Peço ao leitor licença para começar hoje com uma autocitação. Bem sei que não é de bom-tom. Paciência, não vou resistir. No dia 11 de dezembro, logo depois que o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) resolveu manter os juros nas alturas, publiquei as seguintes observações: “Hoje, o risco dominante é a recessão – ou uma desaceleração pronunciada no caso do Brasil. (…) A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias. Existem motivos de sobra para começar a reduzir a taxa de juro no Brasil. Acumulam-se sinais de que a economia está perdendo impulso”.

As estatísticas sobre a produção industrial, divulgadas anteontem pelo IBGE, reforçam essa avaliação. O quadro é tenebroso. “Perda de impulso” foi um “understatement” meu, uma pequena homenagem ao Pedro Malan, o único inglês da vida real. Segundo Nelson Rodrigues, o inglês, tal como o imaginamos, com os seus traços peculiares e inigualáveis, não existe, nunca existiu. Em Londres, não há um único e escasso inglês. Só houve uma ocasião em que apareceu um inglês por lá. Foi quando Malan desembarcou para renegociar a dívida externa brasileira.

Mas estou me desviando do tema. Os dados do IBGE foram bem piores do que se esperava. Em novembro, o setor industrial sofreu a maior queda em seu nível de produção desde maio de 1995. Na série dessazonalizada, a redução acumulada em outubro e novembro chegou a 8%. Nada menos que 21 dos 27 ramos industriais pesquisados pelo IBGE registraram queda da produção de outubro para novembro. Quase 2/3 dos 755 produtos incluídos no levantamento mostram diminuição das quantidades produzidas, algo que não se via desde o início dessa série, em janeiro de 2003. Como diria Malan, “the cow went to the swamp”.

A redução atingiu todas as categorias de uso (bens de capital, bens intermediários, bens duráveis de consumo e bens semiduráveis e não-duráveis de consumo). A produção de bens duráveis de consumo, que depende muito das vendas a crédito, caiu 20% na série com ajuste sazonal. O investimento produtivo também sofreu retração substancial. A produção de máquinas e equipamentos caiu nada menos que 12% de outubro para novembro.

A pesquisa do IBGE confirma que a indústria brasileira foi fortemente afetada pela intensificação da crise internacional desde setembro. Isso se deve, em parte, à contração do mercado externo para as empresas industriais brasileiras. Mas o principal canal de transmissão da crise parece ter sido o crédito internacional, que sofreu retração abrupta no último trimestre de 2008.

Alguns economistas já falam em recessão. A definição mais comum de recessão é a queda do PIB em dois trimestres consecutivos, isto é, duas diminuições trimestre contra trimestre na série com ajuste sazonal.

Por essa definição, é bem possível que uma recessão tenha começado em outubro último. Um teco final no Copom. Na ata referente à reunião de 28 e 29 de outubro de 2008 (sim, outubro!), lia-se o seguinte: “Os dados disponíveis referentes à atividade econômica indicam que o ritmo de expansão da demanda doméstica continua bastante robusto, respondendo, ao menos parcialmente, pela tendência de aceleração da inflação (…). O Copom reafirma que se mantém elevada a probabilidade de que pressões inicialmente localizadas venham a apresentar riscos para a trajetória da inflação”.

Clarividência a dar com o pé!

* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo do FMI

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, em 08/01/2009