Milhares de pessoas foram a Brasília para protestar por eleições diretas e para que Michel Temer deixe o cargo. A manifestação seguia o seu curso. Pela Globonews, via-se pela imagem feita do helicóptero uma multidão que marchava em direção ao Congresso Nacional. Nas redes sociais, Jornalistas Livres, Mídia Ninja, Fundação Perseu Abramo e outras páginas que transmitiam do chão o andamento do protesto já relatavam que os policiais e a Força Nacional adotavam um tom provocativo no trato com os manifestantes.

Os confrontos começaram e o choque entre as narrativas também. A mídia alternativa descrevia que os policiais reprimiram o ato e partiram para cima de manifestantes que adotavam postura pacífica, o que resultou na resistência das pessoas que protestavam. No rádio, a CBN não identificava quem participava do protesto como cidadão ou como “manifestante”, mas chamava as pessoas por “sindicalistas”.

Na Globonews, no programa Estudio i, a apresentadora tentava dividir os manifestantes entre os pacíficos e os baderneiros. Um repórter da emissora estava no meio dos manifestantes transmitindo por um celular. Ele relatou que havia comportamentos excessivos tanto dos policiais como dos manifestantes.

Às 16h, enquanto ministérios pegavam fogo, a tropa de choque atirava bombas de gás e de efeito moral e o que se via era um cenário de caos na Esplanada dos Ministérios. Na TV aberta brasileira, a Globo transmitia um filme juvenil na Sessão da Tarde, a na TV Cultura passavam desenhos infantis, a TV Record mostrava uma novela repetida e a Bandeirantes era o único canal que estava ao vivo de Brasília durante o programa Brasil Urgente, apresentado por José Luís Datena. A manchete exibida na tela era: “Manifestantes destroem e colocam fogo em ministério”.

Uma repórter tentava explicar que os manifestantes tentavam avançar e os policiais buscavam a dispersão. A narrativa era confusa, mas ela afirmou que o protesto começou pacífico e seguiu assim durante uma boa parte. Paulinho da Força entrou ao vivo pelo telefone para falar com Datena e explicou que black blocks se infiltraram na manifestação e entraram em confronto com os policiais. O programa tinha mais um repórter que estava dentro da Câmara e relatava que Rodrigo Maia tentava um acordo para fazer com que os trabalhos prosseguissem.

José Luís Datena criticou a postura dos deputados que quiseram colocar pautas polêmicas em votação para demonstrar normalidade. Segundo ele, foi o que gerou revolta.

A TV Bandeirantes não transmitiu o pronunciamento do ministro da Defesa no qual ele informou que Michel Temer solicitou a presença das Forças Armadas na cidade e que os grupamentos estavam a caminho para se posicionar. Jungmann disse que protestos como esse são inaceitáveis.

Só à noite, perto das 21h, o protesto em Brasília voltou à TV aberta. O Jornal Nacional, o Jornal da Band e o Jornal Record enfatizaram a violência e os confrontos. Globo e Record adotaram tom mais detalhista e descritivo, mostrando algumas das cenas, informando que houve excessos dos dois lados mas sempre afirmando que a polícia reagiu, e não que ela própria tenha colaborado para o caos. Ou seja, nas emissoras de TV a mensagem foi de que o protesto se transformou em uma baderna e tornou a Esplanada dos Ministérios uma batalha campal.

Já os jornais impressos publicados na manhã de quinta-feira, apesar de também enfatizarem a violência e não entrevistarem  nenhum manifestante, procuraram explicar que, do carro de som, os organizadores do protesto alertaram várias vezes para que mascarados se separassem do grupo que protestava e que eles não seriam tolerados. Somente o Valor Econômico buscou detalhar mais especificamente como o confronto começou. Na versão publicada no jornal, quando a manifestação chegou à barreira montada pelos policiais, mascarados provocaram a polícia que respondeu com veemência e acabou atingindo o todo da manifestação.

A realidade é que a mesma história é contada, interpretada e reinterpretada das mais variadas maneiras, e o que chega para a população que está distante são essas mensagens que se confundem. Mais comprometidas com o bom jornalismo são as mídias livres, que, por meio de celulares, trazem a perspectiva dos manifestantes. Porém, é difícil saber qual vai ser o significado desse dia que vai prevalecer entre os brasileiros. Principalmente porque apenas o governo e as forças de segurança têm voz nos grandes meios de comunicação, quem protesta não é ouvido pelos repórteres. É preciso encontrar uma maneira de inserir o discurso de quem protesta na grande mídia.

A “lei de meios” e o fim do monopólio da mídia são a solução, porém estão distantes. Em uma ação mais imediata, penso ser possível utilizar a internet e as redes sociais para questionar a conduta dos meios de comunicação, convidando os cidadãos a refletir sobre questões básicas como “por que a imprensa não ouve todos os lados?”

São pequenas reflexões que nunca foram propostas de maneira massiva e organizada, o que torna-se perfeitamente possível com a internet e as redes sociais online. É importante lembrar que os veículos de comunicação são empresas, dependem do mercado e a perda de credibilidade refletiria diretamente nos lucros, o que as obrigaria a mudar de postura.

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