Quando eu vim para o FMI, há dois anos, a instituição vivia uma crise de identidade.
Poucos buscavam os seus empréstimos e conselhos.

Muitos duvidavam que o Fundo ainda voltasse a exercer um papel importante. Era visto como um dinossauro e, como tal, fadado à extinção. O panorama mudou completamente.

A crise global recolocou o dinossauro no centro da cena. Anteontem, os líderes do G-20 decidiram triplicar os recursos à disposição do Fundo, de US$ 250 bilhões para US$ 750 bilhões.

Como serão utilizados esses recursos? Parte da resposta a essa pergunta foi dada pela reforma dos instrumentos de empréstimo e monitoramento do FMI, que aprovamos na Diretoria Executiva no último dia 24 de março.
No artigo que publiquei nesta coluna há duas semanas, antecipei que estávamos prestes a votar uma das maiores reformas, talvez a maior reforma nos empréstimos e na sistemática de monitoramento da instituição desde a sua criação em Bretton Woods.

Foi o que aconteceu. A reforma é bastante ampla e não tenho como abordar todos os seus aspectos hoje.

Farei referência a apenas dois: a) a flexibilização das linhas tradicionais do FMI (a mais importante das quais é o “Stand-By Arrangement” — SBA); e, b) a criação de uma linha inteiramente nova: a Linha de Crédito Flexível (“Flexible Credit Line” — FCL).

O novo formato do SBA permite consolidar mudanças importantes, algumas das quais já vinham sendo testadas na prática.

Fica mais fácil, por exemplo, obter acesso preventivo (isto é, sem desembolso) ao SBA em valores elevados.

Anteriormente, prevalecia o entendimento de que os SBAs preventivos deveriam ser aprovados em quantias modestas.

Desaparece também a presunção de que os empréstimos concedidos via SBA devem ser distribuídos uniformemente ao longo da duração do acordo e monitorados a cada trimestre.

A partir de agora, dependendo das necessidades do país e da solidez da sua política econômica, os SBAs poderão ser front-loaded, isto é, o acesso à maior parte do empréstimo poderá ser imediato, e o monitoramento do programa poderá ser feito com menos frequência, em bases semestrais.

Mas a grande mudança foi a criação da FCL. O Brasil teve um papel importante na formulação e negociação dessa linha, que tem características inéditas. Na FCL, não haverá cartas de intenção, monitoramento, critérios de desempenho ou qualquer tipo de meta a ser cumprida. Não há limite de acesso rígido. As condições de prazo e custo são iguais às das linhas tradicionais.

A FCL pode ser tratada como instrumento preventivo (isto é, mantida à disposição mediante pagamento de uma comissão) ou ser utilizada a qualquer momento, a critério do país.

Para ter acesso a essa linha, o país precisa ter um histórico de políticas econômicas sólidas, atendendo a critérios de habilitação preestabelecidos (contas externas e fiscais sustentáveis, políticas monetárias e cambiais adequadas, inflação baixa e controlada, supervisão eficaz do sistema financeiro, entre outros requisitos).
Já apareceu um primeiro candidato à FCL: o México. Se o México conseguir acesso à FCL, como parece provável, será um dos maiores, talvez o maior empréstimo da história do FMI.

O Fundo está mudando? Parece que sim. Mas será preciso verificar como se dará a aplicação da reforma na prática.

O FMI é uma estrutura pesada e conservadora. Os países interessados nas mudanças devem ficar atentos para garantir que as novas regras sejam aplicadas de maneira correta e equitativa.

Não podemos permitir que o dinossauro, sob nova roupagem, volte aos seus velhos e carcomidos hábitos

*Paulo Nogueira Batista Júnior é economista.