Para os que crêem, camo eu, numa evolução para melhor do ser humano através dos milênios, a eleição de Obama foi uma vitória da Humanidade. Uma vitória contra o racismo (logo, contra a desigualdade estrutural), contra o belicismo, o realismo da força e da guerra na relação entre os povos, e contra o destrutivismo irresponsável da poluição do mundo. Pode ter sido, também, e espero que o tenha, uma vitória contra a neoliberalismo e seu cinismo essencial.

Para os que crêem, camo eu, numa evolução para melhor do ser humano através dos milênios, a eleição de Obama foi uma vitória da Humanidade. Uma vitória contra o racismo (logo, contra a desigualdade estrutural), contra o belicismo, o realismo da força e da guerra na relação entre os povos, e contra o destrutivismo irresponsável da poluição do mundo. Pode ter sido, também, e espero que o tenha, uma vitória contra a neoliberalismo e seu cinismo essencial.

É uma vitória que invoca o empenho de grandes figuras americanas da História, como Martin Luther King, cujo sonho parece agora uma realidade; como Woodrow Wilson e seus 14 pontos da paz que levaram à Liga das Nações, e Franklin Roosevelt que não chegou a ver mas foi o grande inspirador das Nações Unidas, e suas instituições mundiais da paz; invoca a obra de George Washington e Thomas Jefferson que, junto com os Federalistas (Hamilton, Jay e Madison), criaram a primeira república democrática moderna, e de Abraham Lincoln que a consolidou, libertando-a do escravismo. Invoca ainda as figuras humanisticas dos irmãos Kennedy, John e Robert, assassinados pelo que há de mais selvagem no capitalismo que lá tem a sua sede.

Efetivamente, a Humanidade deve muito aos norte-americanos na sua evolução aperfeiçoadora, apesar do cinismo do seu business e da avidez de Wall Street; apesar da estreiteza e tacanhez de alguns líderes recentes como Bush e Reagan; apesar da brutalidade cruel de suas agressões militares interesseiras dos últimos anos.

Esse crédito histórico dos americanos abrange todos os setores da ciência e das artes, e a Universidade americana é, de longe, o maior repositório e a maior fonte de avanços do conhecimento humano nos dias de hoje. Por especial predileção minha, focalizo a literatura e lembro a grandeza, o humanismo e a perfeição dos romances de Falkner, de Hemingway e de Steinbeck, cama da obra poética de Whitman e de Pound, sem esquecer que T.S. Eliot era americano, e podendo ainda aditar nesta menção as belas canções de Bob Dy1an.

Sim, mas a contribuição maior da Nação Americana está justamente na política; na filosofia política e na prática política. Na filosofia ressalta o nome de um dos dois maiores pensadores políticos da segunda metade da século vinte, que foi John Rawls, de Harvard (o outra, o alemão Habermas). Sua "Teoria da Justiça" é um verdadeiro monumento filosófico, que fundamenta, com rigor impecável e lógica primorosa, a opção ética prioritária pela busca da igualdade na realização do ideal democrático, contrariando frontalmente o descaramento neoliberal que esteve tão hegemônico nos últimos anos, particularmente no seu país.

Foi a prática política, entretanto, o grande destaque da contribuição do povo norte-americano para a história da Humanidade; um povo, aliás, extremamente vocacionado para a prática, para o fazer das coisas idealizadas na teoria. E foi o povo que teve a primazia da realização da experiência democrática republicana, antes da grande revolução francesa; uma democracia que garantia a liberdade e acenava com a felicidade; a democracia simbolizada na Estátua da Liberdade, que iluminava os semblantes dos emigrantes do mundo inteiro que chegavam a Nova lorque nessa busca da felicidade; democracia que tem sido uma realização custosa, atravessando vicissitudes muito duras e pungentes; uma realização ainda inacabada que, sem dúvida, concretizou um avanço crucial com a eleição do novo Presidente, o primeiro negro, na história dessa grande República.

Barak Obama venceu pela proposta fundamental de substituir a idéia de dominação do mundo pela de concertação com o mundo. Proposta esta que ele soube apresentar com grandeza de sentimento e eloqüência do discurso. Não foi uma promessa de mudar o mundo ou mesmo a América; mas foi uma convocação do povo americano para reconhecer; demonstrar e confirmar pelo voto a mudança que já está ocorrendo dentro do seu próprio país, a mudança da arrogância para o entendimento, da desfaçatez para a razão da justiça. O povo o entendeu e compareceu em massa, estabelecendo um recorde de presença na votação presidencial. Sim, se aconteceu esta escolha popular que se mostrava ao início tão improvável, é porque algo mudou na profundidade do sentimento e do pensamento americano.

Vamos saudá-lo. O fato de o adversário ser uma caricatura de mau gosto não diminui em nada a importância da mudança. Mudança que ocorre em meio à maior crise econômica dos últimos cinqüenta anos, causada precisamente pela dominância desse espírito aético que o mundo quer mudar. Mudança que pode amenizar muito a luta competitiva e ruinosa entre os povos e as pessoas, pode reduzir o individualismo exacerbado e humanizar o relacionamento entre as gentes, redescobrindo razões e laços de solidariedade. Essa mudança pode salvar nosso belo planeta que gira e se translada em direção à destruição pela cupidez do lucro e pela ilusão do consumismo.

A vitória de Obama tem um significado político que aponta para a razão, o entendimento, os valores humanos e a preservação da Mãe Terra. Não vamos, nós, brasileiros, assumir o gesto menor de avaliar possíveis danos na exportação causados pelo protecionismo dos democratas. Vamos saudá-la, sim, em tom maior, como vitória da Humanidade, que será positiva para o mundo inteiro; vamos comemorá-la até como meio de elevar as probabilidades da materialização do seu grandioso significado potencial.

Publicado Originalmente em Correio Saturnino, artigo 39/2008.