Os Bancos Centrais dotados de maior autonomia operacional procuram compatibilizar, ao mesmo tempo, três tarefas: metas para conter a inflação, promover crescimento econômico e minimizar riscos sistêmico do sistema financeiro. Somente alguns BCs europeus e asiáticos estão preparados para o exercício simultâneo das três tarefas. Nem o próprio FED (Banco Central dos Estados Unidos), que, de certa forma, procura compatibilizar o controle da inflação com expansão adequada do nível do emprego, tem sido capaz de evitar crises financeiras. A crise atual, provocada pelo Sub-prime, já obrigou o Governo Americano a encaminhar propostas ao Congresso visando dotar o FED de instrumentos necessários ao maior controle das instituições financeiras.

Em outras palavras: o exercício de obtenção das metas para controle da inflação e, ao mesmo tempo, de níveis adequados de crescimento econômico, com mínimos riscos para as instituições, e para o sistema financeiro como um todo, exige que os BC, realizem permanentes projeções da demanda e da capacidade de produção por setor, diante de perspectivas de evolução da renda, do nível de emprego e da produtividade. Além disso, avaliações permanentes da composição dos ativos ou aplicações financeiras e dos passivos ou fontes de recursos de cada instituição, e do conjunto do próprio sistema financeiro, possibilitam, aos BCs, minimizar riscos de crises financeiras.

O BC do Brasil vem cumprindo principalmente a tarefa de atingir metas de controle da inflação e utiliza a taxa de juros como principal instrumento. Com base na curva de Phillips, o BACEN estima a capacidade potencial de crescimento do PIB e nível adequado para taxa natural de desemprego. Acredita em sua capacidade para gerar expectativas racionais junto aos diversos agentes da economia, inclusive para as autoridades fiscais. Para o BACEN, a elevação da taxa de juros evitará aumentos de preços pelas empresas, aumentos de salários dos trabalhadores acima da produtividade e da expansão exagerada de gastos pelo governo.

As corretas medidas tomadas pelo BACEN diante da manutenção da gravidade da crise internacional são, no mínimo, contraditórias. Para minimizar os impactos negativos da crise no Brasil, o BACEN vem recorrendo, recentemente, à diminuição de depósitos compulsórios e a elevações das disponibilidades de recursos para redescontos, com objetivo de elevar a liquidez e o crédito principalmente, para exportações, para agricultura, para pequenas e médias empresas e para o consumo, além de vender divisas de suas reservas para evitar excessivas desvalorizações do Real. No entanto, continua mantendo a taxa básica de juros, a SELIC, em 13,75% a.a., enquanto o FED, o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra, o Banco do Japão, o Banco da China, etc., vem baixando juros para estimular os investimentos e o consumo.

Neste contexto, cabe sugerir que, para maior êxito das medidas em curso, é necessário e urgente, mudanças de postura do Banco Central, inclusive para que reúna méritos que justifiquem sua autonomia operacional. Deverá ser aperfeiçoado para que, em parceria com o IPEA o BNDES, e até mesmo BB e CEF, realize estudos prospectivos da oferta por setor e identifique concretas possibilidades para estimular a expansão da capacidade de produção em sintonia com o comportamento da demanda. Em outras palavras, o BACEN, como emprestador de última instância, poderá incentivar decisões de investimentos para expandir e modernizar a capacidade instalada de cada setor como resposta aos próprios de sinais de evolução da demanda, e assim flexibilizar, seletiva e orientadamente, os depósitos compulsórios e os redescontos, os quais constituem instrumentos fundamentais para estimular os bancos a canalizar recursos para investimentos. Contribuirá, também para, diminuir encargos financeiros onerosos para a dívida pública, logo, aumentando a capacidade de investimentos governamentais.

No que diz respeito à avaliação e o acompanhamento permanente de cada instituição e do sistema financeiro como um todo, para evitar crises bancárias, o BACEN deve aperfeiçoar seus métodos de avaliação, principalmente dos níveis de consistência entre a composição dos passivos (fontes de recursos) e o portifólio de ativos (aplicações financeiras) de cada instituição financeira, o que evitará a evolução de derivativos e a valorização fictícia de ativos.

Em síntese: a recente manutenção da taxa básica de juros (SELIC), traduzirá um controle altamente perverso da inflação e poderá até mesmo agravá-la devido, tanto às absorções de altas de preços de produtos importados, quanto aos procedimentos defensivos de setores oligopolizados, que são capazes de manter suas margens de lucros via elevações de preços para compensar aumentos dos custos de capital de giro e prejudica o balanço de transações correntes. Quer dizer: quanto mais alta a taxa de juros, maior o custo de capital, o que resulta em maior seletividade de investimentos segundo a taxa de rentabilidade esperada.

Cézar Manoel de Medeiros, economista, doutor pelo IE-UFRJ, 1º Lugar no Prêmio IPEA-CEF(2007), Novembro/2008