Crise: É preciso reforçar a capacidade de investimento do Estado
Por Renato Simões, Gilney Vianna, Antonio Neiva, Maria Aparecida de Jesus e Antonio Paludo
1. A crise é sistêmica, afeta a economia real a todos os países incluindo o Brasil e países que nele têm uma inserção diferenciada como a China. É uma crise do capitalismo comparável a crise da década de 1930, com a diferenciação de ter iniciando no centro nervoso do capital financeiro e na sua cidadela, os Estados Unidos da América, e se espalhando por toda a economia real e todos os países.
2. As consequências serão profundas e variadas. No plano da economia política e da ideologia caem por terra as teorias do “fim da história”, da impossibilidade de se criar alternativa sistêmica ao capitalismo, vale dizer da tentativa de invalidar teórica e politicamente a luta por um sistema socialista, democrático e sustentável.
3. Ruíram as teorias perversas do neoliberalismo: da autorregulação econômica pelo mercado; do Estado Mínimo; da justificação da “fuga para frente” de uma minoria privilegiada dos países desenvolvidos deixando para trás a maioria da humanidade, julgada incapaz de sair da miséria, da fome e do subdesenvolvimento pelas suas próprias incapacidades de competir e vencer no mundo capitalista.
4. Aprofundar a análise desta crise, travar a luta ideológica radical contra as posições e os pregoeiros do “fim da história” e reafirmar a alternativa global socialista é fundamental para a Esquerda Mundial e petista.
5. A crise nos países mais desenvolvidos já reflete em decréscimo do PIB mundial, da taxa de investimento; quebradeiras de bancos e grandes corporações; perdas de investimentos nas Bolsas; perdas das residências hipotecadas etc. O custo social é monstruoso, traduzido em desemprego mundial, redução dos salários, miséria e sofrimento. Nesta hora duas tendências se afirmam: 1) Concentração de capital, alteração nos padrões tecnológicos de produção, que joga a conta da crise sobre o trabalho; 2) as corporações transnacionais advindas de países desenvolvidos procuram reduzir seus prejuízos, sacando ativos de suas empresas sediadas nos países mais pobres, drenando recursos para empresas e economias em dificuldades.
6. Empresas e empresários com apoio de líderes políticos, apelam sem cerimônia para o antes demonizado Estado; vale dizer, sacam parte da riqueza socialmente produzida que é recolhida ao Estado ou, no que dá na mesma, sacam parte da riqueza a ser produzida no futuro, através da dívida pública, para socorrer seus investimentos e seus patrimônios. Do outro lado estão as demandas sociais, agravadas pela crise que exigem maior investimento do Estado em políticas públicas universais bem como sob a forma de transferência de renda dirigida para os mais pobres ou setores mais atingidos pela crise. O fundo público é único e seus recursos são limitados. O caixa é o governo, que é obrigado a arbitrar a disputa. Neste momento a Esquerda Petista deve tudo fazer para que o PT se posicione claramente na defesa dos interesses dos setores sociais que representa, os trabalhadores e a grande maioria do povo. E no plano internacional, lutar por uma remodelação das organizações multilaterais que quebre ou reduza o poder das grandes potências econômicas.
7. Na esfera da política, inclusive no aparelho do Estado e na mídia, manifestam-se posições contraditórias. A oposição neoliberal sem qualquer autocrítica defende e apóia iniciativas governamentais no sentido de socorrer bancos e empresas em dificuldades. Não assume o combate à política de transferência de renda, principalmente a Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, e nem ousa combater o PAC porque afora o seu conteúdo desenvolvimentista de interesse para o País, tem forte interesse de setores empresariais envolvidos nos investimentos e dos governos estaduais e municipais. Resta-lhe o combate aos “crescentes gastos governamentais”, especialmente com servidores públicos e gastos correntes que, esquecem de dizer, possibilitam a melhoria em políticas públicas universais (saúde, educação, segurança pública etc.).
8. O debate político sobre a crise remete ao imaginário do senso comum sobre qual a melhor resposta à crise: continuidade o mudança? A oposição política, através da sua principal liderança e candidato a presidente da República em 2010, o atual governador de São Paulo, economiza as críticas concentrando-as em aspectos da gestão macroeconômica, tipo política de juros altos do Banco Central, tolerância ao câmbio valorizado e uma pretensa demora do Governo Lula em reagir à crise. Com este discurso terá dificuldades para se diferenciar do que o Governo Lula está fazendo e corre o risco de ser o candidato do “mais do mesmo” com “melhor gestão”. De repente seu discurso se aproxima do discurso da situação. A crise e a disputa política implícita exigem um posicionamento mais avançado do PT que vai além das conquistas do Governo Lula. Que tipo de propostas diferentes do que já foi feito até aqui? Sobre o que nos permitiremos algumas sugestões.
9. É hora de manejar a política macroeconômica de tal forma que possibilite índices razoáveis de crescimento econômico, reforce a capacidade de investimento do Estado e estimule a defesa do emprego e da renda dos trabalhadores. Para isto sugerimos: a) reduzir a meta de superávit primário, com garantia sólida de pagamento do serviço da dívida, em prazo mais largo – diminuindo assim a parcela anual de recursos do Estado destinada a este serviço, deslocada para os investimentos; b) redução continuada da taxa de juros básica, definida pelo Banco Central, para que a taxa básica de juros real seja reduzida e isto se transmita ao conjunto da taxa de juros pratica pelo sistema financeiro; afora o seu efeito redutor da parcela “selicada” da dívida pública; c) promover ajustes na política cambial, o quanto o Estado pode e deve intervir, para que a moeda nacional não seja supervalorizada e assegure a capacidade de disputa comercial internacional dos produtos brasileiros. Para introduzir essas alterações na política macroeconômica é necessário um novo presidente do Banco Central alinhado com as novas necessidades do País.
10. Devemos ter posições claras sobre o uso do fundo público: 1) priorizar a continuidade e o alcance das metas da política de transferência de renda aos segmentos sociais de menor renda da sociedade praticada com sucesso pelo Governo Lula; 2) empréstimos aos grandes grupos empresariais em dificuldade, de forma onerosa; subsídios implícitos ou explícitos só com contrapartidas sociais e ambientais (garantia do nível de emprego, não redução dos salários dos trabalhadores; cumprimento das leis ambientais e até mesmo compromissos ambientais específicos); 3) medidas emergenciais fiscais e tributárias tenham como alvo prioritário os setores da economia que mais empregam, como a média, pequena e microempresa; bem como o médio e pequeno produtor rural; 4) maior atenção e investimento nas políticas públicas que até agora não atingiram suas metas, como a segurança pública, a reforma agrária, a habitação popular, o combate ao analfabetismo e a política ambiental; e as políticas de reconhecimento dos direitos dos excluídos e discriminados.
11. O desempenho do governo no enfrentamento da crise econômica é crucial para o País, para o povo e para quem está na disputa política de 2010. Mas não é bastante. As eleições de 2006 nos mostraram isto. O PT tem que mostrar a sua cara com programa e candidaturas próprias que avancem além do lulismo.
12. Seguindo a orientação do seu III Congresso, o PT precisa exercitar sua autonomia, expressando suas posições próprias e disputando a orientação ao Governo.
*Renato Simões, Gilney Vianna, Antonio Neiva, Maria Aparecida de Jesus e Antonio Paludo são membros do Diretório Nacional do PT.