Virou moda considerar uma bobagem a comemoração do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. O que mais se ouve é “e por que não o Dia do Homem”?

De certa forma, é bobagem mesmo, se olharmos a data como mais uma no calendário do consumo. Examinando melhor, veremos no 8 de março uma densidade histórica que importa não só às mulheres. Representa uma luta que é um salto civilizatório para a humanidade em geral, pois, olhando por outro ângulo, liberta também os homens de um papel retrógrado, que é fonte de opressão para as mulheres e os mantem reféns de um modelo de masculinidade pesado, limitador, embrutecedor e solitário no seu pedestal de poder.

Para quem não lembra, o 8 de março refere-se ao episódio no qual, em 1857, em Nova York, 129 operárias morrem queimadas na repressão policial numa fábrica textil onde elas reivindicavam redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas diárias e direito à licença-maternidade. Em sua homenagem, o Congresso Internacional das Mulheres Socialistas instituiu, em 1910, o Dia Internacional da Mulher.

Tentem imaginar uma situação como essa há apenas 152 anos, um tempo histórico muito breve. E outros 60 anos antes, em 1793, em plena Revolução Francesa, de onde emergiram os principios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, Olympe de Gouges, revolucionária e militante da luta pela igualdade dos direitos políticos e civis para as mulheres, foi para a guilhotina. Por que? Porque, entre outras coisas, escreveu em 1791 a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, um contraponto à Declaração dos Direitos do Homem, que entendia restringir-se à cidadania do sexo masculino. Olympe tinha uma frase típica: “a mulher tem o direito de montar o seu palanque”.

Nos anos 1960, as mulheres montaram o palanque do feminismo moderno, que chega aos nossos dias ainda cheio de frustrações, mas com enormes avanços, fartamente visíveis no plano da participação em todos os ramos de atividade, quebrando os estereótipos de “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. Elas são herdeiras das pioneiras que, brilhantemente, enveredaram pelo caminho das demandas de caráter legal, intelectual e político, ao invés de se restringirem às suas batalhas domésticas individuais. No Brasil, o voto feminino foi instituído depois de 22 anos de luta, em 1932, antes de ser aprovado, por exemplo, na França, na Itália e no Japão. Ou seja, faz muito pouco tempo que as mulheres foram reconhecidas formalmente como cidadãs, após milênios na condição de segundo plano, de suposto “ser inferior”.

Tenho a impressão de que as mulheres desenvolveram, ao longo da história da humanidade, uma aprendizagem silenciosa, em que passaram a dominar o manejo das competências consideradas monopólio do masculino, antes mesmo de reivindicarem aberturas. Daí terem tirado a diferença em período comparativamente tão curto e terem demonstrado, na prática, o prejuízo sofrido pela sociedade humana ao preterir o olhar e a escuta femininos na resolução de problemas, na tomada das decisões, na resolução de conflitos pela negociação e pelo convencimento, e não pela submissão do oponente.

O que era confundido com fraqueza é uma imensa fortaleza para a política e todos os processos nos quais se lida com diferenças e necessidade de chegar à formação de consensos. É claro que nesse caminho difícil e cheio de atalhos e armadilhas, as mulheres cometeram grandes enganos. Um deles foi tentar sobrepor-se ao mundo dos homens, fazendo de si mesmas uma caricatura da cultura masculina. Outro foi caracterizar os homens como inimigos, caindo no equívoco de tentar substituí-los no comando, reproduzindo a mesma estrutura de poder excludente.

Hoje, porém, prevalece o reconhecimento da diferença e a busca da solidariedade e da equidade em espaços de troca que são as sementes de um novo momento civilizatório que se sustenta não na disputa destrutiva, mas na complementariedade das duas manifestações de existência do humano: o feminino e o masculino.

Aos homens parece ser ainda difícil a aprendizagem das formas de operar do feminino. E há urgências nessa aprendizagem, essencial para a verdadeira constituição das diferenças como identidades e não como cidadelas a serem dominadas, seja por um lado, seja por outro.

Esse é o grande desafio para, como se costuma dizer, todos e todas. A homogeneização, a tentativa de subjugar o outro ou diluir sua identidade, é empobrecedora sobretudo para o opressor. A esse respeito, o movimento feminista aprendeu e ensinou, em todos esses anos, décadas e séculos em que a mulher foi considerada apêndice do masculino. Hoje ela tem um lugar e esse lugar é conquista da humanidade.

Que os homens possam entender a beleza e a riqueza, para eles mesmos, desse processo que é tão longo e, ao mesmo tempo, tem avançado tão rapidamente. Que o futuro nos seja mais leve, com menos ansiedade pelo poder e mais solidariedade; menos guilhotina e mais liberdade, igualdade e fraternidade.

*Marina Silva é senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente. É conselheira da Fundação Perseu Abramo.

Texto originalmente publicado no Portal PT, em 19/03/2009