Emir Sader: Aprender com a crise e sair mais fortes
Uma crise, que não foi gestada aqui, nos atinge profundamente. Por que, como defender-nos dela e que lições tirarmos? Como sair mais fortes dela? A primeira lição é localizar e combater as fragilidades que permitem que uma crise nascida lá fora penetre tão fundo na nossa economia. As vias de indução da crise são duas: o peso do capital financeiro e o do mercado externo na economia.
A desregulamentação levada a cabo pelas políticas neoliberais promoveu uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo ao especulativo, ao mesmo tempo que fez com que a economia dependesse desses capitais, que passaram a ter um poder de veto sobre a economia. As crises neoliberais – incluídas as três do governo FHC – assumiram a forma de ataques especulativos, em que o capital financeiro se vale do papel estratégico que passou a ter, para desequilibrar a economia, para obter ainda mais concessões.
Nesta crise, o capital financeiro foi o canal indutor da crise externa para a economia brasileira. A regulação da sua circulação torna-se obrigatória, para limitar sua capacidade de ação negativa sobre a economia. Da mesma forma que é fundamental subordinar o Banco Central – cuja independência de fato e as taxas de juros reais mais altas do mundo expressam a força o capital financeiro – ao conjunto de prioridades econômicas e sociais do governo.
A fortíssima recessão internacional induziu para nossa economia uma grande retração da demanda externa. Os países participantes dos processos de integração regional sofrem menos a crise, porque diversificaram seu comércio internacional – para a Europa, para a Ásia, para o comercio intrarregional – e expandiram o mercado interno de comercio popular. (O México, que assinou Tratado de Livre Comércio com os EUA e tem com esse país 90% do seu comércio exterior, é a maior vítima da crise, já apelou ao FMI.)
A via para defender-nos dessa vertente é diminuir o peso do mercado externo e das exportações, aumentando o peso do mercado interno de consumo e os intercâmbios regionais, que estão mais ao nosso alcance controlar. Fortalecer o mercado interno de consumo popular associa estreitamente a expansão econômica com a distribuição de renda sobre suas diferentes formas – elevação do poder aquisitivo real dos salários, do nível de emprego formal, entre outras. Nenhum apoio a empresas privadas sem contrapartida indissolúvel de garantia do nível de emprego.
Atuando dessa maneira, estaremos agindo contra as duas mais nefastas conseqüências das políticas neoliberais: a financeirização da economia e a precarização das relações de trabalho. Sair mais fortes da crise significa atuar contra esses efeitos, bloquear a possibilidade de sofrer outras crises como esta ou a sequência de uma crise que deve se prolongar muito lá fora.
Essas medidas, junto a um conjunto de outras, significa, concretamente dar passos claros na direção de um novo modelo econômico e de um projeto de sociedade e de Estado com um perfil muito distinto – na verdade, contraposto – ao neoliberal. Sair fortalecidos da crise – na realidade, poder sair da crise – é sair com um padrão de desenvolvimento distinto, produtivo, distribuidor de renda, integrador, soberano
O neoliberalismo nos levou a esta crise. Pelas bolhas especulativas que se acumularam e finalmente explodiram no centro do capitalismo. Somos vítimas da propagação dessa crise, pelas fragilidades que o neoliberalismo produziu na nossa economia. Sairemos mais fortes, na medida em que sairmos do modelo neoliberal e passemos a construir um modelo pósneoliberal, centrado na esfera social e nos direitos, no lugar do mercado e do ajuste fiscal, fortalecendo a esfera pública em detrimento da esfera mercantil.