O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores promoveu, no dia 26 de novembro, um concorrido debate sobre a crise internacional e seus efeitos no Brasil, tendo como palestrantes Guido Mantega e Marco Aurélio Garcia.

Dois outros debates estão previstos, o primeiro no dia 2 de dezembro, em São Paulo, em promoção conjunta com o PCdoB; e o segundo no dia 16 de dezembro, em Salvador, em promoção conjunta com o PSB e com o PCdoB.

O debate realizado em Brasília reafirmou que a crise internacional é produto direto das chamadas políticas neoliberais, em particular da desregulamentação dos mercados financeiros.

Reafirmou, também, que enfrentar a crise exige adotar medidas que reforcem o investimento público, o mercado interno, a integração regional e, de maneira geral, o papel do Estado na economia.

Noutras palavras: tanto a crise quanto a solução apontam para a desmoralização da visão de mundo neoliberal. Este é um aspecto que nunca é demais destacar, até porque os porta-vozes do neoliberalismo continuam à solta, especialmente nas empresas de comunicação, exigindo do governo brasileiro que corte investimentos e reduza o papel do Estado.

O debate promovido pelo Diretório Nacional do PT mostrou, também, que há muitas questões polêmicas, em aberto e a aprofundar.

A primeira delas diz respeito à profundidade e a duração da crise. Existe uma tendência, bastante compreensível, a destacar as vantagens comparativas dos “países em desenvolvimento”, em particular o Brasil, frente aos Estados Unidos e à Europa.

Esta tendência pode conduzir a dois equívocos: por um lado, a minimizar os efeitos da crise na “periferia”; por outro lado, a não considerar devidamente que os paises centrais vão tentar transferir os custos da crise para o “resto do mundo”. Mesmo quem acredita que o imperialismo é um “tigre de papel”, deveria levar em conta e se prevenir adequadamente contra esta tentativa.

A diferença de opinião sobre estas questões ajuda a explicar as atitudes opostas que existem, em nosso Partido, acerca da rodada Doha: enquanto alguns comemoram seu fracasso, outros defendem a ressureição. Explica, ainda, porque alguns se entusiasmaram com a reunião do G20, enquanto outros alertaram para seus limites e riscos.

Outra questão em aberto é a natureza da conexão entre a crise financeira e a crise econômica no sentido geral da palavra.

Existe uma tendência a considerar o fechamento de empresas e o desemprego como uma decorrência da crise financeira, não percebendo ou não considerando em devida conta que, em última análise, a crise financeira e a especulação que a precedeu é, em si mesma, uma decorrência da dinâmica contraditória da produção capitalista.

Noutras palavras: o contraditório “sucesso” da expansão capitalista, inclusive no terreno produtivo, é que está na origem da vertigem financeira.

O superdimensionamento do aspecto financeiro da crise conduz à adoção de medidas anticíclicas de apoio ao “capital produtivo”, sem considerar (ou sem considerar devidamente) que este próprio “capital produtivo”, e não apenas os mercados financeiros, também precisa ser submetido a fortíssimos controles.

Aliás, o próprio conceito de capital financeiro supõe aquilo que conhecemos na realidade das grandes empresas brasileiras e mundiais: a imbricação entre capital industrial e bancário.

A diferença de opinião sobre estas questões está na base das divergências acerca de algumas medidas adotadas pelo governo, em benefício de segmentos do empresariado. E, por outro lado, nas diferentes ênfases que uns e outros concedemos a bandeiras como a redução da jornada de trabalho, a reforma agrária e o fortalecimento radical das políticas sociais universais.

Uma terceira questão em aberto diz respeito ao impacto da crise sobre o Brasil.

A este respeito, parece haver alguns consensos: a) a economia brasileira está menos vulnerável, hoje, do que nos anos 1990; b) estamos mais fortes do que estaríamos, caso estivéssemos aplicando as políticas tucanas; c) estaríamos ainda melhor se, durante parte do primeiro mandato de Lula, o Ministério da Fazenda não fosse linha auxiliar das políticas pró-capital financeiro.

Destas conclusões, aparentemente (uma vez que os liberais existentes na própria esquerda andam meio calados) consensuais, desdobram-se linhas diferentes de análise e de propostas.

Entre estas linhas, registro a tendência a superestimar a fortaleza da economia brasileira e a considerar suficiente a adoção de medidas preventivas e corretivas.

Claro que algumas destas medidas, como a redução dos juros, são fundamentais e inadiáveis, sendo incrível ver como Henrique Meirelles insiste, contra quase tudo e contra quase todos, em retardar o inevitável. Sendo ainda mais incrível que o governo tolere, no seu meio, um sabotador assumido e explícito das políticas anticíclicas.

Mas medidas preventivas e corretivas, por si só, não parecem suficientes para enfrentar uma crise internacional desta magnitude, especialmente do ponto de vista de quem tem como objetivo patamares de desenvolvimento e igualdade social muito superiores aos já experimentados pelo Brasil, nos anos 1980 e antes.

É preciso ir além, revertendo medidas adotadas ao longo dos anos 90 e implementando reformas estruturais, a começar pela tributária (não confundir com as medidas parciais e contraditórias que volta e meia entram em discussão no Congresso Nacional). Mas para isto se transformar em realidade, é preciso outro enfoque, que considere a necessidade de medidas extraordinárias, que exigem intensa mobilização social e luta político-ideológica.

O maior equívoco, contudo, não reside na ingenuidade de algumas análises econômicas, sobre nossa fortaleza e sobre que medidas adotar. O maior perigo está num certo “economicismo”, ou seja, na visão que reduz e confunde a gestão da crise com a gestão administrativa da economia.

Nota bene: enfrentamos as eleições de 2008 num cenário ainda favorável e obtivemos um resultado aquém do necessário. Enfrentaremos as eleições 2010 num cenário diferente e pior, pois mesmo que tenhamos total êxito na administração da economia, ainda assim haverá desaceleração, com todas as conseqüências derivadas.

O que quer dizer que teremos que “compensar”, no terreno da política (debate ideológico, mobilização social e partidária, medidas legislativas e de governo), os prejuízos decorrentes da crise.

A esse respeito, vivemos uma situação contraditória, que fica mais evidente no terreno ideológico.

A saber: se é verdade que os neoliberais foram desmoralizados (embora a Miriam Leitão ainda não tenha percebido isto); e se é verdade que “todo mundo virou keynesiano”; também é verdade que batalhas passadas não vencem as guerras do presente nem do futuro.

Desde já e ao longo dos próximos anos, no Brasil, na região latino-americana e no mundo, está em questão a natureza do pós-neoliberalismo. Ou seja: qual mundo será construído depois do que alguns têm chamado de “a queda do muro” deles.

Espera-se da esquerda, especialmente de um partido socialista como pretende ser o nosso PT, que consiga oferecer um horizonte mais amplo e uma perspectiva diferente daquela que é oferecida por Lord Keynes. Que, vamos lembrar, tinha como propósito salvar o capitalismo.

*Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT