Confiança, de Agostinho Neto

Agostinho Neto

O médico, poeta e revolucionário angolano reuniu na sua vida, concluída em 1979 após 57 anos de ativíssima esperança, os cacos de humanidade que séculos da mais brutal opressão escravista e colonial não conseguiram finalmente cindir.

O poema “Confiança” , extraído do livro “Sagrada Esperança”, editado pela primeira vez em língua italiana com o nome Com Occhi Asciutti (Com os olhos secos) em 1963, é bem uma expressão deste reunião da multidão dos seres separados de sua raiz.

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Confiança

O oceano separou-me de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.

Na minha história
existe o paradoxo do homem disperso

Enquanto o sorriso brilhava
no canto da dor
e as mãos construíam mundos maravilhosos

John foi linchado
o irmão chicoteado nas costas nuas
a mulher amordaçada
e o filho continuou ignorante

E do drama intenso
duma vida imensa e útil
resultou certeza

As minhas mãos colocaram pedras
nos alicerces do mundo
mereço o meu pedaço de pão