Caravanas de estudantes de economia de vários estados brasileiros promovem uma grande “ocupação” essa semana do campus da Unicamp, em Campinas, para participar do 22º Encontro Nacional de Economia Política, o Enep. Entre 1000 participantes, mais de 600 jovens, muitos dos quais instalados em alojamentos e moradias colaborativas, destinaram quatro dias para ouvir e debater com alguns importantes nomes da economia e ciências sociais do Brasil e de fora temas e conceitos que passam longe dos consensos repisados por comentaristas econômicos da grande imprensa. Discute-se pensamento marxista, distribuição de renda, capitalismo dependente, movimentos de resistência, políticas públicas, exploração da classe trabalhadora, classes sociais e crise, austeridade, desenvolvimento, projeto nacional, entre tantos outros assuntos que em um país sem debate podem parecer “fora de pauta”.

“Exercer o pensamento crítico” é a ideia, anunciou Marcelo Dias Carcanholo, presidente da entidade responsável pelo encontro, a Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), na abertura oficial. O que se sente em Campinas nesses dias (o encontro termina nesta sexta, 2), como resume o coordenador da comissão organizadora Pedro Rossi, é “alento”. “Temos 80% da população contra as reformas liberais que o Congresso está tocando e 99% dos economistas que aparecem na mídia defendem a austeridade e as reformas”, diz. No Enep, ao contrário, demolem-se com enxurradas de dados – e muito conhecimento de causa – a cantilena obsessiva do corte de gastos públicos e do superávit primário.

Uma plateia lotada de alunos de graduação e pós-graduação – ao ponto de ser necessário abrir uma sala contígua com um telão para os que ficaram de fora assistirem – acompanhou com grande interesse o painel especial “150 anos de lançamento do Livro I de O Capital”, com a participação de Luiz Gonzaga Belluzzo, José Paulo Netto e Michael Heinrich, da Universidade de Berlim, um dos maiores especialistas no alemão Karl Marx (1818-1888) da atualidade. Heinrich discorreu sobre aspectos teóricos, como teoria do valor em Marx e ressaltou a “incompletude” de O Capital, que, segundo ele, não conclui uma teoria sobre a crise, o colapso do capitalismo. Porém, ressaltou, Marx ainda é a “maior ferramenta que temos para analisar o modo capitalista de produção”.

José Paulo Netto, da UFRJ, lembrou que, apesar de estar completando 150 anos, o primeiro volume de O Capital só ganhou uma edição brasileira em 1968. Antes disso, os brasileiros tinham acesso em português a alguns fragmentos ou resumos da obra. Hoje, existem boas traduções e os jovens dispõem de farto material para mergulhar no estudo do marxismo, ao contrário das gerações anteriores. Netto chamou a atenção para o fato de que compreender Marx não é possível sem entender o momento histórico em que ele escreveu sua obra mais famosa e sem se aprofundar na filosofia de Hegel, de quem ele adota vários conceitos. Enfatizou ainda que, ao contrário do que comumente se diz, Marx não reduz a compreensão da vida social à compreensão dos modos de produção e dá grande importância aos aspectos simbólicos e culturais da sociedade. Belluzzo, por sua vez, lembrou que Marx avançou no entendimento do capitalismo ao ponto de prever sua fase atual, que é a da financeirização e terminou, muito aplaudido, exibindo um paradoxo: Diz-se que Marx é o filósofo do trabalhador, mas, ao desvendar o sistema de subordinação do trabalho ao capital, Marx se mostra “um pensador da liberdade, da libertação do (homem do) trabalho”.

No Enep não se discute se houve ou não um golpe em 2016 no Brasil. Faz-se o diagnóstico de suas causas e debatem-se saídas, em geral pela esquerda. O tema do encontro esse ano não poderia ser um resumo mais fiel da tônica dos debates: “Restauração Neoliberal e as Alternativas na Periferia em Tempos de Crise do Capitalismo”. E a periferia, nesse caso, não é só Brasil. Um dos convidados internacionais, o deputado grego pelo Syriza Costas Lapavitsas, economista especializado em sistema financeiro, professor da SOAS (Escola de Estudos Orientais e Africanos – Londres), veio falar de alternativas para os países “periféricos” da Europa, ou da União Monetária Europeia. Ele lidera um movimento da esquerda europeia que propõe várias medidas, incluindo uma ruptura em etapas com o euro.

“A Alemanha é uma máquina exportadora que se beneficia da união monetária europeia em detrimento da periferia formada por Portugal, Espanha e Grécia. O paradoxo é que a Alemanha está com a economia interna frágil devido ao achatamento salarial”, disse ele, em outra palestra muito concorrida.

Em dezenas de sessões, alunos de graduação e de pós-graduação também têm a oportunidade de apresentar avanços de suas pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado. Na sessão de comunicações 2, por exemplo, os alunos de graduação Lorrana Buzzo (Unicamp) e Felipe Carvalho Souza Santos e Ramon Borge Rizzi, ambos da UFES, discutiram a contribuição de Weber e Hayek na formação da ideologia e do espírito do capitalismo, realizando discussões que unem a economia à sociologia, filosofia e teologia para apontar os limites entre a ciência e a ideologia, a teoria econômica e os interesses econômicos – o que joga luz na discussão sobre os rumos do Brasil atual. A discussão foi complementada pelo debate sobre a burguesia nacional no Brasil e a existência ou não de um projeto nacional, temas recorrentes no Enep.

O evento continua ainda nesta sexta-feira e os painéis serão transmitidos pela internet (acesse as transmissões aqui)

10h30–12h30: Painel II – Limites e Esgotamento dos Governos Progressistas na América Latina

– JULIO GAMBINA (ARGENTINA – SEPLA)

– ANTONIO ELIAS (URUGUAI – SEPLA)

– Coordenador: NIEMEYER ALMEIDA FILHO (UFU)

Local: Centro de Convenções (Auditório III)

18h–21h: Painel III – Movimentos Sociais e Enfrentamento das Políticas de Ajuste

– PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO JR. (UNICAMP)

– GUILHERME BOULOS (MTST)

– LEDA PAULANI (USP)

Local: Auditório Zeferino Vaz (IE)