Em 20 de abril do ano passado o povo paraguaio através do seu voto encerrou seis decadas de dominação política do Partido Colorado no país (1947-2008). Nesse período o Paraguai sofreu a longa e sanguinária ditadura (1954-1989) do general Stroessner quem faleceu velho e doente algum tempo atrás em seu confortável exílio em Brasília, concedido pelo então presidente José Sarney.

Depois da ditadura stronista, militares (que deram o golpe contra Stroessner) e setores do Partido Colorado se reciclaram como “democratas” e através de manipulações, fraudes e do uso poder econômico se mantiveram ainda no poder.

Foram décadas de lutas democráticas e populares que um ano atrás resultaram na façanha que foi realizada através da candidatura presidencial de Fernando Lugo. Trata-se de um bispo da Igreja Católica identificado com a Teologia da Libertação, que obteve mais de 40% dos votos e derrotou a candidata do Partido Colorado, Blanca Ovelar, e o ex-general, Lino Oviedo.

O governo do presidente Lugo é formado por uma ampla coalizão onde há setores moderados, de centro e de esquerda, unidos na Aliança Patriótica para a Mudança (APC, em castelhano) para derrotar o continuismo colorado.

Essa aliança ampla, porém, se deu sob um programa à esquerda no cenário político paraguaio que inclui, entre outros pontos, a campanha pela renegociação de Itaipu com o Brasil, a implementação da reforma agrária e a luta contra a corrupção sistémica que assola o Estado. Isso diferencia o processo paraguaio de outros, onde são os setores progressistas que fazem concessões aos moderados para poder juntar votos e vencer as eleições.

Lamentavelmente, a divisão e disputas entre partidos progressistas nas eleições fizeram que seu número de parlamentares eleitos fosse muito baixo, aquem das possibilidades de se estivessem unificados na mesma chapa proporcional.

De forma resumida podemos dizer que a vitória de Lugo despertou enormes expectativas de mudanças ao mesmo tempo que manteve fortes redutos reacionários (anti-mudança) no Congresso Nacional e nos governos estaduais, que se apoiam mutuamente com um poder judicial atrelado aos colorados . É sobre essa contradição que assumiu em 15 de agosto passado e tem governado nesses oito meses.

Como este é um artigo destinado ao público brasileiro considero que é fundamental falar, mesmo que brevemente, da relação bilateral.

Não é desconhecido da militância de esquerda brasilera o fato de que a ditadura militar brasileira implementou uma política de características neocoloniais sobre o Paraguai e que para isso teve o apoio do general Stroessner (quem junto com seu entorno enriqueceram com essa opção). Nos anos 1970 e 1980 isso foi analisado e denunciado por intelectuais da esquerda brasileira como Rui Mauro Marini, Paulo Schilling e Julio José Chiavenatto, entre outros.

Essa herança continuou mesmo depois do fim das duas ditaduras, porque era conveniente para o establishment no Brasil e porque as elites paraguaias coloradas eram herdeiras diretas da política implementada por Stroessner. Somente quando a mudança, finalmente, chegou às duas margens do rio Paraná, é que a questão de superar essa relação construída pelas ditaduras passou a ser discutida. Esse também é outro significado do 20 de abril.

É isso que o presidente Lugo propôs quando apresentou oficialmente ao governo Lula sua pauta de negociação em relação a Itaipu em 17 de setembro passado. E o presidente Lula aceitou discutir todos os temas propostos pelo Paraguai e essa negociação está hoje em curso.

Em uma de suas intervenções no dia 18 de abril na Cùpula das Américas em Trinidad e Tobago, o presidente Lugo disse no plenário dos chefes de Estado que “o Paraguai vivia o paradoxo de ter grandes exedentes de exportação de energia elêtrica, mas não podia exercer sua plena soberania sobre seus recursos” e afirmava “estamos adiantando negociações com o governo do Brasil e creio que junto com o companheiro Lula possamos anunciar em um futuro bem próximo um acordo onde ambos países tenham seus interesses e direitos atendidos” porque somente assim ficaria claro que “realmente estamos em novos tempos em nossa região” (1).


Gustavo Codas
, paraguaio, 50 anos, é ministro assessor de relações internacionais da presidência do Paraguai. Ex-militante sindical cutista e ex-assessor da Executiva Nacional da CUT.

Notas
(1) Mais informação sobre as duas intervenções do presidente Lugo no plenário ver em:
http://www.ipparaguay.com.py/index.php?id=cmp-noticias&n=2647
http://www.ipparaguay.com.py/index.php?id=cmp-noticias&n=2649

20.4.2009