocorrer muito rapidamente como assunção do poder, mas uma revolução social e ecológica necessita muito tempo. Porque o sistema energético e uma forma de produção não podem ser modificados de hoje para amanhã, porém somente em décadas. Não obstante isso, trata-se de uma revolução e ela deve iniciar agora, se quisermos evitar o colapso climático.

O senhor acredita que a sociedade está hoje mais consciente em relação ao caos climático, a ponto de mudar seus hábitos e provocar mudanças nas grandes corporações? Não é o capital que ainda tem mais poder?
A consciência da necessidade de frear a mudança climática está amplamente difundida. Mas os interesses econômicos no modo capitalista da agricultura e da indústria são muito fortes. Os consórcios transnacionais subscreveram em parte o compacto global do secretário geral da ONU, se obrigam voluntariamente à “corporate social responsiblity”, porém buscam apenas o princípio do lucro. Eles só podem realizá-lo se a economia cresce e para isso eles necessitam de apoio político. É tarefa dos movimentos sociais defenderem-se contra a dominação dos consórcios multinacionais, formularem seus próprios projetos, intervirem em favor de energias renováveis e formas solidárias de promoção da economia. A crise atual do capitalismo também é, por isso, uma possibilidade de dar passos em frente nessa direção.