Agora, seis e muito da tarde, aqui em Belém, a chuva chegou. Não a garoínha fraca que ameaçou refrescar o mormaço mais cedo. Chegou o aguaceiro mesmo. O toró, me explicam aqui, é essa chuva gorda, que derruba o mundo a vai embora em 20 ou 30 minutos para em seguida voltar o sol. "O nosso inverno é assim", diz a aposentada Edila Prado, moradora da Cidade Velha. Ontem ela saiu de casa no início da tarde com a capa de chuva na bolsa, "a gente, que já conhece, não sai sem a capa", para ver algo diferente, para ver o "desfile", como ela mesma batizou o primeiro evento do Fórum Social Mundial.

A Marcha de Abertura é um clássico do FSM. É quando integrantes de todas as delegações, de todos os cantos do Brasil e do mundo, estão cheios de energia, planos e sonhos a serem compartilhados nos dias intensos que se seguirão. Na Marcha, todos se reúnem com indisfarçada felicidade e orgulho de estar presente no FSM. Neste caso, de estar em Belém. Ao atravessar as principais ruas da cidade, os participantes, com seus cartazes, suas palavras de ordem, suas faixas e gritos, mostram a gente como Edila a que vieram.

Estrategicamente posicionada numa esquina, "pra ver tudinho", ela não estranhou quando, pouco depois das três da tarde, a umidade do ar que até então entrava pelos poros, desatou a cair do céu. "Mas foi muita água mesmo. Em vez de durar os 20 minutinhos que a gente está acostumado, durou quase o desfile todo", diz ela, sem disfarçar a surpresa do que viu nas ruas. "Ah… aquele monte de gringo e nenhum com capa de chuva, hein? A água caía e eles cantavam, pulavam, gritavam ainda mais forte. Você tinha que ver que bonito".

Daqui, do Pará, para gente como Edila, é gringo qualquer um que venha de longe o suficiente para não saber da chuva, para não parar de cantar nem debaixo d’água, e para acreditar que um outro mundo seja possível.

(A repórter chegou a Belém na noite da terça-feira e, portanto, horas depois da Marcha de Abertura do FSM. Hoje, começou a escrever essas linhas pouco depois da chuva começar, e terminou quando o céu voltava a abrir)

Texto publicado originalmente no sítio da revista CartaCapital, em 29/01/2009


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