Por Leonardo Brant

Em tempos de discussão sobre o papel da opinião pública e o cada vez mais complexo processo que envolve o seu controle e formação, em ambientes midiáticos contaminados pela contraposição dos poderes do Estado e do mercado, a filósofa Marilena Chauí, nos fornece uma análise crua, mesclando a autoridade de maior pensadora do Brasil com exemplos concretos de sua experiência como gestora cultural. A filósofa coloca em xeque a lógica e os procedimentos dos meios de comunicação de massa.

Marilena Chaui fala sobre a abolição da diferença entre os espaços público e privado e como os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada. Para a professora, enquanto o pensamento e o discurso de direita reiteram o senso comum que permeia a sociedade, no caso da esquerda é preciso ultrapassar obstáculos, o que representa desmontar esse senso comum e a aparência de realidade e verdade que as condições sociais e as práticas existentes parecem possuir.

Para a classe dominante de uma sociedade, pensar e expressar-se é coisa fácil: basta repetir idéias e valores que formam as representações dominantes da sociedade (afinal, como dizia Marx, as idéias dominantes de uma sociedade são as da sua classe dominante).

O pensamento e o discurso da direita, apenas variando, alterando e atualizando o estoque de imagens, reiteram o senso comum que permeia toda a sociedade e que constitui o código imediato de explicação e interpretação da realidade, tido como válido para todos. Eis por que lhe é fácil falar, persuadir e convencer, pois os interlocutores já estão identificados com os conteúdos dessa fala, que é também a sua na vida cotidiana.

Para a esquerda, porém, a dificuldade é imensa porque o pensamento e o discurso são forçados a realizar quatro trabalhos sucessivos ou até mesmo simultâneos: precisam, primeiro, desmontar o senso comum social; em seguida, precisam desmontar a aparência de realidade e verdade que as condições sociais e as práticas existentes parecem possuir, aparência sobre a qual se funda tanto a fala da direita como a compreensão dos demais agentes sociais; precisam, a seguir, reinterpretar a realidade, revelar seus fundamentos secretos e suas operações invisíveis para que se possa compreender e explicar o surgimento, as formas e mudanças da sociedade e da política; e, finalmente, precisam criar uma fala nova, capaz de exprimir a crítica das idéias e práticas existentes, capaz de mostrar aos interlocutores as ilusões do senso comum e, sobretudo, de transformar o interlocutor em parceiro e companheiro para a mudança daquilo que foi criticado.

Assim, enquanto para a direita basta repetir o senso comum produzido por ela mesma, para a esquerda cabe o trabalho da prática e do pensamento críticos, da reflexão sobre o sentido das ações sociais e a abertura do campo histórico das transformações do existente.

Publicado originalmente no site Cultura e Mercado, em 08/05/2009

`